Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

A joia suprema do discernimento


Por Redação
Imagem: arquivo pessoal.  

Romero Maia, Gestor de Pesquisas do IBGE e colaborador do Grupo de Métodos de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE. E-mail: romeromaia@gmail.com

Dalson Figueiredo, Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Catalisador do Berkeley Initiative for Transparency in the Social Sciences e visiting scholar na Universidade de Oxford - 2021/2022 - E-mail: dalson.figueiredo@ufpe.br

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"A ação reta ajuda a purificar o coração, mas não outorga a percepção direta da realidade."

Shankaracharya

Percepção. Essa é uma palavrinha popular em diversas áreas do conhecimento. No Marketing, por exemplo, fala-se muito da percepção do consumidor. Na Sociologia, existe a percepção da violência. Na Economia, temos a percepção do risco. E na Ciência Política, que é o que nos interessa por aqui, trabalhamos com a famosa percepção da corrupção. Em todos esses casos, trata-se de como os sujeitos transformam informações recebidas em alguma conclusão geral que orienta a ação. Perceber é receber. Num combate, um lutador sabe que se ficar distraído será golpeado. Mas se parece óbvio que todos entendem bem o que é percepção, não é o caso. Para esclarecer vale a pena mostrar como ela está relacionada com a nossa capacidade de controle da atenção e memória.

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A atenção é o que registra algo percebido em algum nível da memória. Nos dias que correm, a função executiva da atenção pode sofrer exposta que é a muitos estímulos externos. A correlação com a memória é direta. Fatos anteriores que julgamos relevantes para a tomada de decisão ficam confusos e de difícil acesso. E à medida que se sucedem, especialmente os que geram preocupação, muitos desses fatos apresentam também, como complicador, um desenrolar duradouro que torna a capacidade de atenção refém de oscilações de intensidade, de repetições, de subitaneidades, contrastes e muitos tantos detalhes de interpretação que afetam nosso discernimento.

Nossas respostas a esses estímulos tendem a se adaptar à velocidade com que eles são emitidos. Nas crianças, o excesso de estimulação, como o caso da socialização sob forte influência de telas, gera problemas na adequada maturação cerebral para desenvolvimento da atenção em seus estados de vigília e focalização. Essa constatação particularmente séria foi transformada em uma recomendação formal da Academia Americana de Pediatria para que os pais não exponham seus filhos às telas no mínimo até depois dos dois anos de idade: "o resultado da pesquisa sugere que o hábito de ver telas modifica o desenvolvimento normal do cérebro de uma criança. Entre os riscos encontrados estão dificuldade de concentração, impulsividade, impaciência e confusão mental." O reflexo na escola é claro. De acordo com a pesquisadora Tracey Tokuhama, a atenção de um aluno a uma exposição tem durado, no máximo, 20 minutos.

Os adultos também não saem ilesos. Uma outra pesquisa aponta que cerca de 25% dos usuários de um dos aplicativos de reprodução de músicas mais usado hoje em dia, pulam de faixa após apenas cinco segundos de execução do áudio. E o mais impressionante: metade dos milhões de usuários não conseguem escutar qualquer música até o fim. No YouTube, maior site de entretenimento por vídeo do mundo, a média de tempo que um usuário passa vendo uma transmissão é de apenas 90 segundos. Nas redes sociais, uma nova mensagem disparada entre conhecidos dura em média três horas, mesmo se considerada importante, dada a grande concorrência de outras mensagens. Esse é o tempo entre ser divulgada, espalhar-se e morrer completamente. Se for uma notícia, o ciclo de vida é ainda menor, cinco minutos.

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Acontece que é por meio das notícias que as pessoas recebem ou percebem os "crimes ocultos", cujas vítimas não podem ser facilmente individualizadas. A corrupção, seja ativa ou passiva, consiste no uso ou captura de algum cargo público para obtenção de benefícios particulares à custa do contribuinte. Na esfera privada, temos alguns escândalos contábeis que marcam a história do mundo corporativo e financeiro, como o caso da Enron, do Lehman Brothers, da World.Com, da AIG, das Americanas, só para citar algumas das fraudes com maior repercussão na imprensa.

