Direto ao assunto

Lula é ladrão junto a nosso povo crucificado, ataca jurista


Professor Dotti acha que Lula livre lembra queremismo getulista com a diferença de que PT exercitou terror ao atacar críticos, em vez da verdade que defendem

Por José Neumanne
Dotti, advogado da Petrobrás, fala no julgamento dos recursos de Lula na 8.ª Turma do TRF 4 em Porto Alegre, tendo ao fundo o advogado do réu, Cristiano Zanin. Foto: TRF 4

Para o advogado da Petrobrás na ação contra Lula no caso do triplex do Guarujá, René Ariel Dotti, "o bordão 'Lula livre' nos remete ao queremismo e à canção carnavalesca: "Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar". Protagonista desta semana da série Nêumanne Entrevista, o professor Dotti foi fundo: "Lula é um dos ladrões reencarnados que está exposto perto da cruz do povo brasileiro. Morrer a própria morte por suas mãos, isso nunca! Matar, sim!  Morrer não é preciso!  Viver é preciso!". Conhecido pelo destemor na defesa de presos políticos à época da ditadura militar, o jurista paranaense citou: "No excelente e corajoso livro Corrupção da Inteligência Flávio Gordon demonstra, à evidência, como o PT se organizou, se preparou e dominou o Estado, manipulou mídias, anarquizou as fontes de criação das universidades, produziu uma novilíngua de comunicação, desqualificou a crítica honesta atacando o crítico, e não a verdade que ele defende; exercitou o terror."

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Dotti com Dom Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, e o então governador do Paraná, hoje senador pelo Podemos, Álvaro Dias. Foto: Acervo pessoal

René Ariel Dotti nasceu em 1934, e faz questão de contar, a 200 metros do local onde foi armado o altar onde o papa João Paulo II rezaria missa na primeira visita à sua cidade natal, Curitiba, em 1980. Casado desde 1969 com Rosarita, tem duas filhas -- Rogéria, mestra em Direito Processual, e Cláudia, veterinária -- e quatro netos. Destacou-se profissionalmente como advogado de presos políticos que defendia na Justiça Militar, sendo o caso mais notório o que ficou conhecido comoNovembrada. É professor titular de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná. Atuou como auxiliar de acusação, contratado pela Petrobrás, na ação em que o ex-juiz Sergio Moro condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por haver se beneficiado de propinas para adquirir e reformar apartamento tríplex na praia das Astúrias, no Guarujá. Autor de vários artigos publicados no Brasil e no exterior, destaca, entre outros livros, ter publicado Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação (Revista dos Tribunais, 1980) e Bases e Alternativas para o Sistema de Penas (Revista dos Tribunais, 1998).

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Em julgamento de estudantes em Curitiba, em 1985,  Dotti, Heleno Fragoso, José Carlos Dias, Mário Simas, Marcelo Cerqueira e Nelson Wedekiin conseguiram a absolvição por três votos a dois. Foto: Acervo pessoal

Nêumanne entrevista René Ariel Dotti

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Nêumanne - O senhor atuou como advogado auxiliar da acusação nos processos da Lava Jato e, numa sessão de interrogatório do principal réu da ação do triplex do Guarujá, que, segundo o Ministério Público, pertence a Lula, viu-se obrigado a chamar a atenção do chefe da equipe da defesa do ex-presidente petista, advogado Cristiano Zanin Rodrigues, pela forma desrespeitosa como se dirigia ao juiz Sergio Moro, que comandava o interrogatório. O que o levou a tomar essa atitude?

René Ariel Dotti - a) Advogo na especialidade criminal desde 1958 (ano de minha graduação em Direito; b) levanto-me da cadeira onde estou sentado (fórum, tribunal) em respeito ao magistrado que irá presidir a audiência; c) essa conduta foi mantida durante as audiências da Auditoria Militar (em Curitiba), integrada por um juiz civil e quatro militares, durante o período de 1967 até março de1985, no julgamento dos estudantes de Florianópolis que tiveram confronto com o presidente João Figueiredo  e sua comitiva (Novembrada). Nota de rodapé:  Do presidente Figueiredo eu elogiei publicamente a iniciativa do projeto de anistia, que permitiu a volta de exilados e foi um dos marcos da redemocratização do País. d) Nunca antes tive necessidade de interpelar colegas, a exemplo do que ocorreu com o dr. Cristiano Zanin; e) o interrogatório do ex-presidente tomou cinco horas,  mais ou menos, de tempo. Eu somente repreendi o colega após ver e ouvir,  durante mais ou menos duas horas, um tipo de comportamento agressivo para com o juiz; f) houve momentos em que o curso da pergunta do magistrado era interrompido pelo advogado, que, sem requerer o uso da palavra, procurava "justificar" a intervenção, até mesmo desqualificando a pergunta feita ao acusado; g) o artigo 31 do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/1994) estabelece: "Capítulo VIII ­- Da Ética do Advogado. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe  da advocacia".  (Grifei.) Por sua vez, o artigo 33 dispõe: "O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina". (Negritos meus.) E o Código de Ética e Disciplina (CED), no capítulo IV, reservado às "Relações com os colegas, agentes políticos, autoridades, servidores públicos e terceiros", tem o seguinte comando: "Art. 27. O advogado observará, nas suas relações com os colegas de profissão, agentes políticos, autoridades, servidores públicos e terceiros em geral, o dever de urbanidade, tratando a todos com respeito e consideração, ao mesmo tempo que preservará seus direitos e prerrogativas, devendo agir igual tratamento de todos com quem se relacione". (Negritos meus.)

Para ver Dotti em entrevista ao site Migalhas sobre temas do ensino de Direito clique aqui

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N - É verdade que no intervalo do mesmo interrogatório o senhor foi abordado por outro advogado da defesa do réu, o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) José Roberto Batochio, que estranhou o fato de o senhor ter mudado de lado, pois ele fora seu admirador à época em que ganhou fama por ser um corajoso advogado de presos políticos perseguidos pela ditadura militar? O senhor sente-se à vontade para contar as circunstâncias desse episódio?

D - a)  Há muito tempo eu respeito e admiro o colega Batochio. Em textos de Direito eu o cumprimentei pela iniciativa, como deputado federal, de propor a redação do parágrafo 4º do artigo 5º da Constituição:  "O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão". b) Realmente, após encerrado o interrogatório (Batochio e eu estávamos sentados frente a frente), ele disse mais ou menos o seguinte: "René, você deveria, estar do outro lado" . E eu falei:  "Continuo do mesmo lado, da defesa. E lembro que o ministro Evandro Lins e Silva, atuando como assistente do Ministério Público no processo contra o então presidente Collor de Mello, respondeu a pergunta da mesma natureza, afirmando: Agora em defesa da sociedade. E eu estou fazendo o mesmo: defesa da sociedade". Nesse preciso momento a esposa do dr. Cristiano,  que estava ao  meu lado na mesa de trabalho, perguntou, de modo crítico: "E quem lhe deu esses poderes?". Eu respondi, delicadamente: "A minha condição de cidadão!".

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Dotti e a mulher, Rosarita, cumprimentam o jurista Evandro Lins e Silva, seu parceiro na luta pela liberdade durante a ditadura militar, na posse deste na Academia Brasileira de Letras. Foto: Acervo pessoal

N - Ao argumentar que, ao contrário do que disse o citado Batochio, o senhor continua do mesmo lado em que sempre esteve, quis lembrar ao advogado do corrupto duas vezes condenado em primeira instância, com uma das condenações confirmada por oito votos a zero em segunda (TRF-4) e terceira (STJ), que a Petrobrás é patrimônio do povo brasileiro e, portanto, é de interesse público condenar quem a dilapidou a ponto de quase levá-la à falência?

D - Na quarta edição de meu livro Casos Criminais Célebres, que estou preparando, já redigi um capítulo novo: O atentado contra Carlos Lacerda e o suicídio do presidente Vargas.  Destaco, com detalhes, a luta épica de Monteiro Lobato (O escândalo do petróleo e do ferro) e o mantra "o petróleo é nosso". Era 1954, tempo de meu ingresso na Faculdade de Direito. A campanha sacudiu meus verdes anos. E certa manhã, quando a nossa turma estava entrando na sala ainda vazia, podia-se ler no quadro negro: "O Kazuma é nosso".  Kazuma era nosso colega! Minha felicidade foi ter a oportunidade de atuar a favor da Petrobrás. Afinal, os trusts daquele tempo contra a nossa riqueza natural são os corruptos de hoje no maior crime cometido contra o patrimônio de uma empresa brasileira.

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Para ver sustentação oral de Dotti pela Petrobrás no julgamento de Lula no TRF 4 clique aqui

N - Aliás, aproveitando a oportunosa ensancha e a lembrança desse episódio, o senhor acha que Luiz Inácio Lula da Silva é um preso político do Estado de Direito brasileiro contemporâneo ou não passa de um político preso, expressão tornada pública pelo jornalista Reinaldo Azevedo?

