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Perplexidade e retrocesso em decisão liminar sobre MP 936/2020


Por Renata Azi
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No apagar das luzes do último dia 6, uma medida liminar concedida pelo STF em Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Rede Sustentabilidade parece ter aniquilado a Medida Provisória 936/2020, deixando milhares de trabalhadores entregues à própria sorte. O atual estado de calamidade pública decorrente do grave problema sanitário de escala mundial obrigou governos de inúmeros países a adotar medidas restritivas de isolamento.

Essas medidas incluem a manutenção da população em casa, salvo aqueles que realizam atividades legalmente qualificadas como essenciais, com o fechamento de empresas nos mais diversos setores da economia. Tudo isso no intuito de frear a disseminação da covid-19, sendo este também o cenário vivenciado no Brasil.

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Na tentativa de minimizar os impactos negativos causados pelo isolamento e a paralisação dos negócios e de salvaguardar empregos, o Governo federal editou uma série de medidas provisórias. Em especial a 936/2020, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e o pagamento de benefício emergencial, admitindo a flexibilização de direitos trabalhistas através de acordos individuais celebrados diretamente entre o empregador e o empregado.

A MP 936/2020 autorizou a suspensão temporária do contrato de trabalho pelo prazo máximo de 60 dias, com o pagamento de benefício emergencial pelo Governo, equivalente a 70% ou 100% do valor do seguro-desemprego a que o empregado teria direito. A Medida Provisória também autorizou a redução da jornada de trabalho e do salário, de forma proporcional, com a preservação do valor do salário-hora, apenas determinando que o sindicato profissional fosse, a posteriori, comunicado do ajuste.

Portanto, empregado e empregadores estavam livres para ajustar as novas condições e preservar os postos de trabalho, assegurando àqueles a manutenção do seu negócio e a estes não apenas os seus postos de trabalho como a sua subsistência e de suas famílias.

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Contudo, de forma surpreendente, o Supremo fez letra morta da MP 936/2020, em decisão de natureza cautelar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski na ADI 6.363/DF. O ministro aplicou interpretação conforme a Constituição, estabelecendo que os acordos individuais "apenas surtirão efeitos jurídicos plenos após manifestação dos sindicatos dos empregados", ainda que essa manifestação seja o silêncio sindical (aceite tácito), sob pena de invalidade.

A decisão causa perplexidade sob inúmeros vieses: (i) político, pois era de se esperar que houvesse interlocução entre os Poderes do Estado para o bem da sociedade e segurança jurídica dos jurisdicionados. Se o executivo edita medidas urgentes que começam a ser questionadas judicialmente com a chancela da mais alta Corte Brasileira que segurança se terá para implementá-las? (ii) econômico e social, pois, privados da perspectiva de validamente suspender os contratos de trabalho ou reduzir proporcional jornada e salário, e sem condições de suportar os ônus decorrentes de uma negociação coletiva, a consequência inexorável será o desemprego para milhões de famílias brasileiras e uma profunda recessão; (iii) prática: quem pagará os salários dos empregados no período que decorrer entre o ajuste individual e a manifestação do sindicato (ou a sua ausência) e o que acontecerá se o Sindicato não convalidar o acordo individual?

Os sindicatos estão abertos, funcionando normalmente? Como se dará a negociação? O que fazer com os mais de 7 mil acordos individuais já registrados, segundo dados do Ministério da Economia? (iv) jurídica posto que a MP 936/2020 não nos parece padecer de inconstitucionalidade: nenhum princípio constitucional é absoluto.

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A suspensão do contrato de trabalho não tem assento na Constituição Federal, tampouco se extrai dela qualquer condicionante à prévia negociação coletiva. Tanto assim que inúmeras normas infraconstitucionais estabeleceram hipóteses de suspensão do contrato de trabalho, a exemplo do que ocorre quando o empregado está em gozo de benefícios previdenciários como auxílio-doença ou auxílio-maternidade, e não há, nestes casos, o pagamento de qualquer fração salarial pelo empregador. Portanto, o que a MP 936/2020 fez foi criar nova hipótese de suspensão do contrato de trabalho.

