Linha 6913: as 5 horas de Zelita


Moradora de Parelheiros enfrenta rotina diária desgastante para percorrer, de ônibus, o mais longo corredor da zona sul para trabalhar nos Jardins

Por Redação

Zelita Procópio de Oliveira é usuária de ônibus em São Paulo. Faz parte dos 6 milhões de passageiros que todos os dias usam o sistema para trabalhar. Atendente de comércio, ela mora no Jardim Natal, em Parelheiros, extremo sul da capital. Nos últimos meses, costumava sair de casa para trabalhar antes de o sol nascer. E pegava uma van até o Terminal Varginha, o centro de distribuição de linhas existente na Avenida Teotônio Vilela, distante 36 quilômetros do Anhangabaú. É o mais longo corredor de transporte coletivo da zona sul, caminho diário de Zelita.

Mãe de três filhos, separada, 33 anos, ela se diz cansada de sofrer com o transporte coletivo paulistano. Para chegar à região dos Jardins, onde trabalhava, Zelita enfrentou um cotidiano comum a quem não tem, ou não quer usar, carro. "Todo dia é a mesma coisa", dizia ela dentro de um ônibus-sanfona, cheio, que gastou 2h40 para fazer o trajeto até o Terminal Bandeira, no centro antigo. A bordo da linha 6913, que se arrastou pelas Avenidas Robert Kennedy, Santo Amaro, São Gabriel e 9 de Julho, ela foi acompanhada pelo Estado desde a saída do Varginha, às 6h40.

Irritada, estressada, desceu do biarticulado, que carrega até 280 pessoas, às 9h28. Deveria estar marcando o ponto na loja às 8h. Até tentou amenizar o estrago telefonando para uma colega e pedindo para informar ao chefe que, naquele dia, a coisa a bordo estava pior do que de costume. Mas, ao desligar, parece não ter ouvido palavras tranquilizadoras. Já sabia que o dia não seria moleza. No final da jornada, a volta para casa lhe tomaria mais duas horas e meia.

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"O transporte devia ser prioridade. A gente paga caro", reclamou Zelita. E paga caro mesmo - de acordo com estudo do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o gasto mensal na cidade para andar todos os dias úteis de transporte público é de 19,02% do salário mínimo. Isso para um serviço extremamente criticado: os ônibus são lentos, desconfortáveis, lotados. Algumas vezes, sujos. E muitas vezes atrasados.

Os ônibus de São Paulo são a ponta mais visível da dificuldade de coordenar o transporte público de uma metrópole - um problema que afeta a vida de 6 milhões de paulistanos por dia. Problema esse, diga-se, histórico. No governo Marta Suplicy, um projeto foi desenvolvido para dar prioridade ao ônibus dentro do sistema viário. Os ônibus circulariam nas principais avenidas em corredores exclusivos, separados do resto do trânsito e livres dos congestionamentos. Eles ainda seriam monitorados por GPS para assegurar a pontualidade. Todo o sistema da região metropolitana seria integrado com o metrô e trens pelo bilhete único, o que permitiria mais viagens com uma única tarifa

Na prática, muito deixou de ser feito. Hoje, andar de carro ainda é extremamente mais rápido do que de ônibus. A média de velocidade nos tais corredores exclusivos é quase a mesma que uma pessoa correndo. Com tanta ineficiência, milhares de ex-usuários do serviço preferiram comprar seus carros e motos, o que aumentou os congestionamentos nas ruas e o risco de acidentes.

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Desconforto. A cidade tem uma malha de transporte coletivo de mais de 1,3 mil linhas, atendidas por 15 mil ônibus. A tarifa é de R$ 3. Na linha 6913, o desconforto com o serviço é visível na hora de maior necessidade de passageiros como Zelita, que gasta 5 horas do dia para exercer o direito de ir e vir.

Se ela fizesse as contas, veria que o tempo que passa no interior da sanfona ambulante em uma semana útil é igual ao período de 1 dia, mais uma hora de sobra. São 4 dias e meio no mês, 54 dias do ano sentada no ônibus. E Zelita está longe de ser um exemplo isolado. De acordo com pesquisa da ONG Nossa São Paulo e do Ibope, os paulistanos gastam, em média, 27 dias por ano no trânsito - cerca de 7,4% de todo o seu tempo. Ou seja, a cada mês o cidadão passa dois dias e seis horas no carro ou no transporte público.