D - a) No tempo dos anos de chumbo eu lutei pela liberdade de muitos presos políticos: sindicalistas, jornalistas, parlamentares (deputado Walter Pécoits, por exemplo), bancários ou ameaçados de prisão, como o ex-ministro do Trabalho  Amaury de Oliveira e Silva, que estava exilado em Montevidéu; b) O ex-presidente Lula é, sem dúvida, um político preso.  Mas um preso em condição especial de comodidades materiais em sala especialmente preparada e com as oportunidades de planejar estratégias políticas, como inventar um post, receber visitas especiais de políticos de destaque - a Mesa da Câmara dos Deputados impetrou recurso no STF contra ato da juíza que impediu, segundo legislação específica, a reunião coletiva e completamente fora de padrões regulares da administração penitenciária. Um parêntese: o ministro Ricardo Lewandowski deu a licença para que o preso, poucos dias antes das eleições, desse entrevista à imprensa!  O tempora, o mores!

Com a mulher, Rosarita, e os quatro netos, Dotti forma um núcleo familiar e unido na cidade onde nasceu em 1934, Curitiba Foto: Estadão

N - Tanto na Comissão de Constituição e Justiça do Senado quanto na mesma instância na Câmara, o ministro da Justiça, Sergio Moro, insistiu que em nenhum momento das mensagens que lhe são atribuídas, embora sem nenhuma comprovação de autenticidade, ele feriu a ética, a postura e a imparcialidade requeridas de um magistrado pela lei e pela sociedade. Na condição de quem acompanhou o julgamento da ação que terminou em sentença condenatória, o senhor se disporia a defendê-lo em qualquer instância do Judiciário ou em eventuais investigações que possam ser instauradas no âmbito do Poder Legislativo?

D - a) Sim, com toda a certeza. Já o fiz no dia seguinte àquela deliberação da comunicação telefônica da ex-presidente Dilma avisando a Lula da Silva que o "Bessias" ia levar um papel para ele assinar... b)  Em entrevista a uma emissora de TV eu afirmei que, nos termos da Constituição, o sigilo é somente admissível quando o interesse público assim o determinar. Constituição, verbis: "Art. 5º, LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem". b) É impressionante a onda de apóstolos da ética judiciária e de jornalistas excitados, como juízes paralelos da mídia (que saudade do Sérgio Porto, conhecido como Stanislaw Ponte Preta, o lúcido espadachim, ao definir a televisão: "Máquina de fazer doido"). c) Será que os senhores da imprensa, assanhados parar gerar escândalo, não conhecem a lição de Ruy Barbosa ao definir a imprensa como "a vista da Nação"...? d) Será que os profetas do caos não conhecem o artigo LVI (56º, como bem escrevem os portugueses, libertos na sua Constituição dos algarismos romanos), que tem a clareza de sol mediterrrâneo quando alude  às provas ilícitas?Vide: "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". e) Será que o ministro Celso de Mello - a quem rendo preito de respeito e admiração - precisava desculpar-se, assumindo posição oracular que deixou o povão em dúvida ao afirmar que não estava julgando "o mérito", ou seja, o caso (na verdade, o ocaso) do maior estelionatário e comandante da rapina contra o patrimônio público em toda a nossa História? f) Será que o STF vai decantar  o eufemismo que apelidaram de "decisão contramajoritária" e afrontar a regra elementar que consta da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei nº 4.657/1942, com a redação da Lei nº 12.376/2010, cujo artigo proclama em alto e bom som: "Na  aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum"!

Dotti em lançamento de livros do cronista capixaba Rubem Braga, do humorista carioca Sérgio Porto e do romancista mineiro Frenando Sabino, em novembro de 1967. Foto: Acervo pessoal

N - Como advogado experiente e professor de Direito respeitado, o senhor já participou, testemunhou ou ouviu falar de julgamento de qualquer gênero em que, como ocorre neste momento no Brasil, o juiz que se tornou herói popular pela forma corajosa como chefiou a mais bem-sucedida operação de combate à corrupção da História seja interrogado, algumas vezes com requintes de humilhação, por quem é suspeito, acusado, denunciado e processado por ele mesmo e por outros agentes da lei?

D - a) Em meu www.blogdodotti.com.br eu denuncio a comédia dos erros entre os Poderes da União e termino citando filósofo  francês: "O poder sem controle enlouquece". b) A Presidência da República, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal constituem um teatro do absurdo.  Ionesco (O Rinoceronte), Beckett (Esperando Godot), etc., certamente aproveitariam o enredo que é diariamente encenado e as surrealistas personagens que dão vida ao subconsciente. No teatro do absurdo  -  estilo de extraordinário sucesso de uma notável geração de teatrólogos surgidos após a 2ª Guerra Mundial que apresenta a condição humana "sob a atmosfera de uma angústia metafísica" e mostra o absurdo da falta de sentido da existência -- o texto é absurdo, o diretor é absurdo, o cenário também, idem quanto às personagens. Só não é absurdo o espectador lúcido que, da plateia, assiste a um espetáculo que se renova de tempos em tempos pelo chamado sufrágio universal e pelo voto direto e secreto. É tão secreto que pouco tempo depois da eleição o eleitor não se lembra em quem votou na colmeia de vereadores, deputados e senadores!

Dotti em ato de apoio às CPIs dos Correios e dos Bingos ao lado de Miguel Reake Jr,. Caio Miranda, Romeu Tuma, Omar Serraglio, Azevedo Marques, Luiz Flávio d'Urso, Rafael Guerra e Sidey Beraldo. Foto: Niels Andreas/AE

N - O senhor concorda ou discorda do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro quando ele afirma que a divulgação de mensagens cuja autenticidade ainda depende de comprovação não passa de uma ação orquestrada para desmoralizar a autoridade judicial e inocentar à força quem foi condenado em três instâncias com provas dos crimes cometidos levadas a juízo?

D - No excelente e corajoso livro A Corrupção da Inteligência Flávio Gordon demonstra, à evidência, como o PT se organizou, se preparou e dominou o Estado, manipulou mídias, anarquizou as fontes de criação das universidades, produziu uma novilíngua de comunicação, desqualificou a crítica honesta atacando o crítico, e não a verdade que ele defende; exercitou o terror.b)A orquestração é muito afinada e tem diversas partituras conforme o gênero de música: do clássico ao popular. Ou de dança: do ballet ao forró.

Rosarita era aluna de Dotti e, quando acabaram as aulas de Direito Penal na Faculdade de Direito, ela o convidou para dançar na festa de despedida. Casaram-se em 1969. Foto: Acervo pessoal

N - Que evidências podem ser encontradas em qualquer processo judicial, ou mesmo em qualquer notícia de jornal, que possam sustentar a afirmação do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) de que o ministro da Justiça, Sergio Moro, é um "juiz corrupto"? Que punição pode ser aplicada a um parlamentar que faz uma acusação dessa gravidade sem se basear num mínimo indício que fosse?

D - a) Vivemos num aparente Estado Democrático de Direito, que deve proteger as liberdades e os direitos fundamentais, por exemplo, a liberdade de opinião. Mas as liberdades e os direitos não são absolutos, como se demonstra pela previsão constitucional em tempo de guerra declarada segundo  o Código Penal Militar. Assim, existe o abuso ingênuo, o abuso mercenário, o abuso criminoso, etc., conforme os tipos de delinquentes e de vítimas. b) Um grande e querido amigo, catedrático em universidade da Espanha, Marino Barbero Santos (já falecido) manifestou estranheza quando eu considerei muito grave a pena de 20 e poucos anos para um ex-militar que invadiu o Parlamento, assustando todos com uma pistola e  disparos para o ar. O professor deixou muito claro para mim, mais ou menos assim: "Não houve um delito de tentativa de homicídio; nem, a rigor, de ameaça. Houve uma gravíssima ofensa à democracia, representada pelos eleitos pelo povo". c)  Desconsideração a um ministro de Estado que empenha sua vida contra a violência e a criminalidade? E daí, se  a imprensa de modo geral saúda essa volta dos bárbaros e anda em círculos entre bandidos, ladrões,  gigolôs de empresas especializadas no mais baixo meretrício?  Que fazer, salvo a revolução pelo voto, como foi a grande e vencedora corrida de obstáculos tendo à frente uma espécie de bomba atômica doméstica chamada Bolsonaro? E aguardar, com fé religiosa, trabalho honesto, a cura da cegueira política. Mais ou menos como Hiroshima e Nagasaki renasceram das próprias cinzas, fazendo da Fénix um símbolo permanente. Ou como os gregos, que descobriram em sonho os deuses olímpicos pra vencerem a tragédia da existência, como nos diz o imortal Nietzsche, o filósofo da afirmação da vida.

Dotti em seu escritório em Curitiba com um de seus livros sobre reforma eleitoral, tema pelo qual tem predileção especial. Foto: Acervo pessoal

N - Que paralelo histórico pode haver entre o processo paciente, astuto, audacioso e até criminoso com que a esquerda em geral e o PT em particular defendem a inocência de um líder perseguido por uma elite desprezível, que quer excluir o povo das decisões eleitorais de uma democracia de fancaria, e a frase célebre de Josef Goebbels segundo a qual uma mentira repetida muitas vezes se torna verdade? Isso poderia, a seu ver, configurar uma espécie de holocausto pelo avesso?