O contrato de trabalho é sinalagmático por essência, havendo uma relação de prestação e contraprestação, do ut des. É por esta razão que na suspensão contratual o empregado não trabalha e o empregador não lhe remunera. Contudo, a MP mitigou os efeitos deletérios da suspensão contratual quando estabeleceu o pagamento de benefício emergencial e ainda exigiu do empregador, mesmo sem contrapartida oferecida pelo empregado, a manutenção dos benefícios e o pagamento de 30% do valor do salário para empresas cujo faturamento anual seja superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).

Portanto, se a Constituição Federal não trata da suspensão do contrato de trabalho, nem mesmo para condicioná-la a prévia negociação coletiva, a pecha de inconstitucionalidade não é razoável.

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Quanto à redução da jornada e do salário a MP 936/2020 determinou a preservação do valor do salário-hora, o que, a rigor, não pode ser tachado de redução salarial e, portanto, não se vislumbra ofensa ao princípio constitucional de irredutibilidade salarial e, pois, a necessidade de negociação coletiva.

Além disso, nenhum direito ou princípio constitucional é absoluto. A supremacia das negociações coletivas como vetor de flexibilização de direitos trabalhistas cede e deve ser sopesado com outros, como o da garantia do emprego, o da função social da empresa, o da valorização do trabalho e, em última análise, o da dignidade da pessoa humana. Esta, no momento de pandemia mundial e de grave crise econômica, significa ter um posto de trabalho e fonte de renda quando o estado de isolamento social for superado.

A negociação coletiva é, em regra, conflituosa e envolve, quase sempre, a concessão de benefícios em troca daquilo que se quer. Ora, o momento exige rapidez, imediatidade e não há espaço para negociatas. O que fez o STF, sem analisar os impactos pragmáticos da sua decisão, foi priorizar os sindicatos e as negociações coletivas, tão combalidos pela reforma trabalhista de 2017, em detrimento de toda a sociedade brasileira e, em especial, dos milhões de trabalhadores cuja última esperança de manter seus empregos foi pelo ralo junto com a MP 936/2020.

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*Renata Azi é advogada e sócia do Pessoa & Pessoa Advogados Associados

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No apagar das luzes do último dia 6, uma medida liminar concedida pelo STF em Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Rede Sustentabilidade parece ter aniquilado a Medida Provisória 936/2020, deixando milhares de trabalhadores entregues à própria sorte. O atual estado de calamidade pública decorrente do grave problema sanitário de escala mundial obrigou governos de inúmeros países a adotar medidas restritivas de isolamento.

Essas medidas incluem a manutenção da população em casa, salvo aqueles que realizam atividades legalmente qualificadas como essenciais, com o fechamento de empresas nos mais diversos setores da economia. Tudo isso no intuito de frear a disseminação da covid-19, sendo este também o cenário vivenciado no Brasil.

Na tentativa de minimizar os impactos negativos causados pelo isolamento e a paralisação dos negócios e de salvaguardar empregos, o Governo federal editou uma série de medidas provisórias. Em especial a 936/2020, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e o pagamento de benefício emergencial, admitindo a flexibilização de direitos trabalhistas através de acordos individuais celebrados diretamente entre o empregador e o empregado.

A MP 936/2020 autorizou a suspensão temporária do contrato de trabalho pelo prazo máximo de 60 dias, com o pagamento de benefício emergencial pelo Governo, equivalente a 70% ou 100% do valor do seguro-desemprego a que o empregado teria direito. A Medida Provisória também autorizou a redução da jornada de trabalho e do salário, de forma proporcional, com a preservação do valor do salário-hora, apenas determinando que o sindicato profissional fosse, a posteriori, comunicado do ajuste.

Portanto, empregado e empregadores estavam livres para ajustar as novas condições e preservar os postos de trabalho, assegurando àqueles a manutenção do seu negócio e a estes não apenas os seus postos de trabalho como a sua subsistência e de suas famílias.