O calvário da Zelita começava no escuro. Acordava antes das 6h e o trajeto entre a casa dela e o Terminal Varginha já lhe consumia 15 minutos. Lá, já havia uma fila de dezenas de "Zelitas" aglomeradas na plataforma da estação à espera de um cadeira para passar as próximas 2h30, 2h40 de viagem. Quem não é molenga na hora do embarque costuma descolar uma vaga e até consegue sentar-se à janela do lado esquerdo do carro, que é mais confortável porque não pega, de cara, o forte sol nascente.

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Como Zelita, milhares de moradores da região enfrentam essa rotina no coletivo sem ar-condicionado. Alguns enganam o tédio e a revolta da longa travessia olhando o dia clarear, dormindo desconfortavelmente nos bancos duros, apoiados em travesseiros de ferro.

"É um absurdo", protestou a comerciária, após as explicações de praxe para o chefe. "Vou chegar de novo atrasada." Às 8h40, ao lado de Zelita, Andreia da Silva Ferreira, de 32 anos, diarista, dois filhos, moradora do Jardim São Norberto, também reclamava das duas horas no trânsito. Andreia lembrava que, como a colega, era comum chegar ao trabalho depois da hora devida. "Às vezes, a patroa até diz que não precisa mais ir", relatou a mulher, que só conseguiu desembarcar no Itaim-Bibi às 8h51. Como Zelita, é mais uma a precisar encontrar um jeito de compensar a dívida com a patroa.

O ônibus entrou na Avenida São Gabriel, na altura dos Jardins, quando já passava das 9h - para aflição de Zelita. Mas ela ainda esperaria mais alguns minutos. A 9 de Julho, adiante, o trânsito era pesado. Às 9h25, quando o ônibus cruzou a Avenida Brasil, Zelita se levantou e se aproximou dos degraus da saída. Às 9h28 ela desceu. Já estava devendo à boa vontade do chefe pelo menos 1h30 do seu tempo de trabalho. Zelita não aguentou o tranco. E não trabalha mais nos Jardins.

Zelita Procópio de Oliveira é usuária de ônibus em São Paulo. Faz parte dos 6 milhões de passageiros que todos os dias usam o sistema para trabalhar. Atendente de comércio, ela mora no Jardim Natal, em Parelheiros, extremo sul da capital. Nos últimos meses, costumava sair de casa para trabalhar antes de o sol nascer. E pegava uma van até o Terminal Varginha, o centro de distribuição de linhas existente na Avenida Teotônio Vilela, distante 36 quilômetros do Anhangabaú. É o mais longo corredor de transporte coletivo da zona sul, caminho diário de Zelita.

Mãe de três filhos, separada, 33 anos, ela se diz cansada de sofrer com o transporte coletivo paulistano. Para chegar à região dos Jardins, onde trabalhava, Zelita enfrentou um cotidiano comum a quem não tem, ou não quer usar, carro. "Todo dia é a mesma coisa", dizia ela dentro de um ônibus-sanfona, cheio, que gastou 2h40 para fazer o trajeto até o Terminal Bandeira, no centro antigo. A bordo da linha 6913, que se arrastou pelas Avenidas Robert Kennedy, Santo Amaro, São Gabriel e 9 de Julho, ela foi acompanhada pelo Estado desde a saída do Varginha, às 6h40.

Irritada, estressada, desceu do biarticulado, que carrega até 280 pessoas, às 9h28. Deveria estar marcando o ponto na loja às 8h. Até tentou amenizar o estrago telefonando para uma colega e pedindo para informar ao chefe que, naquele dia, a coisa a bordo estava pior do que de costume. Mas, ao desligar, parece não ter ouvido palavras tranquilizadoras. Já sabia que o dia não seria moleza. No final da jornada, a volta para casa lhe tomaria mais duas horas e meia.