D - Já me referi, linhas acima e antes de ler esta pergunta: o holocausto à brasileira não é considerado pelo avesso, e sim como o oposto que produziu um genocídio bem maior que os 6  milhões de vítimas inocentes da 2ª Grande Guerra.

Dotti com as duas filhas com Rosarita: Rogéria Ferreira, professora de Direito Penal, como ele, e Cláudia Dotti, veterinária. Foto: Acervo pessoal

N - O que o senhor tem a dizer sobre a perspectiva aberta pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que sempre foi, desde estudante, empregado do Partido dos Trabalhadores (PT), de submeter a julgamento do plenário da Corte a extinção da jurisprudência da autorização para juízes decretarem o início de cumprimento de pena de condenados em segunda instância, com o óbvio objetivo de atender à reivindicação sem nenhuma legitimidade do movimento que exige "Lula livre"?

D - a) Vale a pergunta também quanto ao intimorato ministro Gilmar Mendes que concede habeas corpus a cliente de escritório de sua esposa e convence seus pares de que não está jurídica e moralmente impedido por grosseira suspeição. b) Eu tenho 84 anos de vida, 56 de advocacia, e nunca  vi ou soube do desprestígio popular do maior tribunal do País. c) O bordão "Lula livre" nos remete ao queremismo e à canção carnavalesca: "Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar". Com uma diferença: Getúlio Vargas escolheu o suicídio para sobreviver da conspiração das circunstâncias que, inocente,  o reduziram à descrença dos aranhóis da política e aos dias amargos de um isolamento cósmico. Foi um estadista na acepção verdadeira da palavra e na prestação pública de suas contas o saldo foi positivo, apesar da Constituição polaca e do eclipse da liberdade nos idos de 1937 a 1945.

O Lula, não! O Lula é um dos ladrões reencarnados que está exposto perto da cruz do povo brasileiro. Morrer a própria morte por suas mãos, isso nunca! Matar, sim!  Morrer não é preciso!  Viver é preciso!

"O PT se organizou, se preparou e dominou o Estado, manipulou mídias, anarquizou as fontes de criação das universidades, produziu uma novilíngua de comunicação", diz Dotti. Foto: Denis Ferreira Netto/AE
Dotti, advogado da Petrobrás, fala no julgamento dos recursos de Lula na 8.ª Turma do TRF 4 em Porto Alegre, tendo ao fundo o advogado do réu, Cristiano Zanin. Foto: TRF 4

Para o advogado da Petrobrás na ação contra Lula no caso do triplex do Guarujá, René Ariel Dotti, "o bordão 'Lula livre' nos remete ao queremismo e à canção carnavalesca: "Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar". Protagonista desta semana da série Nêumanne Entrevista, o professor Dotti foi fundo: "Lula é um dos ladrões reencarnados que está exposto perto da cruz do povo brasileiro. Morrer a própria morte por suas mãos, isso nunca! Matar, sim!  Morrer não é preciso!  Viver é preciso!". Conhecido pelo destemor na defesa de presos políticos à época da ditadura militar, o jurista paranaense citou: "No excelente e corajoso livro Corrupção da Inteligência Flávio Gordon demonstra, à evidência, como o PT se organizou, se preparou e dominou o Estado, manipulou mídias, anarquizou as fontes de criação das universidades, produziu uma novilíngua de comunicação, desqualificou a crítica honesta atacando o crítico, e não a verdade que ele defende; exercitou o terror."

Dotti com Dom Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, e o então governador do Paraná, hoje senador pelo Podemos, Álvaro Dias. Foto: Acervo pessoal

René Ariel Dotti nasceu em 1934, e faz questão de contar, a 200 metros do local onde foi armado o altar onde o papa João Paulo II rezaria missa na primeira visita à sua cidade natal, Curitiba, em 1980. Casado desde 1969 com Rosarita, tem duas filhas -- Rogéria, mestra em Direito Processual, e Cláudia, veterinária -- e quatro netos. Destacou-se profissionalmente como advogado de presos políticos que defendia na Justiça Militar, sendo o caso mais notório o que ficou conhecido comoNovembrada. É professor titular de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná. Atuou como auxiliar de acusação, contratado pela Petrobrás, na ação em que o ex-juiz Sergio Moro condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por haver se beneficiado de propinas para adquirir e reformar apartamento tríplex na praia das Astúrias, no Guarujá. Autor de vários artigos publicados no Brasil e no exterior, destaca, entre outros livros, ter publicado Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação (Revista dos Tribunais, 1980) e Bases e Alternativas para o Sistema de Penas (Revista dos Tribunais, 1998).

Em julgamento de estudantes em Curitiba, em 1985,  Dotti, Heleno Fragoso, José Carlos Dias, Mário Simas, Marcelo Cerqueira e Nelson Wedekiin conseguiram a absolvição por três votos a dois. Foto: Acervo pessoal

Nêumanne entrevista René Ariel Dotti

Nêumanne - O senhor atuou como advogado auxiliar da acusação nos processos da Lava Jato e, numa sessão de interrogatório do principal réu da ação do triplex do Guarujá, que, segundo o Ministério Público, pertence a Lula, viu-se obrigado a chamar a atenção do chefe da equipe da defesa do ex-presidente petista, advogado Cristiano Zanin Rodrigues, pela forma desrespeitosa como se dirigia ao juiz Sergio Moro, que comandava o interrogatório. O que o levou a tomar essa atitude?

René Ariel Dotti - a) Advogo na especialidade criminal desde 1958 (ano de minha graduação em Direito; b) levanto-me da cadeira onde estou sentado (fórum, tribunal) em respeito ao magistrado que irá presidir a audiência; c) essa conduta foi mantida durante as audiências da Auditoria Militar (em Curitiba), integrada por um juiz civil e quatro militares, durante o período de 1967 até março de1985, no julgamento dos estudantes de Florianópolis que tiveram confronto com o presidente João Figueiredo  e sua comitiva (Novembrada). Nota de rodapé:  Do presidente Figueiredo eu elogiei publicamente a iniciativa do projeto de anistia, que permitiu a volta de exilados e foi um dos marcos da redemocratização do País. d) Nunca antes tive necessidade de interpelar colegas, a exemplo do que ocorreu com o dr. Cristiano Zanin; e) o interrogatório do ex-presidente tomou cinco horas,  mais ou menos, de tempo. Eu somente repreendi o colega após ver e ouvir,  durante mais ou menos duas horas, um tipo de comportamento agressivo para com o juiz; f) houve momentos em que o curso da pergunta do magistrado era interrompido pelo advogado, que, sem requerer o uso da palavra, procurava "justificar" a intervenção, até mesmo desqualificando a pergunta feita ao acusado; g) o artigo 31 do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/1994) estabelece: "Capítulo VIII ­- Da Ética do Advogado. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe  da advocacia".  (Grifei.) Por sua vez, o artigo 33 dispõe: "O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina". (Negritos meus.) E o Código de Ética e Disciplina (CED), no capítulo IV, reservado às "Relações com os colegas, agentes políticos, autoridades, servidores públicos e terceiros", tem o seguinte comando: "Art. 27. O advogado observará, nas suas relações com os colegas de profissão, agentes políticos, autoridades, servidores públicos e terceiros em geral, o dever de urbanidade, tratando a todos com respeito e consideração, ao mesmo tempo que preservará seus direitos e prerrogativas, devendo agir igual tratamento de todos com quem se relacione". (Negritos meus.)

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N - É verdade que no intervalo do mesmo interrogatório o senhor foi abordado por outro advogado da defesa do réu, o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) José Roberto Batochio, que estranhou o fato de o senhor ter mudado de lado, pois ele fora seu admirador à época em que ganhou fama por ser um corajoso advogado de presos políticos perseguidos pela ditadura militar? O senhor sente-se à vontade para contar as circunstâncias desse episódio?

D - a)  Há muito tempo eu respeito e admiro o colega Batochio. Em textos de Direito eu o cumprimentei pela iniciativa, como deputado federal, de propor a redação do parágrafo 4º do artigo 5º da Constituição:  "O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão". b) Realmente, após encerrado o interrogatório (Batochio e eu estávamos sentados frente a frente), ele disse mais ou menos o seguinte: "René, você deveria, estar do outro lado" . E eu falei:  "Continuo do mesmo lado, da defesa. E lembro que o ministro Evandro Lins e Silva, atuando como assistente do Ministério Público no processo contra o então presidente Collor de Mello, respondeu a pergunta da mesma natureza, afirmando: Agora em defesa da sociedade. E eu estou fazendo o mesmo: defesa da sociedade". Nesse preciso momento a esposa do dr. Cristiano,  que estava ao  meu lado na mesa de trabalho, perguntou, de modo crítico: "E quem lhe deu esses poderes?". Eu respondi, delicadamente: "A minha condição de cidadão!".