Contudo, de forma surpreendente, o Supremo fez letra morta da MP 936/2020, em decisão de natureza cautelar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski na ADI 6.363/DF. O ministro aplicou interpretação conforme a Constituição, estabelecendo que os acordos individuais "apenas surtirão efeitos jurídicos plenos após manifestação dos sindicatos dos empregados", ainda que essa manifestação seja o silêncio sindical (aceite tácito), sob pena de invalidade.

A decisão causa perplexidade sob inúmeros vieses: (i) político, pois era de se esperar que houvesse interlocução entre os Poderes do Estado para o bem da sociedade e segurança jurídica dos jurisdicionados. Se o executivo edita medidas urgentes que começam a ser questionadas judicialmente com a chancela da mais alta Corte Brasileira que segurança se terá para implementá-las? (ii) econômico e social, pois, privados da perspectiva de validamente suspender os contratos de trabalho ou reduzir proporcional jornada e salário, e sem condições de suportar os ônus decorrentes de uma negociação coletiva, a consequência inexorável será o desemprego para milhões de famílias brasileiras e uma profunda recessão; (iii) prática: quem pagará os salários dos empregados no período que decorrer entre o ajuste individual e a manifestação do sindicato (ou a sua ausência) e o que acontecerá se o Sindicato não convalidar o acordo individual?

Os sindicatos estão abertos, funcionando normalmente? Como se dará a negociação? O que fazer com os mais de 7 mil acordos individuais já registrados, segundo dados do Ministério da Economia? (iv) jurídica posto que a MP 936/2020 não nos parece padecer de inconstitucionalidade: nenhum princípio constitucional é absoluto.

A suspensão do contrato de trabalho não tem assento na Constituição Federal, tampouco se extrai dela qualquer condicionante à prévia negociação coletiva. Tanto assim que inúmeras normas infraconstitucionais estabeleceram hipóteses de suspensão do contrato de trabalho, a exemplo do que ocorre quando o empregado está em gozo de benefícios previdenciários como auxílio-doença ou auxílio-maternidade, e não há, nestes casos, o pagamento de qualquer fração salarial pelo empregador. Portanto, o que a MP 936/2020 fez foi criar nova hipótese de suspensão do contrato de trabalho.

O contrato de trabalho é sinalagmático por essência, havendo uma relação de prestação e contraprestação, do ut des. É por esta razão que na suspensão contratual o empregado não trabalha e o empregador não lhe remunera. Contudo, a MP mitigou os efeitos deletérios da suspensão contratual quando estabeleceu o pagamento de benefício emergencial e ainda exigiu do empregador, mesmo sem contrapartida oferecida pelo empregado, a manutenção dos benefícios e o pagamento de 30% do valor do salário para empresas cujo faturamento anual seja superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).

Portanto, se a Constituição Federal não trata da suspensão do contrato de trabalho, nem mesmo para condicioná-la a prévia negociação coletiva, a pecha de inconstitucionalidade não é razoável.

Quanto à redução da jornada e do salário a MP 936/2020 determinou a preservação do valor do salário-hora, o que, a rigor, não pode ser tachado de redução salarial e, portanto, não se vislumbra ofensa ao princípio constitucional de irredutibilidade salarial e, pois, a necessidade de negociação coletiva.

Além disso, nenhum direito ou princípio constitucional é absoluto. A supremacia das negociações coletivas como vetor de flexibilização de direitos trabalhistas cede e deve ser sopesado com outros, como o da garantia do emprego, o da função social da empresa, o da valorização do trabalho e, em última análise, o da dignidade da pessoa humana. Esta, no momento de pandemia mundial e de grave crise econômica, significa ter um posto de trabalho e fonte de renda quando o estado de isolamento social for superado.

A negociação coletiva é, em regra, conflituosa e envolve, quase sempre, a concessão de benefícios em troca daquilo que se quer. Ora, o momento exige rapidez, imediatidade e não há espaço para negociatas. O que fez o STF, sem analisar os impactos pragmáticos da sua decisão, foi priorizar os sindicatos e as negociações coletivas, tão combalidos pela reforma trabalhista de 2017, em detrimento de toda a sociedade brasileira e, em especial, dos milhões de trabalhadores cuja última esperança de manter seus empregos foi pelo ralo junto com a MP 936/2020.