"O transporte devia ser prioridade. A gente paga caro", reclamou Zelita. E paga caro mesmo - de acordo com estudo do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o gasto mensal na cidade para andar todos os dias úteis de transporte público é de 19,02% do salário mínimo. Isso para um serviço extremamente criticado: os ônibus são lentos, desconfortáveis, lotados. Algumas vezes, sujos. E muitas vezes atrasados.

Os ônibus de São Paulo são a ponta mais visível da dificuldade de coordenar o transporte público de uma metrópole - um problema que afeta a vida de 6 milhões de paulistanos por dia. Problema esse, diga-se, histórico. No governo Marta Suplicy, um projeto foi desenvolvido para dar prioridade ao ônibus dentro do sistema viário. Os ônibus circulariam nas principais avenidas em corredores exclusivos, separados do resto do trânsito e livres dos congestionamentos. Eles ainda seriam monitorados por GPS para assegurar a pontualidade. Todo o sistema da região metropolitana seria integrado com o metrô e trens pelo bilhete único, o que permitiria mais viagens com uma única tarifa

Na prática, muito deixou de ser feito. Hoje, andar de carro ainda é extremamente mais rápido do que de ônibus. A média de velocidade nos tais corredores exclusivos é quase a mesma que uma pessoa correndo. Com tanta ineficiência, milhares de ex-usuários do serviço preferiram comprar seus carros e motos, o que aumentou os congestionamentos nas ruas e o risco de acidentes.

Desconforto. A cidade tem uma malha de transporte coletivo de mais de 1,3 mil linhas, atendidas por 15 mil ônibus. A tarifa é de R$ 3. Na linha 6913, o desconforto com o serviço é visível na hora de maior necessidade de passageiros como Zelita, que gasta 5 horas do dia para exercer o direito de ir e vir.

Se ela fizesse as contas, veria que o tempo que passa no interior da sanfona ambulante em uma semana útil é igual ao período de 1 dia, mais uma hora de sobra. São 4 dias e meio no mês, 54 dias do ano sentada no ônibus. E Zelita está longe de ser um exemplo isolado. De acordo com pesquisa da ONG Nossa São Paulo e do Ibope, os paulistanos gastam, em média, 27 dias por ano no trânsito - cerca de 7,4% de todo o seu tempo. Ou seja, a cada mês o cidadão passa dois dias e seis horas no carro ou no transporte público.

O calvário da Zelita começava no escuro. Acordava antes das 6h e o trajeto entre a casa dela e o Terminal Varginha já lhe consumia 15 minutos. Lá, já havia uma fila de dezenas de "Zelitas" aglomeradas na plataforma da estação à espera de um cadeira para passar as próximas 2h30, 2h40 de viagem. Quem não é molenga na hora do embarque costuma descolar uma vaga e até consegue sentar-se à janela do lado esquerdo do carro, que é mais confortável porque não pega, de cara, o forte sol nascente.

Como Zelita, milhares de moradores da região enfrentam essa rotina no coletivo sem ar-condicionado. Alguns enganam o tédio e a revolta da longa travessia olhando o dia clarear, dormindo desconfortavelmente nos bancos duros, apoiados em travesseiros de ferro.

"É um absurdo", protestou a comerciária, após as explicações de praxe para o chefe. "Vou chegar de novo atrasada." Às 8h40, ao lado de Zelita, Andreia da Silva Ferreira, de 32 anos, diarista, dois filhos, moradora do Jardim São Norberto, também reclamava das duas horas no trânsito. Andreia lembrava que, como a colega, era comum chegar ao trabalho depois da hora devida. "Às vezes, a patroa até diz que não precisa mais ir", relatou a mulher, que só conseguiu desembarcar no Itaim-Bibi às 8h51. Como Zelita, é mais uma a precisar encontrar um jeito de compensar a dívida com a patroa.

O ônibus entrou na Avenida São Gabriel, na altura dos Jardins, quando já passava das 9h - para aflição de Zelita. Mas ela ainda esperaria mais alguns minutos. A 9 de Julho, adiante, o trânsito era pesado. Às 9h25, quando o ônibus cruzou a Avenida Brasil, Zelita se levantou e se aproximou dos degraus da saída. Às 9h28 ela desceu. Já estava devendo à boa vontade do chefe pelo menos 1h30 do seu tempo de trabalho. Zelita não aguentou o tranco. E não trabalha mais nos Jardins.

