Entre os próximos dias 6 e 18 de novembro, a cidade de Sharm El-Sheikh, no Egito, sediará a 27ª edição de um dos eventos de maior relevância, hoje, no cenário internacional, do ponto de vista climático: a Conferência das Partes ("COP").
A COP se trata de um evento promovido anualmente e estruturado para expandir a discussão de questões climáticas e fenômenos delas decorrentes, como o aumento da temperatura da terra, os efeitos do aquecimento global e as formas de contê-los.
O evento é integrado por países aderidos à Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (ou United Nations Framework Convention on Climate Change - "UNFCCC"), tratado internacional voltado ao tema do clima.
Apesar da gama de possíveis debates dentro da pauta climática mundial, a principal preocupação dos países que irão à COP, hoje, está atrelada aos acordos já firmados em grandes eventos anteriores, assim como questões geopolíticas.
Não é de hoje que parece haver um cenário conturbado ao adentrar-se a temática do meio ambiente. Não obstante, a discussão acentua-se diante do acirramento das tensões entre China e Taiwan, além da emergência da guerra da Ucrânia, especialmente quando se trata de alteração da matriz energética mundial e dos impactos ambientais e econômicos que podem decorrer do embate com a Rússia.
Não menos importante, estão em alta discussões acerca do Acordo de Paris, no que diz respeito à sua implementação, próximas etapas e desafios (financiamento e mitigação dos impactos das alterações climáticas nos países em desenvolvimento e africanos; adaptação climática e perdas e danos em áreas vulneráveis às mudanças climáticas).
Também de extrema relevância, os mercados de carbono serão um dos grandes temas de debate na COP 27, posto que, por força do vultuoso movimento econômico que vêm promovendo, importantes economistas e empresas privadas voltam, hoje, boa parte de sua atenção ao tema.
Criado pelo Protocolo de Quioto de 1997, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo ("MDL") foi o primeiro e um dos principais instrumentos de monetização de projetos de promoção de um meio ambiente mais sustentável, mas acabou por "aquietar-se" nos anos que se antecederam à COP 21, de 2015, em razão de suas extremas rigidez e burocracia.
O MDL deu ensejo à criação de outras formas de comercialização de metas climáticas e ao surgimento de mercados de carbono não regulados nos mais variados países e núcleos, o que acabou por ramificar as transações.
Foi somente em 2015, com a assinatura do Acordo de Paris, que a discussão da criação de um mercado de carbono robusto e unificado tomou uma proporção maior, embora não tenha ainda se esgotado.
Assim, se na COP 26 foram estruturadas formas de compensação entre países (as denominadas Internationally Transferred Mitigation Outcomes - ITMOs) e estabelecido o "novo MDL", cujo intuito é a criação de projetos de redução de emissões ou remoção de Gases do Efeito Estufa ("GEE"), denominada como "Mecanismo do Artigo 6.4 ou A6.4ERs"; na COP 27, espera-se que sejam discutidas a infraestrutura e processos para implantação desses sistemas.
Além disso, em relação ao mercado de carbono, esperam-se discussões pautadas nas metodologias e critérios para o artigo 6.4 do Acordo de Paris, que estabelece mecanismos para contribuição da mitigação de emissão de GEE.
Considerando os encontros prévios à COP 27 (tal como Bonn, na Alemanha), o mercado espera avanços relevantes nas discussões e tratativas das pautas climáticas e uma definição do rumo das economias mundiais nesse tema.
No que diz respeito aos interesses brasileiros, esta edição será a primeira a conceder espaço aos governadores dos estados que abrigam a Amazônia para apresentação de suas próprias propostas e intenções, para além dos estandes cedidos aos ministérios do governo brasileiro e às organizações não governamentais ("ONGs").
Há expectativas enormes de uma reabertura do Fundo Amazônia e de que a região possa passar a reaver recursos de financiadores estrangeiros para fomento à manutenção das florestas e à descarbonização do país e do mundo.
E não à toa se aventa essa perspectiva: no último dia 31, após o resultado das eleições presidenciais no Brasil, a Noruega, antigo investidor e aliado brasileiro, anunciou que irá retomar o fomento a projetos de contenção do desmatamento da Amazônia mediante ajuda financeira, que havia cessado na constância do atual governo. O país divulgou a existência de cerca de R$ 2,52 bilhões a serem destinados a ações para preservação da floresta.
A Floresta Amazônica está entre os ecossistemas mais importantes do mundo, por abrigar uma infinidade de espécies animais e arbóreas, atuando como um grande repositório de GEEs. Essa é a razão pela qual sua preservação é vista como fundamental para o alcance generalizado de metas climáticas, o que pode vir a torná-la - a preservação - a mais nova e valiosa moeda mundial.
Muitas serão as discussões, debates e negociações, além das principais delas aqui explicadas. Agora, resta aguardar o início da COP 27 para que se comentem os avanços que se estenderão para 2023 e se serão atendidas as grandes e positivas expectativas.
Cabe relembrar que o Brasil passará por uma alteração presidencial no próximo ano, de modo que pairam dúvidas sobre qual será a postura do atual governo nas negociações no âmbito da COP 27 - isto é, se será ativa, visando a negociações e apresentações de planos e metas; ou se mais neutra, de modo a delegar a tomada de decisões ao novo governo.
O que se espera de um cenário ideal para o meio ambiente, entretanto, é que se evitem o adiamento das negociações e, simultaneamente, o conflito com o novo modelo de governo a ser implementado pelos próximos 4 anos.
Desse modo, a expectativa é de que, com base nos princípios de cooperação entre o governo atual e o governo eleito[1], haja a convocação de um membro da equipe de transição governamental para atuação conjunta no evento, a fim de alinhar projetos e expectativas nacionais diante da pauta climática.
O Presidente eleito, inclusive, a convite do Consórcio de Governadores da Amazônia Legal, já sinalizou um possível comparecimento ao evento, o que poderá ser o início da demonstração das propostas do novo governo em relação à pauta ambiental.
[1] Lei Federal nº 10.609/2022 e Decreto Federal nº 7.221/2010
*André Pereira de Morais Garcia, associado do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, atuação em Direito Ambiental. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2017
*Douglas Nadalini é sócio do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, atua nas áreas Ambiental, Prevenção e Resolução de Litígios. Graduado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Possui especialização em Direito Tributário e em Processo Tributário pelo Instituto de Estudos Tributários / Instituto Brasileiro de Direito Tributário da Universidade de São Paulo (USP). E em Direito Ambiental pela Faculdade de Direito e pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP)
*Gabriela Acedo Vieira, advogada do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, atuação em Direito Ambiental