Dotti e a mulher, Rosarita, cumprimentam o jurista Evandro Lins e Silva, seu parceiro na luta pela liberdade durante a ditadura militar, na posse deste na Academia Brasileira de Letras. Foto: Acervo pessoal

N - Ao argumentar que, ao contrário do que disse o citado Batochio, o senhor continua do mesmo lado em que sempre esteve, quis lembrar ao advogado do corrupto duas vezes condenado em primeira instância, com uma das condenações confirmada por oito votos a zero em segunda (TRF-4) e terceira (STJ), que a Petrobrás é patrimônio do povo brasileiro e, portanto, é de interesse público condenar quem a dilapidou a ponto de quase levá-la à falência?

D - Na quarta edição de meu livro Casos Criminais Célebres, que estou preparando, já redigi um capítulo novo: O atentado contra Carlos Lacerda e o suicídio do presidente Vargas.  Destaco, com detalhes, a luta épica de Monteiro Lobato (O escândalo do petróleo e do ferro) e o mantra "o petróleo é nosso". Era 1954, tempo de meu ingresso na Faculdade de Direito. A campanha sacudiu meus verdes anos. E certa manhã, quando a nossa turma estava entrando na sala ainda vazia, podia-se ler no quadro negro: "O Kazuma é nosso".  Kazuma era nosso colega! Minha felicidade foi ter a oportunidade de atuar a favor da Petrobrás. Afinal, os trusts daquele tempo contra a nossa riqueza natural são os corruptos de hoje no maior crime cometido contra o patrimônio de uma empresa brasileira.

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N - Aliás, aproveitando a oportunosa ensancha e a lembrança desse episódio, o senhor acha que Luiz Inácio Lula da Silva é um preso político do Estado de Direito brasileiro contemporâneo ou não passa de um político preso, expressão tornada pública pelo jornalista Reinaldo Azevedo?

D - a) No tempo dos anos de chumbo eu lutei pela liberdade de muitos presos políticos: sindicalistas, jornalistas, parlamentares (deputado Walter Pécoits, por exemplo), bancários ou ameaçados de prisão, como o ex-ministro do Trabalho  Amaury de Oliveira e Silva, que estava exilado em Montevidéu; b) O ex-presidente Lula é, sem dúvida, um político preso.  Mas um preso em condição especial de comodidades materiais em sala especialmente preparada e com as oportunidades de planejar estratégias políticas, como inventar um post, receber visitas especiais de políticos de destaque - a Mesa da Câmara dos Deputados impetrou recurso no STF contra ato da juíza que impediu, segundo legislação específica, a reunião coletiva e completamente fora de padrões regulares da administração penitenciária. Um parêntese: o ministro Ricardo Lewandowski deu a licença para que o preso, poucos dias antes das eleições, desse entrevista à imprensa!  O tempora, o mores!

Com a mulher, Rosarita, e os quatro netos, Dotti forma um núcleo familiar e unido na cidade onde nasceu em 1934, Curitiba Foto: Estadão

N - Tanto na Comissão de Constituição e Justiça do Senado quanto na mesma instância na Câmara, o ministro da Justiça, Sergio Moro, insistiu que em nenhum momento das mensagens que lhe são atribuídas, embora sem nenhuma comprovação de autenticidade, ele feriu a ética, a postura e a imparcialidade requeridas de um magistrado pela lei e pela sociedade. Na condição de quem acompanhou o julgamento da ação que terminou em sentença condenatória, o senhor se disporia a defendê-lo em qualquer instância do Judiciário ou em eventuais investigações que possam ser instauradas no âmbito do Poder Legislativo?

D - a) Sim, com toda a certeza. Já o fiz no dia seguinte àquela deliberação da comunicação telefônica da ex-presidente Dilma avisando a Lula da Silva que o "Bessias" ia levar um papel para ele assinar... b)  Em entrevista a uma emissora de TV eu afirmei que, nos termos da Constituição, o sigilo é somente admissível quando o interesse público assim o determinar. Constituição, verbis: "Art. 5º, LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem". b) É impressionante a onda de apóstolos da ética judiciária e de jornalistas excitados, como juízes paralelos da mídia (que saudade do Sérgio Porto, conhecido como Stanislaw Ponte Preta, o lúcido espadachim, ao definir a televisão: "Máquina de fazer doido"). c) Será que os senhores da imprensa, assanhados parar gerar escândalo, não conhecem a lição de Ruy Barbosa ao definir a imprensa como "a vista da Nação"...? d) Será que os profetas do caos não conhecem o artigo LVI (56º, como bem escrevem os portugueses, libertos na sua Constituição dos algarismos romanos), que tem a clareza de sol mediterrrâneo quando alude  às provas ilícitas?Vide: "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". e) Será que o ministro Celso de Mello - a quem rendo preito de respeito e admiração - precisava desculpar-se, assumindo posição oracular que deixou o povão em dúvida ao afirmar que não estava julgando "o mérito", ou seja, o caso (na verdade, o ocaso) do maior estelionatário e comandante da rapina contra o patrimônio público em toda a nossa História? f) Será que o STF vai decantar  o eufemismo que apelidaram de "decisão contramajoritária" e afrontar a regra elementar que consta da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei nº 4.657/1942, com a redação da Lei nº 12.376/2010, cujo artigo proclama em alto e bom som: "Na  aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum"!

Dotti em lançamento de livros do cronista capixaba Rubem Braga, do humorista carioca Sérgio Porto e do romancista mineiro Frenando Sabino, em novembro de 1967. Foto: Acervo pessoal

N - Como advogado experiente e professor de Direito respeitado, o senhor já participou, testemunhou ou ouviu falar de julgamento de qualquer gênero em que, como ocorre neste momento no Brasil, o juiz que se tornou herói popular pela forma corajosa como chefiou a mais bem-sucedida operação de combate à corrupção da História seja interrogado, algumas vezes com requintes de humilhação, por quem é suspeito, acusado, denunciado e processado por ele mesmo e por outros agentes da lei?

D - a) Em meu www.blogdodotti.com.br eu denuncio a comédia dos erros entre os Poderes da União e termino citando filósofo  francês: "O poder sem controle enlouquece". b) A Presidência da República, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal constituem um teatro do absurdo.  Ionesco (O Rinoceronte), Beckett (Esperando Godot), etc., certamente aproveitariam o enredo que é diariamente encenado e as surrealistas personagens que dão vida ao subconsciente. No teatro do absurdo  -  estilo de extraordinário sucesso de uma notável geração de teatrólogos surgidos após a 2ª Guerra Mundial que apresenta a condição humana "sob a atmosfera de uma angústia metafísica" e mostra o absurdo da falta de sentido da existência -- o texto é absurdo, o diretor é absurdo, o cenário também, idem quanto às personagens. Só não é absurdo o espectador lúcido que, da plateia, assiste a um espetáculo que se renova de tempos em tempos pelo chamado sufrágio universal e pelo voto direto e secreto. É tão secreto que pouco tempo depois da eleição o eleitor não se lembra em quem votou na colmeia de vereadores, deputados e senadores!

Dotti em ato de apoio às CPIs dos Correios e dos Bingos ao lado de Miguel Reake Jr,. Caio Miranda, Romeu Tuma, Omar Serraglio, Azevedo Marques, Luiz Flávio d'Urso, Rafael Guerra e Sidey Beraldo. Foto: Niels Andreas/AE

N - O senhor concorda ou discorda do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro quando ele afirma que a divulgação de mensagens cuja autenticidade ainda depende de comprovação não passa de uma ação orquestrada para desmoralizar a autoridade judicial e inocentar à força quem foi condenado em três instâncias com provas dos crimes cometidos levadas a juízo?

D - No excelente e corajoso livro A Corrupção da Inteligência Flávio Gordon demonstra, à evidência, como o PT se organizou, se preparou e dominou o Estado, manipulou mídias, anarquizou as fontes de criação das universidades, produziu uma novilíngua de comunicação, desqualificou a crítica honesta atacando o crítico, e não a verdade que ele defende; exercitou o terror.b)A orquestração é muito afinada e tem diversas partituras conforme o gênero de música: do clássico ao popular. Ou de dança: do ballet ao forró.

Rosarita era aluna de Dotti e, quando acabaram as aulas de Direito Penal na Faculdade de Direito, ela o convidou para dançar na festa de despedida. Casaram-se em 1969. Foto: Acervo pessoal

N - Que evidências podem ser encontradas em qualquer processo judicial, ou mesmo em qualquer notícia de jornal, que possam sustentar a afirmação do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) de que o ministro da Justiça, Sergio Moro, é um "juiz corrupto"? Que punição pode ser aplicada a um parlamentar que faz uma acusação dessa gravidade sem se basear num mínimo indício que fosse?