Zelita Procópio de Oliveira é usuária de ônibus em São Paulo. Faz parte dos 6 milhões de passageiros que todos os dias usam o sistema para trabalhar. Atendente de comércio, ela mora no Jardim Natal, em Parelheiros, extremo sul da capital. Nos últimos meses, costumava sair de casa para trabalhar antes de o sol nascer. E pegava uma van até o Terminal Varginha, o centro de distribuição de linhas existente na Avenida Teotônio Vilela, distante 36 quilômetros do Anhangabaú. É o mais longo corredor de transporte coletivo da zona sul, caminho diário de Zelita.

Mãe de três filhos, separada, 33 anos, ela se diz cansada de sofrer com o transporte coletivo paulistano. Para chegar à região dos Jardins, onde trabalhava, Zelita enfrentou um cotidiano comum a quem não tem, ou não quer usar, carro. "Todo dia é a mesma coisa", dizia ela dentro de um ônibus-sanfona, cheio, que gastou 2h40 para fazer o trajeto até o Terminal Bandeira, no centro antigo. A bordo da linha 6913, que se arrastou pelas Avenidas Robert Kennedy, Santo Amaro, São Gabriel e 9 de Julho, ela foi acompanhada pelo Estado desde a saída do Varginha, às 6h40.

Irritada, estressada, desceu do biarticulado, que carrega até 280 pessoas, às 9h28. Deveria estar marcando o ponto na loja às 8h. Até tentou amenizar o estrago telefonando para uma colega e pedindo para informar ao chefe que, naquele dia, a coisa a bordo estava pior do que de costume. Mas, ao desligar, parece não ter ouvido palavras tranquilizadoras. Já sabia que o dia não seria moleza. No final da jornada, a volta para casa lhe tomaria mais duas horas e meia.

"O transporte devia ser prioridade. A gente paga caro", reclamou Zelita. E paga caro mesmo - de acordo com estudo do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o gasto mensal na cidade para andar todos os dias úteis de transporte público é de 19,02% do salário mínimo. Isso para um serviço extremamente criticado: os ônibus são lentos, desconfortáveis, lotados. Algumas vezes, sujos. E muitas vezes atrasados.

Os ônibus de São Paulo são a ponta mais visível da dificuldade de coordenar o transporte público de uma metrópole - um problema que afeta a vida de 6 milhões de paulistanos por dia. Problema esse, diga-se, histórico. No governo Marta Suplicy, um projeto foi desenvolvido para dar prioridade ao ônibus dentro do sistema viário. Os ônibus circulariam nas principais avenidas em corredores exclusivos, separados do resto do trânsito e livres dos congestionamentos. Eles ainda seriam monitorados por GPS para assegurar a pontualidade. Todo o sistema da região metropolitana seria integrado com o metrô e trens pelo bilhete único, o que permitiria mais viagens com uma única tarifa

Na prática, muito deixou de ser feito. Hoje, andar de carro ainda é extremamente mais rápido do que de ônibus. A média de velocidade nos tais corredores exclusivos é quase a mesma que uma pessoa correndo. Com tanta ineficiência, milhares de ex-usuários do serviço preferiram comprar seus carros e motos, o que aumentou os congestionamentos nas ruas e o risco de acidentes.

Desconforto. A cidade tem uma malha de transporte coletivo de mais de 1,3 mil linhas, atendidas por 15 mil ônibus. A tarifa é de R$ 3. Na linha 6913, o desconforto com o serviço é visível na hora de maior necessidade de passageiros como Zelita, que gasta 5 horas do dia para exercer o direito de ir e vir.

Se ela fizesse as contas, veria que o tempo que passa no interior da sanfona ambulante em uma semana útil é igual ao período de 1 dia, mais uma hora de sobra. São 4 dias e meio no mês, 54 dias do ano sentada no ônibus. E Zelita está longe de ser um exemplo isolado. De acordo com pesquisa da ONG Nossa São Paulo e do Ibope, os paulistanos gastam, em média, 27 dias por ano no trânsito - cerca de 7,4% de todo o seu tempo. Ou seja, a cada mês o cidadão passa dois dias e seis horas no carro ou no transporte público.

