Nota de teor semelhante foi emitida pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, para quem, "em que pese a alardeada liberdade da manifestação artística", as obras podem ser vistas como "fato criminoso", que cria a possibilidade de "perturbação da ordem pública", com a "provocação de uma situação de alarme no seio da coletividade, que se traduz pela quebra do sentimento geral de tranquilidade e paz que corresponde à continuidade normal da ordem jurídico-social, que ao Direito incumbe proteger". Será mesmo que os advogados representados na mensagem acreditam que um punhado de obras de arte, exibida numa mostra restrita a pagantes, será capaz de "quebrar o sentimento geral de tranqüilidade e paz" na sociedade brasileira?
Parece que D'Urso e os outros advogados citados não conseguiram ler a obra de arte como representação. Sem entrar no mérito da qualidade dos trabalhos em si, há uma clara tentativa do autor de fazer graça com a possibilidade de matar celebridades com as próprias mãos. Os "assassinatos" cometidos por Gil Vicente são apenas, e obviamente, metafóricos. Atribuir às obras intenções criminosas é demonstração de falta de senso de humor, que, por sua vez, denota limitada capacidade de ler o mundo. Na ausência dessa qualidade, D'Urso formulou sua visão de liberdade de expressão baseado numa estranha lógica: segundo sua interpretação, a lei brasileira permite que uma obra seja "criada", mas não exposta livremente.
Em democracias consolidadas, porém, "matar" o presidente numa obra de arte pode até render prêmio. Foi o que aconteceu com o documentário fictício "A Morte de George W. Bush" (2006), do diretor britânico Gabriel Range. A curiosa "reconstituição" do "assassinato" do presidente americano ganhou cinco prêmios, entre eles o Emmy, sem que ninguém visse nisso "apologia ao crime" e "desrespeito à instituição do presidente".