D - a) Vivemos num aparente Estado Democrático de Direito, que deve proteger as liberdades e os direitos fundamentais, por exemplo, a liberdade de opinião. Mas as liberdades e os direitos não são absolutos, como se demonstra pela previsão constitucional em tempo de guerra declarada segundo  o Código Penal Militar. Assim, existe o abuso ingênuo, o abuso mercenário, o abuso criminoso, etc., conforme os tipos de delinquentes e de vítimas. b) Um grande e querido amigo, catedrático em universidade da Espanha, Marino Barbero Santos (já falecido) manifestou estranheza quando eu considerei muito grave a pena de 20 e poucos anos para um ex-militar que invadiu o Parlamento, assustando todos com uma pistola e  disparos para o ar. O professor deixou muito claro para mim, mais ou menos assim: "Não houve um delito de tentativa de homicídio; nem, a rigor, de ameaça. Houve uma gravíssima ofensa à democracia, representada pelos eleitos pelo povo". c)  Desconsideração a um ministro de Estado que empenha sua vida contra a violência e a criminalidade? E daí, se  a imprensa de modo geral saúda essa volta dos bárbaros e anda em círculos entre bandidos, ladrões,  gigolôs de empresas especializadas no mais baixo meretrício?  Que fazer, salvo a revolução pelo voto, como foi a grande e vencedora corrida de obstáculos tendo à frente uma espécie de bomba atômica doméstica chamada Bolsonaro? E aguardar, com fé religiosa, trabalho honesto, a cura da cegueira política. Mais ou menos como Hiroshima e Nagasaki renasceram das próprias cinzas, fazendo da Fénix um símbolo permanente. Ou como os gregos, que descobriram em sonho os deuses olímpicos pra vencerem a tragédia da existência, como nos diz o imortal Nietzsche, o filósofo da afirmação da vida.

Dotti em seu escritório em Curitiba com um de seus livros sobre reforma eleitoral, tema pelo qual tem predileção especial. Foto: Acervo pessoal

N - Que paralelo histórico pode haver entre o processo paciente, astuto, audacioso e até criminoso com que a esquerda em geral e o PT em particular defendem a inocência de um líder perseguido por uma elite desprezível, que quer excluir o povo das decisões eleitorais de uma democracia de fancaria, e a frase célebre de Josef Goebbels segundo a qual uma mentira repetida muitas vezes se torna verdade? Isso poderia, a seu ver, configurar uma espécie de holocausto pelo avesso?

D - Já me referi, linhas acima e antes de ler esta pergunta: o holocausto à brasileira não é considerado pelo avesso, e sim como o oposto que produziu um genocídio bem maior que os 6  milhões de vítimas inocentes da 2ª Grande Guerra.

Dotti com as duas filhas com Rosarita: Rogéria Ferreira, professora de Direito Penal, como ele, e Cláudia Dotti, veterinária. Foto: Acervo pessoal

N - O que o senhor tem a dizer sobre a perspectiva aberta pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que sempre foi, desde estudante, empregado do Partido dos Trabalhadores (PT), de submeter a julgamento do plenário da Corte a extinção da jurisprudência da autorização para juízes decretarem o início de cumprimento de pena de condenados em segunda instância, com o óbvio objetivo de atender à reivindicação sem nenhuma legitimidade do movimento que exige "Lula livre"?

D - a) Vale a pergunta também quanto ao intimorato ministro Gilmar Mendes que concede habeas corpus a cliente de escritório de sua esposa e convence seus pares de que não está jurídica e moralmente impedido por grosseira suspeição. b) Eu tenho 84 anos de vida, 56 de advocacia, e nunca  vi ou soube do desprestígio popular do maior tribunal do País. c) O bordão "Lula livre" nos remete ao queremismo e à canção carnavalesca: "Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar". Com uma diferença: Getúlio Vargas escolheu o suicídio para sobreviver da conspiração das circunstâncias que, inocente,  o reduziram à descrença dos aranhóis da política e aos dias amargos de um isolamento cósmico. Foi um estadista na acepção verdadeira da palavra e na prestação pública de suas contas o saldo foi positivo, apesar da Constituição polaca e do eclipse da liberdade nos idos de 1937 a 1945.

O Lula, não! O Lula é um dos ladrões reencarnados que está exposto perto da cruz do povo brasileiro. Morrer a própria morte por suas mãos, isso nunca! Matar, sim!  Morrer não é preciso!  Viver é preciso!

"O PT se organizou, se preparou e dominou o Estado, manipulou mídias, anarquizou as fontes de criação das universidades, produziu uma novilíngua de comunicação", diz Dotti. Foto: Denis Ferreira Netto/AE
Dotti, advogado da Petrobrás, fala no julgamento dos recursos de Lula na 8.ª Turma do TRF 4 em Porto Alegre, tendo ao fundo o advogado do réu, Cristiano Zanin. Foto: TRF 4

Para o advogado da Petrobrás na ação contra Lula no caso do triplex do Guarujá, René Ariel Dotti, "o bordão 'Lula livre' nos remete ao queremismo e à canção carnavalesca: "Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar". Protagonista desta semana da série Nêumanne Entrevista, o professor Dotti foi fundo: "Lula é um dos ladrões reencarnados que está exposto perto da cruz do povo brasileiro. Morrer a própria morte por suas mãos, isso nunca! Matar, sim!  Morrer não é preciso!  Viver é preciso!". Conhecido pelo destemor na defesa de presos políticos à época da ditadura militar, o jurista paranaense citou: "No excelente e corajoso livro Corrupção da Inteligência Flávio Gordon demonstra, à evidência, como o PT se organizou, se preparou e dominou o Estado, manipulou mídias, anarquizou as fontes de criação das universidades, produziu uma novilíngua de comunicação, desqualificou a crítica honesta atacando o crítico, e não a verdade que ele defende; exercitou o terror."

Dotti com Dom Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, e o então governador do Paraná, hoje senador pelo Podemos, Álvaro Dias. Foto: Acervo pessoal

René Ariel Dotti nasceu em 1934, e faz questão de contar, a 200 metros do local onde foi armado o altar onde o papa João Paulo II rezaria missa na primeira visita à sua cidade natal, Curitiba, em 1980. Casado desde 1969 com Rosarita, tem duas filhas -- Rogéria, mestra em Direito Processual, e Cláudia, veterinária -- e quatro netos. Destacou-se profissionalmente como advogado de presos políticos que defendia na Justiça Militar, sendo o caso mais notório o que ficou conhecido comoNovembrada. É professor titular de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná. Atuou como auxiliar de acusação, contratado pela Petrobrás, na ação em que o ex-juiz Sergio Moro condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por haver se beneficiado de propinas para adquirir e reformar apartamento tríplex na praia das Astúrias, no Guarujá. Autor de vários artigos publicados no Brasil e no exterior, destaca, entre outros livros, ter publicado Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação (Revista dos Tribunais, 1980) e Bases e Alternativas para o Sistema de Penas (Revista dos Tribunais, 1998).

Em julgamento de estudantes em Curitiba, em 1985,  Dotti, Heleno Fragoso, José Carlos Dias, Mário Simas, Marcelo Cerqueira e Nelson Wedekiin conseguiram a absolvição por três votos a dois. Foto: Acervo pessoal

Nêumanne entrevista René Ariel Dotti

Nêumanne - O senhor atuou como advogado auxiliar da acusação nos processos da Lava Jato e, numa sessão de interrogatório do principal réu da ação do triplex do Guarujá, que, segundo o Ministério Público, pertence a Lula, viu-se obrigado a chamar a atenção do chefe da equipe da defesa do ex-presidente petista, advogado Cristiano Zanin Rodrigues, pela forma desrespeitosa como se dirigia ao juiz Sergio Moro, que comandava o interrogatório. O que o levou a tomar essa atitude?

René Ariel Dotti - a) Advogo na especialidade criminal desde 1958 (ano de minha graduação em Direito; b) levanto-me da cadeira onde estou sentado (fórum, tribunal) em respeito ao magistrado que irá presidir a audiência; c) essa conduta foi mantida durante as audiências da Auditoria Militar (em Curitiba), integrada por um juiz civil e quatro militares, durante o período de 1967 até março de1985, no julgamento dos estudantes de Florianópolis que tiveram confronto com o presidente João Figueiredo  e sua comitiva (Novembrada). Nota de rodapé:  Do presidente Figueiredo eu elogiei publicamente a iniciativa do projeto de anistia, que permitiu a volta de exilados e foi um dos marcos da redemocratização do País. d) Nunca antes tive necessidade de interpelar colegas, a exemplo do que ocorreu com o dr. Cristiano Zanin; e) o interrogatório do ex-presidente tomou cinco horas,  mais ou menos, de tempo. Eu somente repreendi o colega após ver e ouvir,  durante mais ou menos duas horas, um tipo de comportamento agressivo para com o juiz; f) houve momentos em que o curso da pergunta do magistrado era interrompido pelo advogado, que, sem requerer o uso da palavra, procurava "justificar" a intervenção, até mesmo desqualificando a pergunta feita ao acusado; g) o artigo 31 do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/1994) estabelece: "Capítulo VIII ­- Da Ética do Advogado. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe  da advocacia".  (Grifei.) Por sua vez, o artigo 33 dispõe: "O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina". (Negritos meus.) E o Código de Ética e Disciplina (CED), no capítulo IV, reservado às "Relações com os colegas, agentes políticos, autoridades, servidores públicos e terceiros", tem o seguinte comando: "Art. 27. O advogado observará, nas suas relações com os colegas de profissão, agentes políticos, autoridades, servidores públicos e terceiros em geral, o dever de urbanidade, tratando a todos com respeito e consideração, ao mesmo tempo que preservará seus direitos e prerrogativas, devendo agir igual tratamento de todos com quem se relacione". (Negritos meus.)