O calvário da Zelita começava no escuro. Acordava antes das 6h e o trajeto entre a casa dela e o Terminal Varginha já lhe consumia 15 minutos. Lá, já havia uma fila de dezenas de "Zelitas" aglomeradas na plataforma da estação à espera de um cadeira para passar as próximas 2h30, 2h40 de viagem. Quem não é molenga na hora do embarque costuma descolar uma vaga e até consegue sentar-se à janela do lado esquerdo do carro, que é mais confortável porque não pega, de cara, o forte sol nascente.

Como Zelita, milhares de moradores da região enfrentam essa rotina no coletivo sem ar-condicionado. Alguns enganam o tédio e a revolta da longa travessia olhando o dia clarear, dormindo desconfortavelmente nos bancos duros, apoiados em travesseiros de ferro.

"É um absurdo", protestou a comerciária, após as explicações de praxe para o chefe. "Vou chegar de novo atrasada." Às 8h40, ao lado de Zelita, Andreia da Silva Ferreira, de 32 anos, diarista, dois filhos, moradora do Jardim São Norberto, também reclamava das duas horas no trânsito. Andreia lembrava que, como a colega, era comum chegar ao trabalho depois da hora devida. "Às vezes, a patroa até diz que não precisa mais ir", relatou a mulher, que só conseguiu desembarcar no Itaim-Bibi às 8h51. Como Zelita, é mais uma a precisar encontrar um jeito de compensar a dívida com a patroa.

O ônibus entrou na Avenida São Gabriel, na altura dos Jardins, quando já passava das 9h - para aflição de Zelita. Mas ela ainda esperaria mais alguns minutos. A 9 de Julho, adiante, o trânsito era pesado. Às 9h25, quando o ônibus cruzou a Avenida Brasil, Zelita se levantou e se aproximou dos degraus da saída. Às 9h28 ela desceu. Já estava devendo à boa vontade do chefe pelo menos 1h30 do seu tempo de trabalho. Zelita não aguentou o tranco. E não trabalha mais nos Jardins.

Zelita Procópio de Oliveira é usuária de ônibus em São Paulo. Faz parte dos 6 milhões de passageiros que todos os dias usam o sistema para trabalhar. Atendente de comércio, ela mora no Jardim Natal, em Parelheiros, extremo sul da capital. Nos últimos meses, costumava sair de casa para trabalhar antes de o sol nascer. E pegava uma van até o Terminal Varginha, o centro de distribuição de linhas existente na Avenida Teotônio Vilela, distante 36 quilômetros do Anhangabaú. É o mais longo corredor de transporte coletivo da zona sul, caminho diário de Zelita.

Mãe de três filhos, separada, 33 anos, ela se diz cansada de sofrer com o transporte coletivo paulistano. Para chegar à região dos Jardins, onde trabalhava, Zelita enfrentou um cotidiano comum a quem não tem, ou não quer usar, carro. "Todo dia é a mesma coisa", dizia ela dentro de um ônibus-sanfona, cheio, que gastou 2h40 para fazer o trajeto até o Terminal Bandeira, no centro antigo. A bordo da linha 6913, que se arrastou pelas Avenidas Robert Kennedy, Santo Amaro, São Gabriel e 9 de Julho, ela foi acompanhada pelo Estado desde a saída do Varginha, às 6h40.

Irritada, estressada, desceu do biarticulado, que carrega até 280 pessoas, às 9h28. Deveria estar marcando o ponto na loja às 8h. Até tentou amenizar o estrago telefonando para uma colega e pedindo para informar ao chefe que, naquele dia, a coisa a bordo estava pior do que de costume. Mas, ao desligar, parece não ter ouvido palavras tranquilizadoras. Já sabia que o dia não seria moleza. No final da jornada, a volta para casa lhe tomaria mais duas horas e meia.

"O transporte devia ser prioridade. A gente paga caro", reclamou Zelita. E paga caro mesmo - de acordo com estudo do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o gasto mensal na cidade para andar todos os dias úteis de transporte público é de 19,02% do salário mínimo. Isso para um serviço extremamente criticado: os ônibus são lentos, desconfortáveis, lotados. Algumas vezes, sujos. E muitas vezes atrasados.

