A discussão acerca da abrangência do Rol de Procedimentos da ANS não é um tema novo. A grande maioria dos tratamentos negados pelas operadoras de planos de saúde possui como fundamento a ausência de previsão no Rol ou a inadequação da prescrição médica às Diretrizes de Utilização Terapêutica (DUT) estabelecidas pela ANS.
De maneira recente, o debate foi amplificado em razão do julgamento da 2.ª Seção do STJ, que fixou o entendimento pela taxatividade mitigada do Rol da ANS, ou seja, estabeleceu como regra a taxatividade do Rol, mas fixou algumas hipóteses restritas para a cobertura de tratamentos que não estejam previstos no Rol.
O Rol da ANS sempre foi interpretado como exemplificativo. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), por exemplo, desde 2013 possui entendimento sobre a abusividade das negativas de cobertura pelos planos de saúde, pelo simples fato de o tratamento prescrito não estar no Rol da ANS.
E essa interpretação nunca foi exclusiva do Poder Judiciário. A própria ANS, desde a sua existência, sempre estabeleceu que o Rol de procedimentos era uma referência básica para cobertura mínima obrigatória. Aliás, essa é a competência que a Lei 9.961/2000 atribuiu à ANS: "elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos de Saúde.
Nesse sentido, por exemplo, a RN 428 da ANS, que atualizou o Rol de Procedimentos em 2017, repetindo o texto das Resoluções Normativas anteriores, estabeleceu que: o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, constitui a referência básica para cobertura mínima obrigatória da atenção à saúde nos planos privados de assistência à saúde.
No entanto, em 2021, em meio ao julgamento do assunto pela 2.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, a ANS editou a RN 465/2021 e oportunamente incluiu, pela primeira vez, o termo "taxativo" no texto de uma Resolução Normativa que trata do Rol de Procedimentos.
O rol taxativo é uma invenção recente, ardilosa, que visa usurpar a Lei para defender tão somente os interesses econômicos das operadoras, sem considerar as reais necessidades dos beneficiários dos planos de saúde, tampouco o bom funcionamento do sistema de saúde brasileiro como um todo. Interpretar o Rol como taxativo significa ampliar a competência da ANS além daquela estabelecida pela Lei.
Também não há qualquer demonstração plausível do suposto impacto econômico-financeiro do Projeto de Lei sobre os contratos. As críticas trazidas pela ANS ficam apenas no campo da retórica, uma vez que a Agência não apresentou nenhum estudo que demonstre o impacto regulatório e o impacto orçamentário, para justificar que o Projeto de Lei, de fato, trará as consequências econômicas e assistenciais alegadas na nota.
A Nota Técnica da ANS também não demonstrou, com relação à eficácia e segurança dos procedimentos e tratamentos, que a sua metodologia utilizada para a atualização do Rol é superior àquelas utilizadas pelas renomadas agências nacionais e estrangeiras citadas no Projeto de Lei.
Também não podemos desconsiderar que o Poder Judiciário sempre foi atento ao analisar as demandas envolvendo tratamentos fora do Rol de Procedimentos da ANS. O Judiciário nunca deu um cheque em branco para os consumidores exigirem qualquer tratamento dos planos de saúde.
Pedidos de tratamentos experimentais ou procedimentos com fins puramente estéticos, por exemplo, não encontram abrigo no Poder Judiciário.
Também é necessário destacar valores constitucionais do Projeto de Lei. A defesa do consumidor, por exemplo, é uma garantia fundamental da Constituição Federal, além de ser um dos objetivos da ordem econômica. Significa dizer que a regulação não deve ter apenas objetivos econômicos, mas também sociais, entre os quais consiste em propiciar um sistema equitativo, que atenda aos consumidores na medida das suas necessidades.
Certamente, os problemas relacionados à saúde suplementar devem ser abordados não apenas como um assunto que diz respeito aos 49 milhões de brasileiros ligados aos planos de saúde. Deve, também, considerar as inúmeras repercussões das práticas desse setor no funcionamento do sistema de saúde brasileiro.
Portanto, a exclusão de coberturas, além de ser uma questão recorrente no Poder Judiciário e interferir no acesso ao tratamento dos beneficiários, também reflete no funcionamento do sistema público de saúde, pois grande parte dos tratamentos recusados pelas operadoras de planos de saúde, sobretudo os mais caros e complexos, terão de ser absorvidos pelo SUS.
Com a aprovação do presente Projeto de Lei, o Senado terá a oportunidade de impedir um retrocesso regulatório em desfavor dos consumidores de planos de saúde e da sociedade como um todo.
*Rafael Robba, sócio do Vilhena Silva Advogados