*Renata Azi é advogada e sócia do Pessoa & Pessoa Advogados Associados

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No apagar das luzes do último dia 6, uma medida liminar concedida pelo STF em Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Rede Sustentabilidade parece ter aniquilado a Medida Provisória 936/2020, deixando milhares de trabalhadores entregues à própria sorte. O atual estado de calamidade pública decorrente do grave problema sanitário de escala mundial obrigou governos de inúmeros países a adotar medidas restritivas de isolamento.

Essas medidas incluem a manutenção da população em casa, salvo aqueles que realizam atividades legalmente qualificadas como essenciais, com o fechamento de empresas nos mais diversos setores da economia. Tudo isso no intuito de frear a disseminação da covid-19, sendo este também o cenário vivenciado no Brasil.

Na tentativa de minimizar os impactos negativos causados pelo isolamento e a paralisação dos negócios e de salvaguardar empregos, o Governo federal editou uma série de medidas provisórias. Em especial a 936/2020, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e o pagamento de benefício emergencial, admitindo a flexibilização de direitos trabalhistas através de acordos individuais celebrados diretamente entre o empregador e o empregado.

A MP 936/2020 autorizou a suspensão temporária do contrato de trabalho pelo prazo máximo de 60 dias, com o pagamento de benefício emergencial pelo Governo, equivalente a 70% ou 100% do valor do seguro-desemprego a que o empregado teria direito. A Medida Provisória também autorizou a redução da jornada de trabalho e do salário, de forma proporcional, com a preservação do valor do salário-hora, apenas determinando que o sindicato profissional fosse, a posteriori, comunicado do ajuste.

Portanto, empregado e empregadores estavam livres para ajustar as novas condições e preservar os postos de trabalho, assegurando àqueles a manutenção do seu negócio e a estes não apenas os seus postos de trabalho como a sua subsistência e de suas famílias.

Contudo, de forma surpreendente, o Supremo fez letra morta da MP 936/2020, em decisão de natureza cautelar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski na ADI 6.363/DF. O ministro aplicou interpretação conforme a Constituição, estabelecendo que os acordos individuais "apenas surtirão efeitos jurídicos plenos após manifestação dos sindicatos dos empregados", ainda que essa manifestação seja o silêncio sindical (aceite tácito), sob pena de invalidade.

A decisão causa perplexidade sob inúmeros vieses: (i) político, pois era de se esperar que houvesse interlocução entre os Poderes do Estado para o bem da sociedade e segurança jurídica dos jurisdicionados. Se o executivo edita medidas urgentes que começam a ser questionadas judicialmente com a chancela da mais alta Corte Brasileira que segurança se terá para implementá-las? (ii) econômico e social, pois, privados da perspectiva de validamente suspender os contratos de trabalho ou reduzir proporcional jornada e salário, e sem condições de suportar os ônus decorrentes de uma negociação coletiva, a consequência inexorável será o desemprego para milhões de famílias brasileiras e uma profunda recessão; (iii) prática: quem pagará os salários dos empregados no período que decorrer entre o ajuste individual e a manifestação do sindicato (ou a sua ausência) e o que acontecerá se o Sindicato não convalidar o acordo individual?

Os sindicatos estão abertos, funcionando normalmente? Como se dará a negociação? O que fazer com os mais de 7 mil acordos individuais já registrados, segundo dados do Ministério da Economia? (iv) jurídica posto que a MP 936/2020 não nos parece padecer de inconstitucionalidade: nenhum princípio constitucional é absoluto.

A suspensão do contrato de trabalho não tem assento na Constituição Federal, tampouco se extrai dela qualquer condicionante à prévia negociação coletiva. Tanto assim que inúmeras normas infraconstitucionais estabeleceram hipóteses de suspensão do contrato de trabalho, a exemplo do que ocorre quando o empregado está em gozo de benefícios previdenciários como auxílio-doença ou auxílio-maternidade, e não há, nestes casos, o pagamento de qualquer fração salarial pelo empregador. Portanto, o que a MP 936/2020 fez foi criar nova hipótese de suspensão do contrato de trabalho.

