Quando o doleiro Alberto Yousseff, nas telas renomeado 'Roberto Ibrahim', vivido pelo ator Enrique Diaz, diz para o delegado federal Ruffo, seu algoz, ainda dentro do camburão - quando este acabou de prendê-lo por ocultação de bens e lavagem de dinheiro -, que iria sair em menos de três dias pois 'o meu advogado é o Ministro da Justiça', estava ali resumida a intenção, o foco e a obra de José Padilha e Elena Soares.
O 'Mecanismo' que vai ao ar pela Netflix, com direção de Marcos Prado, no dia 23 de março, teve nesta quarta-feira, 14, sua avant première no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.
Mesmo que essa frase nunca tenha sido dita por Alberto Yousseff, ela certamente encerra uma certeza que muitas e muitas vezes foi pensada, por todos os operadores do 'mecanismo'.
Hoje sabemos que foi um ministro da Justiça quem soprou para a presidente da República avisar aos criminosos João Santana e senhora, sobre a expedição de mandados de prisão expedidos contra eles.
O ministro, nesse momento, atuava como chefe hierárquico da Polícia Federal ou como consigliere do crime institucionalizado?
Para entendermos melhor a principal proposta da série, teríamos que resgatar a memória de dois artigos que o diretor de cinema José Padilha publicou em 2016, 'A importância da Lava Jato' e 'Desobediência Civil'.
Nos textos, em suma, Padillha descreve em 27 enunciados o maquiavelismo das elites políticas brasileiras e nos mostra como estamos prisioneiros desse 'mecanismo', expressão utilizada para se referir à trama montada por partidos políticos e grandes fornecedores do Estado, conforme colocou o cineasta.
O que ele chama de 'mecanismo' seria, grosso modo, o crime institucionalizado.
Esses artigos, somados à série da Netflix, talvez se consubstanciem num roteiro a ser seguido para qualquer mestrado em Ciências Políticas que se disponha a dissecar a nossa corrupção sistêmica.
Merecem transcrição aqui duas conclusões de Padilha: (1) a estabilidade econômica a curto prazo não é mais importante do que o serviço que a Lava Jato estará prestando se for ultimada; (2) sem a participação popular não salvaremos a Lava Jato e nem mudaremos essa triste realidade (que nos faz eternos reféns de mecanismos criminosos pilotados pelo andar de cima da política).
Assino embaixo de cada vírgula dos textos de José Padilha e de cada frame filmado por Marcos Prado.
*Jorge Pontes é delegado de Polícia Federal e foi diretor da Interpol