A percepção e, consequentemente, a memória que embasará uma boa tomada de decisão eleitoral tende a ser função direta do que é noticiado repetidamente nos principais veículos de comunicação. Isso pode explicar o comportamento contraditório de parte da população brasileira que, sem dúvida bem intencionada, realizou aqueles protestos anticorrupção na já decenal "jornadas de junho". Mas justamente num momento em que o índice de percepção de corrupção da Transparência Internacional indicava que o país estava em vivendo seu melhor período já registrado na história, conforme ilustra o Gráfico abaixo.

 
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Em um mundo caracterizado pela constante inundação de estímulos e informações fragmentadas, a perda da capacidade de atenção para compreender a realidade pode gerar comportamentos com pouco ou nenhum embasamento em evidências. Essa superficialidade na absorção de conteúdo não apenas afeta a compreensão, mas também impacta na maneira como percebemos questões cruciais da política. A falta de aprofundamento aumenta a vulnerabilidade da população a manipulações de toda sorte.

Enquanto as pessoas se perdem em pequenas guerras nas redes sociais, munidas com artilharia de meias verdades, os mecanismos de fiscalização e responsabilização parecem enfraquecidos até que uma oposição consiga chegar ao poder. Há pouco tempo, exatamente no mês de aniversário das jornadas que contribuíram para sua eleição, tivemos condenado à inelegibilidade um ex-presidente recordista de denúncias fundamentadoras do pedido de impedimento. Mais de cem. Ontem, por outro lado, uma ex-presidenta foi inocentada, por decisão unânime, da única tese que fundamentava seu afastamento consumado. Informações importantes que se somam ao noticiário sobre apropriação indébita de joias e CPIs. Resta saber se os eleitores vão conseguir juntar as peças e ter discernimento, finalmente, sobre o que de fato aconteceu no Brasil em 2016, quando estavam distraídos. Ou ainda estão?

Imagem: arquivo pessoal.  

Romero Maia, Gestor de Pesquisas do IBGE e colaborador do Grupo de Métodos de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE. E-mail: romeromaia@gmail.com

Dalson Figueiredo, Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Catalisador do Berkeley Initiative for Transparency in the Social Sciences e visiting scholar na Universidade de Oxford - 2021/2022 - E-mail: dalson.figueiredo@ufpe.br

"A ação reta ajuda a purificar o coração, mas não outorga a percepção direta da realidade."

Shankaracharya

Percepção. Essa é uma palavrinha popular em diversas áreas do conhecimento. No Marketing, por exemplo, fala-se muito da percepção do consumidor. Na Sociologia, existe a percepção da violência. Na Economia, temos a percepção do risco. E na Ciência Política, que é o que nos interessa por aqui, trabalhamos com a famosa percepção da corrupção. Em todos esses casos, trata-se de como os sujeitos transformam informações recebidas em alguma conclusão geral que orienta a ação. Perceber é receber. Num combate, um lutador sabe que se ficar distraído será golpeado. Mas se parece óbvio que todos entendem bem o que é percepção, não é o caso. Para esclarecer vale a pena mostrar como ela está relacionada com a nossa capacidade de controle da atenção e memória.

A atenção é o que registra algo percebido em algum nível da memória. Nos dias que correm, a função executiva da atenção pode sofrer exposta que é a muitos estímulos externos. A correlação com a memória é direta. Fatos anteriores que julgamos relevantes para a tomada de decisão ficam confusos e de difícil acesso. E à medida que se sucedem, especialmente os que geram preocupação, muitos desses fatos apresentam também, como complicador, um desenrolar duradouro que torna a capacidade de atenção refém de oscilações de intensidade, de repetições, de subitaneidades, contrastes e muitos tantos detalhes de interpretação que afetam nosso discernimento.