Os ônibus de São Paulo são a ponta mais visível da dificuldade de coordenar o transporte público de uma metrópole - um problema que afeta a vida de 6 milhões de paulistanos por dia. Problema esse, diga-se, histórico. No governo Marta Suplicy, um projeto foi desenvolvido para dar prioridade ao ônibus dentro do sistema viário. Os ônibus circulariam nas principais avenidas em corredores exclusivos, separados do resto do trânsito e livres dos congestionamentos. Eles ainda seriam monitorados por GPS para assegurar a pontualidade. Todo o sistema da região metropolitana seria integrado com o metrô e trens pelo bilhete único, o que permitiria mais viagens com uma única tarifa

Na prática, muito deixou de ser feito. Hoje, andar de carro ainda é extremamente mais rápido do que de ônibus. A média de velocidade nos tais corredores exclusivos é quase a mesma que uma pessoa correndo. Com tanta ineficiência, milhares de ex-usuários do serviço preferiram comprar seus carros e motos, o que aumentou os congestionamentos nas ruas e o risco de acidentes.

Desconforto. A cidade tem uma malha de transporte coletivo de mais de 1,3 mil linhas, atendidas por 15 mil ônibus. A tarifa é de R$ 3. Na linha 6913, o desconforto com o serviço é visível na hora de maior necessidade de passageiros como Zelita, que gasta 5 horas do dia para exercer o direito de ir e vir.

Se ela fizesse as contas, veria que o tempo que passa no interior da sanfona ambulante em uma semana útil é igual ao período de 1 dia, mais uma hora de sobra. São 4 dias e meio no mês, 54 dias do ano sentada no ônibus. E Zelita está longe de ser um exemplo isolado. De acordo com pesquisa da ONG Nossa São Paulo e do Ibope, os paulistanos gastam, em média, 27 dias por ano no trânsito - cerca de 7,4% de todo o seu tempo. Ou seja, a cada mês o cidadão passa dois dias e seis horas no carro ou no transporte público.

O calvário da Zelita começava no escuro. Acordava antes das 6h e o trajeto entre a casa dela e o Terminal Varginha já lhe consumia 15 minutos. Lá, já havia uma fila de dezenas de "Zelitas" aglomeradas na plataforma da estação à espera de um cadeira para passar as próximas 2h30, 2h40 de viagem. Quem não é molenga na hora do embarque costuma descolar uma vaga e até consegue sentar-se à janela do lado esquerdo do carro, que é mais confortável porque não pega, de cara, o forte sol nascente.

Como Zelita, milhares de moradores da região enfrentam essa rotina no coletivo sem ar-condicionado. Alguns enganam o tédio e a revolta da longa travessia olhando o dia clarear, dormindo desconfortavelmente nos bancos duros, apoiados em travesseiros de ferro.

"É um absurdo", protestou a comerciária, após as explicações de praxe para o chefe. "Vou chegar de novo atrasada." Às 8h40, ao lado de Zelita, Andreia da Silva Ferreira, de 32 anos, diarista, dois filhos, moradora do Jardim São Norberto, também reclamava das duas horas no trânsito. Andreia lembrava que, como a colega, era comum chegar ao trabalho depois da hora devida. "Às vezes, a patroa até diz que não precisa mais ir", relatou a mulher, que só conseguiu desembarcar no Itaim-Bibi às 8h51. Como Zelita, é mais uma a precisar encontrar um jeito de compensar a dívida com a patroa.

O ônibus entrou na Avenida São Gabriel, na altura dos Jardins, quando já passava das 9h - para aflição de Zelita. Mas ela ainda esperaria mais alguns minutos. A 9 de Julho, adiante, o trânsito era pesado. Às 9h25, quando o ônibus cruzou a Avenida Brasil, Zelita se levantou e se aproximou dos degraus da saída. Às 9h28 ela desceu. Já estava devendo à boa vontade do chefe pelo menos 1h30 do seu tempo de trabalho. Zelita não aguentou o tranco. E não trabalha mais nos Jardins.

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