Para ver Dotti em entrevista ao site Migalhas sobre temas do ensino de Direito clique aqui

N - É verdade que no intervalo do mesmo interrogatório o senhor foi abordado por outro advogado da defesa do réu, o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) José Roberto Batochio, que estranhou o fato de o senhor ter mudado de lado, pois ele fora seu admirador à época em que ganhou fama por ser um corajoso advogado de presos políticos perseguidos pela ditadura militar? O senhor sente-se à vontade para contar as circunstâncias desse episódio?

D - a)  Há muito tempo eu respeito e admiro o colega Batochio. Em textos de Direito eu o cumprimentei pela iniciativa, como deputado federal, de propor a redação do parágrafo 4º do artigo 5º da Constituição:  "O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão". b) Realmente, após encerrado o interrogatório (Batochio e eu estávamos sentados frente a frente), ele disse mais ou menos o seguinte: "René, você deveria, estar do outro lado" . E eu falei:  "Continuo do mesmo lado, da defesa. E lembro que o ministro Evandro Lins e Silva, atuando como assistente do Ministério Público no processo contra o então presidente Collor de Mello, respondeu a pergunta da mesma natureza, afirmando: Agora em defesa da sociedade. E eu estou fazendo o mesmo: defesa da sociedade". Nesse preciso momento a esposa do dr. Cristiano,  que estava ao  meu lado na mesa de trabalho, perguntou, de modo crítico: "E quem lhe deu esses poderes?". Eu respondi, delicadamente: "A minha condição de cidadão!".

Dotti e a mulher, Rosarita, cumprimentam o jurista Evandro Lins e Silva, seu parceiro na luta pela liberdade durante a ditadura militar, na posse deste na Academia Brasileira de Letras. Foto: Acervo pessoal

N - Ao argumentar que, ao contrário do que disse o citado Batochio, o senhor continua do mesmo lado em que sempre esteve, quis lembrar ao advogado do corrupto duas vezes condenado em primeira instância, com uma das condenações confirmada por oito votos a zero em segunda (TRF-4) e terceira (STJ), que a Petrobrás é patrimônio do povo brasileiro e, portanto, é de interesse público condenar quem a dilapidou a ponto de quase levá-la à falência?

D - Na quarta edição de meu livro Casos Criminais Célebres, que estou preparando, já redigi um capítulo novo: O atentado contra Carlos Lacerda e o suicídio do presidente Vargas.  Destaco, com detalhes, a luta épica de Monteiro Lobato (O escândalo do petróleo e do ferro) e o mantra "o petróleo é nosso". Era 1954, tempo de meu ingresso na Faculdade de Direito. A campanha sacudiu meus verdes anos. E certa manhã, quando a nossa turma estava entrando na sala ainda vazia, podia-se ler no quadro negro: "O Kazuma é nosso".  Kazuma era nosso colega! Minha felicidade foi ter a oportunidade de atuar a favor da Petrobrás. Afinal, os trusts daquele tempo contra a nossa riqueza natural são os corruptos de hoje no maior crime cometido contra o patrimônio de uma empresa brasileira.

Para ver sustentação oral de Dotti pela Petrobrás no julgamento de Lula no TRF 4 clique aqui

N - Aliás, aproveitando a oportunosa ensancha e a lembrança desse episódio, o senhor acha que Luiz Inácio Lula da Silva é um preso político do Estado de Direito brasileiro contemporâneo ou não passa de um político preso, expressão tornada pública pelo jornalista Reinaldo Azevedo?

D - a) No tempo dos anos de chumbo eu lutei pela liberdade de muitos presos políticos: sindicalistas, jornalistas, parlamentares (deputado Walter Pécoits, por exemplo), bancários ou ameaçados de prisão, como o ex-ministro do Trabalho  Amaury de Oliveira e Silva, que estava exilado em Montevidéu; b) O ex-presidente Lula é, sem dúvida, um político preso.  Mas um preso em condição especial de comodidades materiais em sala especialmente preparada e com as oportunidades de planejar estratégias políticas, como inventar um post, receber visitas especiais de políticos de destaque - a Mesa da Câmara dos Deputados impetrou recurso no STF contra ato da juíza que impediu, segundo legislação específica, a reunião coletiva e completamente fora de padrões regulares da administração penitenciária. Um parêntese: o ministro Ricardo Lewandowski deu a licença para que o preso, poucos dias antes das eleições, desse entrevista à imprensa!  O tempora, o mores!

Com a mulher, Rosarita, e os quatro netos, Dotti forma um núcleo familiar e unido na cidade onde nasceu em 1934, Curitiba Foto: Estadão

N - Tanto na Comissão de Constituição e Justiça do Senado quanto na mesma instância na Câmara, o ministro da Justiça, Sergio Moro, insistiu que em nenhum momento das mensagens que lhe são atribuídas, embora sem nenhuma comprovação de autenticidade, ele feriu a ética, a postura e a imparcialidade requeridas de um magistrado pela lei e pela sociedade. Na condição de quem acompanhou o julgamento da ação que terminou em sentença condenatória, o senhor se disporia a defendê-lo em qualquer instância do Judiciário ou em eventuais investigações que possam ser instauradas no âmbito do Poder Legislativo?

D - a) Sim, com toda a certeza. Já o fiz no dia seguinte àquela deliberação da comunicação telefônica da ex-presidente Dilma avisando a Lula da Silva que o "Bessias" ia levar um papel para ele assinar... b)  Em entrevista a uma emissora de TV eu afirmei que, nos termos da Constituição, o sigilo é somente admissível quando o interesse público assim o determinar. Constituição, verbis: "Art. 5º, LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem". b) É impressionante a onda de apóstolos da ética judiciária e de jornalistas excitados, como juízes paralelos da mídia (que saudade do Sérgio Porto, conhecido como Stanislaw Ponte Preta, o lúcido espadachim, ao definir a televisão: "Máquina de fazer doido"). c) Será que os senhores da imprensa, assanhados parar gerar escândalo, não conhecem a lição de Ruy Barbosa ao definir a imprensa como "a vista da Nação"...? d) Será que os profetas do caos não conhecem o artigo LVI (56º, como bem escrevem os portugueses, libertos na sua Constituição dos algarismos romanos), que tem a clareza de sol mediterrrâneo quando alude  às provas ilícitas?Vide: "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". e) Será que o ministro Celso de Mello - a quem rendo preito de respeito e admiração - precisava desculpar-se, assumindo posição oracular que deixou o povão em dúvida ao afirmar que não estava julgando "o mérito", ou seja, o caso (na verdade, o ocaso) do maior estelionatário e comandante da rapina contra o patrimônio público em toda a nossa História? f) Será que o STF vai decantar  o eufemismo que apelidaram de "decisão contramajoritária" e afrontar a regra elementar que consta da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei nº 4.657/1942, com a redação da Lei nº 12.376/2010, cujo artigo proclama em alto e bom som: "Na  aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum"!

Dotti em lançamento de livros do cronista capixaba Rubem Braga, do humorista carioca Sérgio Porto e do romancista mineiro Frenando Sabino, em novembro de 1967. Foto: Acervo pessoal

N - Como advogado experiente e professor de Direito respeitado, o senhor já participou, testemunhou ou ouviu falar de julgamento de qualquer gênero em que, como ocorre neste momento no Brasil, o juiz que se tornou herói popular pela forma corajosa como chefiou a mais bem-sucedida operação de combate à corrupção da História seja interrogado, algumas vezes com requintes de humilhação, por quem é suspeito, acusado, denunciado e processado por ele mesmo e por outros agentes da lei?

D - a) Em meu www.blogdodotti.com.br eu denuncio a comédia dos erros entre os Poderes da União e termino citando filósofo  francês: "O poder sem controle enlouquece". b) A Presidência da República, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal constituem um teatro do absurdo.  Ionesco (O Rinoceronte), Beckett (Esperando Godot), etc., certamente aproveitariam o enredo que é diariamente encenado e as surrealistas personagens que dão vida ao subconsciente. No teatro do absurdo  -  estilo de extraordinário sucesso de uma notável geração de teatrólogos surgidos após a 2ª Guerra Mundial que apresenta a condição humana "sob a atmosfera de uma angústia metafísica" e mostra o absurdo da falta de sentido da existência -- o texto é absurdo, o diretor é absurdo, o cenário também, idem quanto às personagens. Só não é absurdo o espectador lúcido que, da plateia, assiste a um espetáculo que se renova de tempos em tempos pelo chamado sufrágio universal e pelo voto direto e secreto. É tão secreto que pouco tempo depois da eleição o eleitor não se lembra em quem votou na colmeia de vereadores, deputados e senadores!