Nossas respostas a esses estímulos tendem a se adaptar à velocidade com que eles são emitidos. Nas crianças, o excesso de estimulação, como o caso da socialização sob forte influência de telas, gera problemas na adequada maturação cerebral para desenvolvimento da atenção em seus estados de vigília e focalização. Essa constatação particularmente séria foi transformada em uma recomendação formal da Academia Americana de Pediatria para que os pais não exponham seus filhos às telas no mínimo até depois dos dois anos de idade: "o resultado da pesquisa sugere que o hábito de ver telas modifica o desenvolvimento normal do cérebro de uma criança. Entre os riscos encontrados estão dificuldade de concentração, impulsividade, impaciência e confusão mental." O reflexo na escola é claro. De acordo com a pesquisadora Tracey Tokuhama, a atenção de um aluno a uma exposição tem durado, no máximo, 20 minutos.

Os adultos também não saem ilesos. Uma outra pesquisa aponta que cerca de 25% dos usuários de um dos aplicativos de reprodução de músicas mais usado hoje em dia, pulam de faixa após apenas cinco segundos de execução do áudio. E o mais impressionante: metade dos milhões de usuários não conseguem escutar qualquer música até o fim. No YouTube, maior site de entretenimento por vídeo do mundo, a média de tempo que um usuário passa vendo uma transmissão é de apenas 90 segundos. Nas redes sociais, uma nova mensagem disparada entre conhecidos dura em média três horas, mesmo se considerada importante, dada a grande concorrência de outras mensagens. Esse é o tempo entre ser divulgada, espalhar-se e morrer completamente. Se for uma notícia, o ciclo de vida é ainda menor, cinco minutos.

Acontece que é por meio das notícias que as pessoas recebem ou percebem os "crimes ocultos", cujas vítimas não podem ser facilmente individualizadas. A corrupção, seja ativa ou passiva, consiste no uso ou captura de algum cargo público para obtenção de benefícios particulares à custa do contribuinte. Na esfera privada, temos alguns escândalos contábeis que marcam a história do mundo corporativo e financeiro, como o caso da Enron, do Lehman Brothers, da World.Com, da AIG, das Americanas, só para citar algumas das fraudes com maior repercussão na imprensa.

A percepção e, consequentemente, a memória que embasará uma boa tomada de decisão eleitoral tende a ser função direta do que é noticiado repetidamente nos principais veículos de comunicação. Isso pode explicar o comportamento contraditório de parte da população brasileira que, sem dúvida bem intencionada, realizou aqueles protestos anticorrupção na já decenal "jornadas de junho". Mas justamente num momento em que o índice de percepção de corrupção da Transparência Internacional indicava que o país estava em vivendo seu melhor período já registrado na história, conforme ilustra o Gráfico abaixo.

 

Em um mundo caracterizado pela constante inundação de estímulos e informações fragmentadas, a perda da capacidade de atenção para compreender a realidade pode gerar comportamentos com pouco ou nenhum embasamento em evidências. Essa superficialidade na absorção de conteúdo não apenas afeta a compreensão, mas também impacta na maneira como percebemos questões cruciais da política. A falta de aprofundamento aumenta a vulnerabilidade da população a manipulações de toda sorte.

Enquanto as pessoas se perdem em pequenas guerras nas redes sociais, munidas com artilharia de meias verdades, os mecanismos de fiscalização e responsabilização parecem enfraquecidos até que uma oposição consiga chegar ao poder. Há pouco tempo, exatamente no mês de aniversário das jornadas que contribuíram para sua eleição, tivemos condenado à inelegibilidade um ex-presidente recordista de denúncias fundamentadoras do pedido de impedimento. Mais de cem. Ontem, por outro lado, uma ex-presidenta foi inocentada, por decisão unânime, da única tese que fundamentava seu afastamento consumado. Informações importantes que se somam ao noticiário sobre apropriação indébita de joias e CPIs. Resta saber se os eleitores vão conseguir juntar as peças e ter discernimento, finalmente, sobre o que de fato aconteceu no Brasil em 2016, quando estavam distraídos. Ou ainda estão?

