Conforme bastante noticiado nos últimos dias, a paralisação dos caminhoneiros, chamada de greve, surpreendeu a todos por seu tamanho, impacto e grande ressonância popular, seja dos que dela participaram, seja dos que sofreram suas consequências, como a escassez de produtos e serviços essenciais.
Sem a pretensão de uma análise definitiva ou exauriente, o presente artigo suscitará algumas possíveis questões jurídicas em razão dos prejuízos advindos da paralisação que vendedores, compradores, transportadores e, até mesmo as seguradoras, certamente enfrentarão.
Ao tratarem dos prejuízos e de sua responsabilização, cada parte, obviamente, tentará se isentar de todo e qualquer dever de indenizar, alegando que a paralisação, ou greve, dos caminhoneiros configuraria uma excludente prevista no artigo 393, do Código Civil, caso fortuito ou força maior, a depender da linha doutrinária seguida.
O comprador desejará ter seus prejuízos indenizados, sem que lhe seja relevante quem o indenizará. O vendedor alegará que sua obrigação se extinguiu ao entregar, no prazo prometido, o produto à transportadora. A transportadora dirá que foi surpreendida pela paralisação e que, mesmo se tentasse, não poderia, sem colocar em risco a segurança de seu motorista e caminhão, furar o bloqueio imposto aos caminhoneiros para realizar a entrega, tendo atrasado a entrega por causas que lhes são alheias. E, no meio do caminho, está a seguradora, que, mediante o pagamento do prêmio, foi contratada para segurar os riscos do transporte. Enfim, todos suscitarão o caso fortuito como excludente de sua responsabilidade.
Em uma compra e venda de produtos, a forma de entrega do produto é negociada entre comprador e vendedor, podendo a contratação ser feita basicamente em duas formas, quais sejam: a obrigação do vendedor disponibilizar o produto para que o comprador providencie sua retirada, por esforços próprios ou mediante a contratação, às suas expensas, de um terceiro; ou entrega a cargo do vendedor, modalidade em que este assume o risco do transporte até que o produto seja efetivamente entregue ao comprador, realizando o transporte por meio de frota própria ou contratação de terceiros.
De qualquer maneira, caso se opte pelo uso de um terceiro, transportadora ou autônomo, estes recebem uma remuneração para realizar o transporte, assumindo, consequentemente, a responsabilidade pelo produto desde a origem até seu destino. Neste sentido, muitas vezes os fretes são contratados pelo vendedor ou pelo comprador sem a formalização de um contrato, uma vez que neste segmento a informalidade é muito grande. E ante a ausência de um instrumento formal que regule o transporte, as discussões tendem a ser mais intensas sobre direitos e obrigações não básicos.
Diante deste cenário, com a paralisação/greve, é muito provável que grandes discussões sobre responsabilidade haverá, principalmente se o produto adquirido for perecível ou se sua entrega fora do prazo tenha inviabilizado/onerado outros negócios do comprador. Quem responde pelos prejuízos sofridos ou pela perda dos produtos? O vendedor que vendeu e não fez chegar o produto ao comprador? O transportador que recebeu a mercadoria e não a entregou ou se o fez, foi tardiamente? Ou, finalmente, a seguradora que, mediante o pagamento do prêmio, foi contratada para segurar os riscos do transporte?
Haveria a possibilidade de se alegar que a paralisação/greve se tratou de caso fortuito e, pois, exclui a responsabilidade? E se a paralisação/greve for considerada ilegal, verdadeiro locaute, conduta vedada pela legislação brasileira, as empresas responsáveis por capitanear a paralisação podem ser responsabilizadas por todo e quaisquer prejuízos?
Parece-nos que um ponto é pacífico, nos próximos meses o Judiciário será chamado a decidir questões indenizatórias surgidas do movimento que paralisou o Brasil.
Se a relação não for de consumo, que possui tratamento legislativo específico, a responsabilidade deverá ser analisada caso a caso, sendo impossível uma solução única.
Ao se constatar pela ocorrência de locaute, certamente as empresas envolvidas deverão responder pelos prejuízos causados, já que por se tratar de uma conduta ilícita, e que para se ter por configurada pressupõe o desejo consciente dos empresários em assim proceder, não haverá muito espaço para a discussão sobre a culpa, que não poderá ser afastada coma alegação de caso fortuito, já que se tratará de conduta deliberada, conscientemente adotada.
Porém, fora a constatação de locaute, que está sob investigação da Polícia Federal, é bastante provável que o vendedor e o transportador lancem mão da excludente prevista no art. 393, do Código Civil, para afastar qualquer dever de indenizar. Sobraria, pois, as seguradoras, às quais a lógica do imprevisto se aplica de forma mitigada, uma vez que sua atividade pressupõe a assunção destes riscos, tanto que recebe um prêmio como forma de lhe recompensar pelos riscos assumidos.
Em suma, a discussão está aberta, e a solução não deverá ser simples, tampouco homogênea, haja vista a enormidade de senões e variáveis que já se apresentam. A única certeza é que muitos prejuízos ocorreram, agora é saber quem pagará a conta.
*Maurício Barbosa Tavares Elias Filho e Guilherme Penteado Cardoso são advogados sêniores do escritório Porto Lauand Advogados, respectivamente, da área de Contencioso Cível e Arbitragem e da área de Contratos e Societário