Dotti em ato de apoio às CPIs dos Correios e dos Bingos ao lado de Miguel Reake Jr,. Caio Miranda, Romeu Tuma, Omar Serraglio, Azevedo Marques, Luiz Flávio d'Urso, Rafael Guerra e Sidey Beraldo. Foto: Niels Andreas/AE

N - O senhor concorda ou discorda do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro quando ele afirma que a divulgação de mensagens cuja autenticidade ainda depende de comprovação não passa de uma ação orquestrada para desmoralizar a autoridade judicial e inocentar à força quem foi condenado em três instâncias com provas dos crimes cometidos levadas a juízo?

D - No excelente e corajoso livro A Corrupção da Inteligência Flávio Gordon demonstra, à evidência, como o PT se organizou, se preparou e dominou o Estado, manipulou mídias, anarquizou as fontes de criação das universidades, produziu uma novilíngua de comunicação, desqualificou a crítica honesta atacando o crítico, e não a verdade que ele defende; exercitou o terror.b)A orquestração é muito afinada e tem diversas partituras conforme o gênero de música: do clássico ao popular. Ou de dança: do ballet ao forró.

Rosarita era aluna de Dotti e, quando acabaram as aulas de Direito Penal na Faculdade de Direito, ela o convidou para dançar na festa de despedida. Casaram-se em 1969. Foto: Acervo pessoal

N - Que evidências podem ser encontradas em qualquer processo judicial, ou mesmo em qualquer notícia de jornal, que possam sustentar a afirmação do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) de que o ministro da Justiça, Sergio Moro, é um "juiz corrupto"? Que punição pode ser aplicada a um parlamentar que faz uma acusação dessa gravidade sem se basear num mínimo indício que fosse?

D - a) Vivemos num aparente Estado Democrático de Direito, que deve proteger as liberdades e os direitos fundamentais, por exemplo, a liberdade de opinião. Mas as liberdades e os direitos não são absolutos, como se demonstra pela previsão constitucional em tempo de guerra declarada segundo  o Código Penal Militar. Assim, existe o abuso ingênuo, o abuso mercenário, o abuso criminoso, etc., conforme os tipos de delinquentes e de vítimas. b) Um grande e querido amigo, catedrático em universidade da Espanha, Marino Barbero Santos (já falecido) manifestou estranheza quando eu considerei muito grave a pena de 20 e poucos anos para um ex-militar que invadiu o Parlamento, assustando todos com uma pistola e  disparos para o ar. O professor deixou muito claro para mim, mais ou menos assim: "Não houve um delito de tentativa de homicídio; nem, a rigor, de ameaça. Houve uma gravíssima ofensa à democracia, representada pelos eleitos pelo povo". c)  Desconsideração a um ministro de Estado que empenha sua vida contra a violência e a criminalidade? E daí, se  a imprensa de modo geral saúda essa volta dos bárbaros e anda em círculos entre bandidos, ladrões,  gigolôs de empresas especializadas no mais baixo meretrício?  Que fazer, salvo a revolução pelo voto, como foi a grande e vencedora corrida de obstáculos tendo à frente uma espécie de bomba atômica doméstica chamada Bolsonaro? E aguardar, com fé religiosa, trabalho honesto, a cura da cegueira política. Mais ou menos como Hiroshima e Nagasaki renasceram das próprias cinzas, fazendo da Fénix um símbolo permanente. Ou como os gregos, que descobriram em sonho os deuses olímpicos pra vencerem a tragédia da existência, como nos diz o imortal Nietzsche, o filósofo da afirmação da vida.

Dotti em seu escritório em Curitiba com um de seus livros sobre reforma eleitoral, tema pelo qual tem predileção especial. Foto: Acervo pessoal

N - Que paralelo histórico pode haver entre o processo paciente, astuto, audacioso e até criminoso com que a esquerda em geral e o PT em particular defendem a inocência de um líder perseguido por uma elite desprezível, que quer excluir o povo das decisões eleitorais de uma democracia de fancaria, e a frase célebre de Josef Goebbels segundo a qual uma mentira repetida muitas vezes se torna verdade? Isso poderia, a seu ver, configurar uma espécie de holocausto pelo avesso?

D - Já me referi, linhas acima e antes de ler esta pergunta: o holocausto à brasileira não é considerado pelo avesso, e sim como o oposto que produziu um genocídio bem maior que os 6  milhões de vítimas inocentes da 2ª Grande Guerra.

Dotti com as duas filhas com Rosarita: Rogéria Ferreira, professora de Direito Penal, como ele, e Cláudia Dotti, veterinária. Foto: Acervo pessoal

N - O que o senhor tem a dizer sobre a perspectiva aberta pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que sempre foi, desde estudante, empregado do Partido dos Trabalhadores (PT), de submeter a julgamento do plenário da Corte a extinção da jurisprudência da autorização para juízes decretarem o início de cumprimento de pena de condenados em segunda instância, com o óbvio objetivo de atender à reivindicação sem nenhuma legitimidade do movimento que exige "Lula livre"?

D - a) Vale a pergunta também quanto ao intimorato ministro Gilmar Mendes que concede habeas corpus a cliente de escritório de sua esposa e convence seus pares de que não está jurídica e moralmente impedido por grosseira suspeição. b) Eu tenho 84 anos de vida, 56 de advocacia, e nunca  vi ou soube do desprestígio popular do maior tribunal do País. c) O bordão "Lula livre" nos remete ao queremismo e à canção carnavalesca: "Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar". Com uma diferença: Getúlio Vargas escolheu o suicídio para sobreviver da conspiração das circunstâncias que, inocente,  o reduziram à descrença dos aranhóis da política e aos dias amargos de um isolamento cósmico. Foi um estadista na acepção verdadeira da palavra e na prestação pública de suas contas o saldo foi positivo, apesar da Constituição polaca e do eclipse da liberdade nos idos de 1937 a 1945.

O Lula, não! O Lula é um dos ladrões reencarnados que está exposto perto da cruz do povo brasileiro. Morrer a própria morte por suas mãos, isso nunca! Matar, sim!  Morrer não é preciso!  Viver é preciso!

"O PT se organizou, se preparou e dominou o Estado, manipulou mídias, anarquizou as fontes de criação das universidades, produziu uma novilíngua de comunicação", diz Dotti. Foto: Denis Ferreira Netto/AE
Dotti, advogado da Petrobrás, fala no julgamento dos recursos de Lula na 8.ª Turma do TRF 4 em Porto Alegre, tendo ao fundo o advogado do réu, Cristiano Zanin. Foto: TRF 4

Para o advogado da Petrobrás na ação contra Lula no caso do triplex do Guarujá, René Ariel Dotti, "o bordão 'Lula livre' nos remete ao queremismo e à canção carnavalesca: "Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar". Protagonista desta semana da série Nêumanne Entrevista, o professor Dotti foi fundo: "Lula é um dos ladrões reencarnados que está exposto perto da cruz do povo brasileiro. Morrer a própria morte por suas mãos, isso nunca! Matar, sim!  Morrer não é preciso!  Viver é preciso!". Conhecido pelo destemor na defesa de presos políticos à época da ditadura militar, o jurista paranaense citou: "No excelente e corajoso livro Corrupção da Inteligência Flávio Gordon demonstra, à evidência, como o PT se organizou, se preparou e dominou o Estado, manipulou mídias, anarquizou as fontes de criação das universidades, produziu uma novilíngua de comunicação, desqualificou a crítica honesta atacando o crítico, e não a verdade que ele defende; exercitou o terror."

Dotti com Dom Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, e o então governador do Paraná, hoje senador pelo Podemos, Álvaro Dias. Foto: Acervo pessoal

René Ariel Dotti nasceu em 1934, e faz questão de contar, a 200 metros do local onde foi armado o altar onde o papa João Paulo II rezaria missa na primeira visita à sua cidade natal, Curitiba, em 1980. Casado desde 1969 com Rosarita, tem duas filhas -- Rogéria, mestra em Direito Processual, e Cláudia, veterinária -- e quatro netos. Destacou-se profissionalmente como advogado de presos políticos que defendia na Justiça Militar, sendo o caso mais notório o que ficou conhecido comoNovembrada. É professor titular de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná. Atuou como auxiliar de acusação, contratado pela Petrobrás, na ação em que o ex-juiz Sergio Moro condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por haver se beneficiado de propinas para adquirir e reformar apartamento tríplex na praia das Astúrias, no Guarujá. Autor de vários artigos publicados no Brasil e no exterior, destaca, entre outros livros, ter publicado Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação (Revista dos Tribunais, 1980) e Bases e Alternativas para o Sistema de Penas (Revista dos Tribunais, 1998).

Em julgamento de estudantes em Curitiba, em 1985,  Dotti, Heleno Fragoso, José Carlos Dias, Mário Simas, Marcelo Cerqueira e Nelson Wedekiin conseguiram a absolvição por três votos a dois. Foto: Acervo pessoal

Nêumanne entrevista René Ariel Dotti

Nêumanne - O senhor atuou como advogado auxiliar da acusação nos processos da Lava Jato e, numa sessão de interrogatório do principal réu da ação do triplex do Guarujá, que, segundo o Ministério Público, pertence a Lula, viu-se obrigado a chamar a atenção do chefe da equipe da defesa do ex-presidente petista, advogado Cristiano Zanin Rodrigues, pela forma desrespeitosa como se dirigia ao juiz Sergio Moro, que comandava o interrogatório. O que o levou a tomar essa atitude?