Imagem: arquivo pessoal.  

Romero Maia, Gestor de Pesquisas do IBGE e colaborador do Grupo de Métodos de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE. E-mail: romeromaia@gmail.com

Dalson Figueiredo, Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Catalisador do Berkeley Initiative for Transparency in the Social Sciences e visiting scholar na Universidade de Oxford - 2021/2022 - E-mail: dalson.figueiredo@ufpe.br

"A ação reta ajuda a purificar o coração, mas não outorga a percepção direta da realidade."

Shankaracharya

Percepção. Essa é uma palavrinha popular em diversas áreas do conhecimento. No Marketing, por exemplo, fala-se muito da percepção do consumidor. Na Sociologia, existe a percepção da violência. Na Economia, temos a percepção do risco. E na Ciência Política, que é o que nos interessa por aqui, trabalhamos com a famosa percepção da corrupção. Em todos esses casos, trata-se de como os sujeitos transformam informações recebidas em alguma conclusão geral que orienta a ação. Perceber é receber. Num combate, um lutador sabe que se ficar distraído será golpeado. Mas se parece óbvio que todos entendem bem o que é percepção, não é o caso. Para esclarecer vale a pena mostrar como ela está relacionada com a nossa capacidade de controle da atenção e memória.

A atenção é o que registra algo percebido em algum nível da memória. Nos dias que correm, a função executiva da atenção pode sofrer exposta que é a muitos estímulos externos. A correlação com a memória é direta. Fatos anteriores que julgamos relevantes para a tomada de decisão ficam confusos e de difícil acesso. E à medida que se sucedem, especialmente os que geram preocupação, muitos desses fatos apresentam também, como complicador, um desenrolar duradouro que torna a capacidade de atenção refém de oscilações de intensidade, de repetições, de subitaneidades, contrastes e muitos tantos detalhes de interpretação que afetam nosso discernimento.

Nossas respostas a esses estímulos tendem a se adaptar à velocidade com que eles são emitidos. Nas crianças, o excesso de estimulação, como o caso da socialização sob forte influência de telas, gera problemas na adequada maturação cerebral para desenvolvimento da atenção em seus estados de vigília e focalização. Essa constatação particularmente séria foi transformada em uma recomendação formal da Academia Americana de Pediatria para que os pais não exponham seus filhos às telas no mínimo até depois dos dois anos de idade: "o resultado da pesquisa sugere que o hábito de ver telas modifica o desenvolvimento normal do cérebro de uma criança. Entre os riscos encontrados estão dificuldade de concentração, impulsividade, impaciência e confusão mental." O reflexo na escola é claro. De acordo com a pesquisadora Tracey Tokuhama, a atenção de um aluno a uma exposição tem durado, no máximo, 20 minutos.

Os adultos também não saem ilesos. Uma outra pesquisa aponta que cerca de 25% dos usuários de um dos aplicativos de reprodução de músicas mais usado hoje em dia, pulam de faixa após apenas cinco segundos de execução do áudio. E o mais impressionante: metade dos milhões de usuários não conseguem escutar qualquer música até o fim. No YouTube, maior site de entretenimento por vídeo do mundo, a média de tempo que um usuário passa vendo uma transmissão é de apenas 90 segundos. Nas redes sociais, uma nova mensagem disparada entre conhecidos dura em média três horas, mesmo se considerada importante, dada a grande concorrência de outras mensagens. Esse é o tempo entre ser divulgada, espalhar-se e morrer completamente. Se for uma notícia, o ciclo de vida é ainda menor, cinco minutos.

Acontece que é por meio das notícias que as pessoas recebem ou percebem os "crimes ocultos", cujas vítimas não podem ser facilmente individualizadas. A corrupção, seja ativa ou passiva, consiste no uso ou captura de algum cargo público para obtenção de benefícios particulares à custa do contribuinte. Na esfera privada, temos alguns escândalos contábeis que marcam a história do mundo corporativo e financeiro, como o caso da Enron, do Lehman Brothers, da World.Com, da AIG, das Americanas, só para citar algumas das fraudes com maior repercussão na imprensa.