O contrato de trabalho é sinalagmático por essência, havendo uma relação de prestação e contraprestação, do ut des. É por esta razão que na suspensão contratual o empregado não trabalha e o empregador não lhe remunera. Contudo, a MP mitigou os efeitos deletérios da suspensão contratual quando estabeleceu o pagamento de benefício emergencial e ainda exigiu do empregador, mesmo sem contrapartida oferecida pelo empregado, a manutenção dos benefícios e o pagamento de 30% do valor do salário para empresas cujo faturamento anual seja superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).

Portanto, se a Constituição Federal não trata da suspensão do contrato de trabalho, nem mesmo para condicioná-la a prévia negociação coletiva, a pecha de inconstitucionalidade não é razoável.

Quanto à redução da jornada e do salário a MP 936/2020 determinou a preservação do valor do salário-hora, o que, a rigor, não pode ser tachado de redução salarial e, portanto, não se vislumbra ofensa ao princípio constitucional de irredutibilidade salarial e, pois, a necessidade de negociação coletiva.

Além disso, nenhum direito ou princípio constitucional é absoluto. A supremacia das negociações coletivas como vetor de flexibilização de direitos trabalhistas cede e deve ser sopesado com outros, como o da garantia do emprego, o da função social da empresa, o da valorização do trabalho e, em última análise, o da dignidade da pessoa humana. Esta, no momento de pandemia mundial e de grave crise econômica, significa ter um posto de trabalho e fonte de renda quando o estado de isolamento social for superado.

A negociação coletiva é, em regra, conflituosa e envolve, quase sempre, a concessão de benefícios em troca daquilo que se quer. Ora, o momento exige rapidez, imediatidade e não há espaço para negociatas. O que fez o STF, sem analisar os impactos pragmáticos da sua decisão, foi priorizar os sindicatos e as negociações coletivas, tão combalidos pela reforma trabalhista de 2017, em detrimento de toda a sociedade brasileira e, em especial, dos milhões de trabalhadores cuja última esperança de manter seus empregos foi pelo ralo junto com a MP 936/2020.

*Renata Azi é advogada e sócia do Pessoa & Pessoa Advogados Associados

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No apagar das luzes do último dia 6, uma medida liminar concedida pelo STF em Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Rede Sustentabilidade parece ter aniquilado a Medida Provisória 936/2020, deixando milhares de trabalhadores entregues à própria sorte. O atual estado de calamidade pública decorrente do grave problema sanitário de escala mundial obrigou governos de inúmeros países a adotar medidas restritivas de isolamento.

Essas medidas incluem a manutenção da população em casa, salvo aqueles que realizam atividades legalmente qualificadas como essenciais, com o fechamento de empresas nos mais diversos setores da economia. Tudo isso no intuito de frear a disseminação da covid-19, sendo este também o cenário vivenciado no Brasil.

Na tentativa de minimizar os impactos negativos causados pelo isolamento e a paralisação dos negócios e de salvaguardar empregos, o Governo federal editou uma série de medidas provisórias. Em especial a 936/2020, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e o pagamento de benefício emergencial, admitindo a flexibilização de direitos trabalhistas através de acordos individuais celebrados diretamente entre o empregador e o empregado.

A MP 936/2020 autorizou a suspensão temporária do contrato de trabalho pelo prazo máximo de 60 dias, com o pagamento de benefício emergencial pelo Governo, equivalente a 70% ou 100% do valor do seguro-desemprego a que o empregado teria direito. A Medida Provisória também autorizou a redução da jornada de trabalho e do salário, de forma proporcional, com a preservação do valor do salário-hora, apenas determinando que o sindicato profissional fosse, a posteriori, comunicado do ajuste.

Portanto, empregado e empregadores estavam livres para ajustar as novas condições e preservar os postos de trabalho, assegurando àqueles a manutenção do seu negócio e a estes não apenas os seus postos de trabalho como a sua subsistência e de suas famílias.

Contudo, de forma surpreendente, o Supremo fez letra morta da MP 936/2020, em decisão de natureza cautelar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski na ADI 6.363/DF. O ministro aplicou interpretação conforme a Constituição, estabelecendo que os acordos individuais "apenas surtirão efeitos jurídicos plenos após manifestação dos sindicatos dos empregados", ainda que essa manifestação seja o silêncio sindical (aceite tácito), sob pena de invalidade.

