São, no entanto, duas coisas muito distintas. Uma coisa é condenar o alegado golpe de Estado, algo que a comunidade internacional inteira fez logo depois dos incidentes em Tegucigalpa. Outra, muito diferente, é negar-se a observar as particularidades do episódio e a participar, de modo desinteressado, do processo de pacificação em Honduras.
O Brasil, ao abrigar Zelaya em sua embaixada, tomou partido, anulando-se como candidato natural a mediador do conflito. Foi um erro, que permitiu aos EUA assenhorear-se da situação diplomática - e qualificar de "irresponsável" a decisão brasileira de permitir a volta de Zelaya a Honduras, naquela ocasião, sem acordo prévio.
De lá para cá, embora a crise ainda não tenha sido inteiramente superada, houve eleições livres em Honduras e um novo governo foi empossado, reconhecido por boa parte da comunidade internacional. Mas o Brasil insiste no equívoco de opor-se a ele. A expectativa é que a presidente Dilma Rousseff tenha mais bom-senso que seu antecessor nesse caso.
Mas voltemos ao telegrama do embaixador americano Hugo Llorens e a seu controvertido conteúdo. Atentos leitores aqui do blog, logo depois que o texto diplomático foi vazado pelo WikiLeaks, correram a apontar um suposto erro meu ao considerar que não houve golpe em Honduras e que Zelaya foi removido do poder segundo o que reza a Constituição.
Não é bem assim. Em meu primeiro post sobre o assunto, em 29 de junho, um dia depois dos incidentes, qualifiquei a situação de "golpe de Estado". Era, então, a percepção geral do caso - inclusive dos EUA. O próprio presidente americano, Barack Obama, chegou a usar o termo "golpe". Com o passar dos dias, porém, ficou evidente que o contexto era bem mais confuso do que parecia à primeira vista, sobretudo levando-se em conta que havia um elemento crucial em questão - o chavismo de Zelaya e sua clara intenção de emular o mestre. Esse fator embaralhava consideravelmente o problema. O que era um golpe passou a ter ingredientes de contragolpe.
Mesmo o telegrama de Llorens, embora afirme categoricamente que a remoção de Zelaya do poder foi ilegal, reconhece que a Constituição hondurenha não é clara sobre os procedimentos de impeachment nem sobre a pretensão do presidente de convocar um referendo para alterá-la - de acordo com o script chavista.
Ademais, o telegrama de Llorens é apenas uma das opiniões americanas sobre o caso. Um estudo jurídico preparado a pedido do Congresso dos EUA, no ano passado, chegou a uma conclusão diametralmente distinta: para esses especialistas, a remoção de Zelaya respeitou a Constituição. Foi com base nesse estudo que este blog passou a aceitar o argumento de que não houve golpe em Honduras. Agora, considerando-se ambas as conclusões, é possível perceber que o problema hondurenho de fato não é tão simples quanto certa retórica militante lulista faz supor.
Por fim, é interessante notar a dupla moral no discurso de lulistas que estão explorando o texto de Llorens como prova incontestável de que houve golpe em Honduras - e de que, por conseguinte, toda opinião contrária a essa é reacionária. É lícito perguntar se os lulistas que ora brandem o telegrama de Tegucigalpa têm a mesma opinião positiva sobre outros documentos diplomáticos vazados pelo WikiLeaks - como o que qualifica Chávez de "louco", o que diz que o MST é obstáculo à luta contra o terrorismo e o que afirma que o governo Lula é tomado pela corrupção.
O próprio Lula tratou de responder a essa questão, ao dizer que os documentos diplomáticos americanos que comentam os escândalos de seu governo "não merecem ser levados a sério". E ele completou: "Na verdade, não sou obrigado a acreditar num telegrama do embaixador americano".