A percepção e, consequentemente, a memória que embasará uma boa tomada de decisão eleitoral tende a ser função direta do que é noticiado repetidamente nos principais veículos de comunicação. Isso pode explicar o comportamento contraditório de parte da população brasileira que, sem dúvida bem intencionada, realizou aqueles protestos anticorrupção na já decenal "jornadas de junho". Mas justamente num momento em que o índice de percepção de corrupção da Transparência Internacional indicava que o país estava em vivendo seu melhor período já registrado na história, conforme ilustra o Gráfico abaixo.

 

Em um mundo caracterizado pela constante inundação de estímulos e informações fragmentadas, a perda da capacidade de atenção para compreender a realidade pode gerar comportamentos com pouco ou nenhum embasamento em evidências. Essa superficialidade na absorção de conteúdo não apenas afeta a compreensão, mas também impacta na maneira como percebemos questões cruciais da política. A falta de aprofundamento aumenta a vulnerabilidade da população a manipulações de toda sorte.

Enquanto as pessoas se perdem em pequenas guerras nas redes sociais, munidas com artilharia de meias verdades, os mecanismos de fiscalização e responsabilização parecem enfraquecidos até que uma oposição consiga chegar ao poder. Há pouco tempo, exatamente no mês de aniversário das jornadas que contribuíram para sua eleição, tivemos condenado à inelegibilidade um ex-presidente recordista de denúncias fundamentadoras do pedido de impedimento. Mais de cem. Ontem, por outro lado, uma ex-presidenta foi inocentada, por decisão unânime, da única tese que fundamentava seu afastamento consumado. Informações importantes que se somam ao noticiário sobre apropriação indébita de joias e CPIs. Resta saber se os eleitores vão conseguir juntar as peças e ter discernimento, finalmente, sobre o que de fato aconteceu no Brasil em 2016, quando estavam distraídos. Ou ainda estão?

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Romero Maia, Gestor de Pesquisas do IBGE e colaborador do Grupo de Métodos de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE. E-mail: romeromaia@gmail.com

Dalson Figueiredo, Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Catalisador do Berkeley Initiative for Transparency in the Social Sciences e visiting scholar na Universidade de Oxford - 2021/2022 - E-mail: dalson.figueiredo@ufpe.br

"A ação reta ajuda a purificar o coração, mas não outorga a percepção direta da realidade."

Shankaracharya

Percepção. Essa é uma palavrinha popular em diversas áreas do conhecimento. No Marketing, por exemplo, fala-se muito da percepção do consumidor. Na Sociologia, existe a percepção da violência. Na Economia, temos a percepção do risco. E na Ciência Política, que é o que nos interessa por aqui, trabalhamos com a famosa percepção da corrupção. Em todos esses casos, trata-se de como os sujeitos transformam informações recebidas em alguma conclusão geral que orienta a ação. Perceber é receber. Num combate, um lutador sabe que se ficar distraído será golpeado. Mas se parece óbvio que todos entendem bem o que é percepção, não é o caso. Para esclarecer vale a pena mostrar como ela está relacionada com a nossa capacidade de controle da atenção e memória.

A atenção é o que registra algo percebido em algum nível da memória. Nos dias que correm, a função executiva da atenção pode sofrer exposta que é a muitos estímulos externos. A correlação com a memória é direta. Fatos anteriores que julgamos relevantes para a tomada de decisão ficam confusos e de difícil acesso. E à medida que se sucedem, especialmente os que geram preocupação, muitos desses fatos apresentam também, como complicador, um desenrolar duradouro que torna a capacidade de atenção refém de oscilações de intensidade, de repetições, de subitaneidades, contrastes e muitos tantos detalhes de interpretação que afetam nosso discernimento.