A decisão causa perplexidade sob inúmeros vieses: (i) político, pois era de se esperar que houvesse interlocução entre os Poderes do Estado para o bem da sociedade e segurança jurídica dos jurisdicionados. Se o executivo edita medidas urgentes que começam a ser questionadas judicialmente com a chancela da mais alta Corte Brasileira que segurança se terá para implementá-las? (ii) econômico e social, pois, privados da perspectiva de validamente suspender os contratos de trabalho ou reduzir proporcional jornada e salário, e sem condições de suportar os ônus decorrentes de uma negociação coletiva, a consequência inexorável será o desemprego para milhões de famílias brasileiras e uma profunda recessão; (iii) prática: quem pagará os salários dos empregados no período que decorrer entre o ajuste individual e a manifestação do sindicato (ou a sua ausência) e o que acontecerá se o Sindicato não convalidar o acordo individual?

Os sindicatos estão abertos, funcionando normalmente? Como se dará a negociação? O que fazer com os mais de 7 mil acordos individuais já registrados, segundo dados do Ministério da Economia? (iv) jurídica posto que a MP 936/2020 não nos parece padecer de inconstitucionalidade: nenhum princípio constitucional é absoluto.

A suspensão do contrato de trabalho não tem assento na Constituição Federal, tampouco se extrai dela qualquer condicionante à prévia negociação coletiva. Tanto assim que inúmeras normas infraconstitucionais estabeleceram hipóteses de suspensão do contrato de trabalho, a exemplo do que ocorre quando o empregado está em gozo de benefícios previdenciários como auxílio-doença ou auxílio-maternidade, e não há, nestes casos, o pagamento de qualquer fração salarial pelo empregador. Portanto, o que a MP 936/2020 fez foi criar nova hipótese de suspensão do contrato de trabalho.

O contrato de trabalho é sinalagmático por essência, havendo uma relação de prestação e contraprestação, do ut des. É por esta razão que na suspensão contratual o empregado não trabalha e o empregador não lhe remunera. Contudo, a MP mitigou os efeitos deletérios da suspensão contratual quando estabeleceu o pagamento de benefício emergencial e ainda exigiu do empregador, mesmo sem contrapartida oferecida pelo empregado, a manutenção dos benefícios e o pagamento de 30% do valor do salário para empresas cujo faturamento anual seja superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).

Portanto, se a Constituição Federal não trata da suspensão do contrato de trabalho, nem mesmo para condicioná-la a prévia negociação coletiva, a pecha de inconstitucionalidade não é razoável.

Quanto à redução da jornada e do salário a MP 936/2020 determinou a preservação do valor do salário-hora, o que, a rigor, não pode ser tachado de redução salarial e, portanto, não se vislumbra ofensa ao princípio constitucional de irredutibilidade salarial e, pois, a necessidade de negociação coletiva.

Além disso, nenhum direito ou princípio constitucional é absoluto. A supremacia das negociações coletivas como vetor de flexibilização de direitos trabalhistas cede e deve ser sopesado com outros, como o da garantia do emprego, o da função social da empresa, o da valorização do trabalho e, em última análise, o da dignidade da pessoa humana. Esta, no momento de pandemia mundial e de grave crise econômica, significa ter um posto de trabalho e fonte de renda quando o estado de isolamento social for superado.

A negociação coletiva é, em regra, conflituosa e envolve, quase sempre, a concessão de benefícios em troca daquilo que se quer. Ora, o momento exige rapidez, imediatidade e não há espaço para negociatas. O que fez o STF, sem analisar os impactos pragmáticos da sua decisão, foi priorizar os sindicatos e as negociações coletivas, tão combalidos pela reforma trabalhista de 2017, em detrimento de toda a sociedade brasileira e, em especial, dos milhões de trabalhadores cuja última esperança de manter seus empregos foi pelo ralo junto com a MP 936/2020.

*Renata Azi é advogada e sócia do Pessoa & Pessoa Advogados Associados

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