Nossas respostas a esses estímulos tendem a se adaptar à velocidade com que eles são emitidos. Nas crianças, o excesso de estimulação, como o caso da socialização sob forte influência de telas, gera problemas na adequada maturação cerebral para desenvolvimento da atenção em seus estados de vigília e focalização. Essa constatação particularmente séria foi transformada em uma recomendação formal da Academia Americana de Pediatria para que os pais não exponham seus filhos às telas no mínimo até depois dos dois anos de idade: "o resultado da pesquisa sugere que o hábito de ver telas modifica o desenvolvimento normal do cérebro de uma criança. Entre os riscos encontrados estão dificuldade de concentração, impulsividade, impaciência e confusão mental." O reflexo na escola é claro. De acordo com a pesquisadora Tracey Tokuhama, a atenção de um aluno a uma exposição tem durado, no máximo, 20 minutos.

Os adultos também não saem ilesos. Uma outra pesquisa aponta que cerca de 25% dos usuários de um dos aplicativos de reprodução de músicas mais usado hoje em dia, pulam de faixa após apenas cinco segundos de execução do áudio. E o mais impressionante: metade dos milhões de usuários não conseguem escutar qualquer música até o fim. No YouTube, maior site de entretenimento por vídeo do mundo, a média de tempo que um usuário passa vendo uma transmissão é de apenas 90 segundos. Nas redes sociais, uma nova mensagem disparada entre conhecidos dura em média três horas, mesmo se considerada importante, dada a grande concorrência de outras mensagens. Esse é o tempo entre ser divulgada, espalhar-se e morrer completamente. Se for uma notícia, o ciclo de vida é ainda menor, cinco minutos.

Acontece que é por meio das notícias que as pessoas recebem ou percebem os "crimes ocultos", cujas vítimas não podem ser facilmente individualizadas. A corrupção, seja ativa ou passiva, consiste no uso ou captura de algum cargo público para obtenção de benefícios particulares à custa do contribuinte. Na esfera privada, temos alguns escândalos contábeis que marcam a história do mundo corporativo e financeiro, como o caso da Enron, do Lehman Brothers, da World.Com, da AIG, das Americanas, só para citar algumas das fraudes com maior repercussão na imprensa.

A percepção e, consequentemente, a memória que embasará uma boa tomada de decisão eleitoral tende a ser função direta do que é noticiado repetidamente nos principais veículos de comunicação. Isso pode explicar o comportamento contraditório de parte da população brasileira que, sem dúvida bem intencionada, realizou aqueles protestos anticorrupção na já decenal "jornadas de junho". Mas justamente num momento em que o índice de percepção de corrupção da Transparência Internacional indicava que o país estava em vivendo seu melhor período já registrado na história, conforme ilustra o Gráfico abaixo.

 

Em um mundo caracterizado pela constante inundação de estímulos e informações fragmentadas, a perda da capacidade de atenção para compreender a realidade pode gerar comportamentos com pouco ou nenhum embasamento em evidências. Essa superficialidade na absorção de conteúdo não apenas afeta a compreensão, mas também impacta na maneira como percebemos questões cruciais da política. A falta de aprofundamento aumenta a vulnerabilidade da população a manipulações de toda sorte.

Enquanto as pessoas se perdem em pequenas guerras nas redes sociais, munidas com artilharia de meias verdades, os mecanismos de fiscalização e responsabilização parecem enfraquecidos até que uma oposição consiga chegar ao poder. Há pouco tempo, exatamente no mês de aniversário das jornadas que contribuíram para sua eleição, tivemos condenado à inelegibilidade um ex-presidente recordista de denúncias fundamentadoras do pedido de impedimento. Mais de cem. Ontem, por outro lado, uma ex-presidenta foi inocentada, por decisão unânime, da única tese que fundamentava seu afastamento consumado. Informações importantes que se somam ao noticiário sobre apropriação indébita de joias e CPIs. Resta saber se os eleitores vão conseguir juntar as peças e ter discernimento, finalmente, sobre o que de fato aconteceu no Brasil em 2016, quando estavam distraídos. Ou ainda estão?

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