René Ariel Dotti - a) Advogo na especialidade criminal desde 1958 (ano de minha graduação em Direito; b) levanto-me da cadeira onde estou sentado (fórum, tribunal) em respeito ao magistrado que irá presidir a audiência; c) essa conduta foi mantida durante as audiências da Auditoria Militar (em Curitiba), integrada por um juiz civil e quatro militares, durante o período de 1967 até março de1985, no julgamento dos estudantes de Florianópolis que tiveram confronto com o presidente João Figueiredo  e sua comitiva (Novembrada). Nota de rodapé:  Do presidente Figueiredo eu elogiei publicamente a iniciativa do projeto de anistia, que permitiu a volta de exilados e foi um dos marcos da redemocratização do País. d) Nunca antes tive necessidade de interpelar colegas, a exemplo do que ocorreu com o dr. Cristiano Zanin; e) o interrogatório do ex-presidente tomou cinco horas,  mais ou menos, de tempo. Eu somente repreendi o colega após ver e ouvir,  durante mais ou menos duas horas, um tipo de comportamento agressivo para com o juiz; f) houve momentos em que o curso da pergunta do magistrado era interrompido pelo advogado, que, sem requerer o uso da palavra, procurava "justificar" a intervenção, até mesmo desqualificando a pergunta feita ao acusado; g) o artigo 31 do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/1994) estabelece: "Capítulo VIII ­- Da Ética do Advogado. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe  da advocacia".  (Grifei.) Por sua vez, o artigo 33 dispõe: "O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina". (Negritos meus.) E o Código de Ética e Disciplina (CED), no capítulo IV, reservado às "Relações com os colegas, agentes políticos, autoridades, servidores públicos e terceiros", tem o seguinte comando: "Art. 27. O advogado observará, nas suas relações com os colegas de profissão, agentes políticos, autoridades, servidores públicos e terceiros em geral, o dever de urbanidade, tratando a todos com respeito e consideração, ao mesmo tempo que preservará seus direitos e prerrogativas, devendo agir igual tratamento de todos com quem se relacione". (Negritos meus.)

Para ver Dotti em entrevista ao site Migalhas sobre temas do ensino de Direito clique aqui

N - É verdade que no intervalo do mesmo interrogatório o senhor foi abordado por outro advogado da defesa do réu, o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) José Roberto Batochio, que estranhou o fato de o senhor ter mudado de lado, pois ele fora seu admirador à época em que ganhou fama por ser um corajoso advogado de presos políticos perseguidos pela ditadura militar? O senhor sente-se à vontade para contar as circunstâncias desse episódio?

D - a)  Há muito tempo eu respeito e admiro o colega Batochio. Em textos de Direito eu o cumprimentei pela iniciativa, como deputado federal, de propor a redação do parágrafo 4º do artigo 5º da Constituição:  "O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão". b) Realmente, após encerrado o interrogatório (Batochio e eu estávamos sentados frente a frente), ele disse mais ou menos o seguinte: "René, você deveria, estar do outro lado" . E eu falei:  "Continuo do mesmo lado, da defesa. E lembro que o ministro Evandro Lins e Silva, atuando como assistente do Ministério Público no processo contra o então presidente Collor de Mello, respondeu a pergunta da mesma natureza, afirmando: Agora em defesa da sociedade. E eu estou fazendo o mesmo: defesa da sociedade". Nesse preciso momento a esposa do dr. Cristiano,  que estava ao  meu lado na mesa de trabalho, perguntou, de modo crítico: "E quem lhe deu esses poderes?". Eu respondi, delicadamente: "A minha condição de cidadão!".

Dotti e a mulher, Rosarita, cumprimentam o jurista Evandro Lins e Silva, seu parceiro na luta pela liberdade durante a ditadura militar, na posse deste na Academia Brasileira de Letras. Foto: Acervo pessoal

N - Ao argumentar que, ao contrário do que disse o citado Batochio, o senhor continua do mesmo lado em que sempre esteve, quis lembrar ao advogado do corrupto duas vezes condenado em primeira instância, com uma das condenações confirmada por oito votos a zero em segunda (TRF-4) e terceira (STJ), que a Petrobrás é patrimônio do povo brasileiro e, portanto, é de interesse público condenar quem a dilapidou a ponto de quase levá-la à falência?

D - Na quarta edição de meu livro Casos Criminais Célebres, que estou preparando, já redigi um capítulo novo: O atentado contra Carlos Lacerda e o suicídio do presidente Vargas.  Destaco, com detalhes, a luta épica de Monteiro Lobato (O escândalo do petróleo e do ferro) e o mantra "o petróleo é nosso". Era 1954, tempo de meu ingresso na Faculdade de Direito. A campanha sacudiu meus verdes anos. E certa manhã, quando a nossa turma estava entrando na sala ainda vazia, podia-se ler no quadro negro: "O Kazuma é nosso".  Kazuma era nosso colega! Minha felicidade foi ter a oportunidade de atuar a favor da Petrobrás. Afinal, os trusts daquele tempo contra a nossa riqueza natural são os corruptos de hoje no maior crime cometido contra o patrimônio de uma empresa brasileira.

Para ver sustentação oral de Dotti pela Petrobrás no julgamento de Lula no TRF 4 clique aqui

N - Aliás, aproveitando a oportunosa ensancha e a lembrança desse episódio, o senhor acha que Luiz Inácio Lula da Silva é um preso político do Estado de Direito brasileiro contemporâneo ou não passa de um político preso, expressão tornada pública pelo jornalista Reinaldo Azevedo?

D - a) No tempo dos anos de chumbo eu lutei pela liberdade de muitos presos políticos: sindicalistas, jornalistas, parlamentares (deputado Walter Pécoits, por exemplo), bancários ou ameaçados de prisão, como o ex-ministro do Trabalho  Amaury de Oliveira e Silva, que estava exilado em Montevidéu; b) O ex-presidente Lula é, sem dúvida, um político preso.  Mas um preso em condição especial de comodidades materiais em sala especialmente preparada e com as oportunidades de planejar estratégias políticas, como inventar um post, receber visitas especiais de políticos de destaque - a Mesa da Câmara dos Deputados impetrou recurso no STF contra ato da juíza que impediu, segundo legislação específica, a reunião coletiva e completamente fora de padrões regulares da administração penitenciária. Um parêntese: o ministro Ricardo Lewandowski deu a licença para que o preso, poucos dias antes das eleições, desse entrevista à imprensa!  O tempora, o mores!

Com a mulher, Rosarita, e os quatro netos, Dotti forma um núcleo familiar e unido na cidade onde nasceu em 1934, Curitiba Foto: Estadão

N - Tanto na Comissão de Constituição e Justiça do Senado quanto na mesma instância na Câmara, o ministro da Justiça, Sergio Moro, insistiu que em nenhum momento das mensagens que lhe são atribuídas, embora sem nenhuma comprovação de autenticidade, ele feriu a ética, a postura e a imparcialidade requeridas de um magistrado pela lei e pela sociedade. Na condição de quem acompanhou o julgamento da ação que terminou em sentença condenatória, o senhor se disporia a defendê-lo em qualquer instância do Judiciário ou em eventuais investigações que possam ser instauradas no âmbito do Poder Legislativo?

D - a) Sim, com toda a certeza. Já o fiz no dia seguinte àquela deliberação da comunicação telefônica da ex-presidente Dilma avisando a Lula da Silva que o "Bessias" ia levar um papel para ele assinar... b)  Em entrevista a uma emissora de TV eu afirmei que, nos termos da Constituição, o sigilo é somente admissível quando o interesse público assim o determinar. Constituição, verbis: "Art. 5º, LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem". b) É impressionante a onda de apóstolos da ética judiciária e de jornalistas excitados, como juízes paralelos da mídia (que saudade do Sérgio Porto, conhecido como Stanislaw Ponte Preta, o lúcido espadachim, ao definir a televisão: "Máquina de fazer doido"). c) Será que os senhores da imprensa, assanhados parar gerar escândalo, não conhecem a lição de Ruy Barbosa ao definir a imprensa como "a vista da Nação"...? d) Será que os profetas do caos não conhecem o artigo LVI (56º, como bem escrevem os portugueses, libertos na sua Constituição dos algarismos romanos), que tem a clareza de sol mediterrrâneo quando alude  às provas ilícitas?Vide: "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". e) Será que o ministro Celso de Mello - a quem rendo preito de respeito e admiração - precisava desculpar-se, assumindo posição oracular que deixou o povão em dúvida ao afirmar que não estava julgando "o mérito", ou seja, o caso (na verdade, o ocaso) do maior estelionatário e comandante da rapina contra o patrimônio público em toda a nossa História? f) Será que o STF vai decantar  o eufemismo que apelidaram de "decisão contramajoritária" e afrontar a regra elementar que consta da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei nº 4.657/1942, com a redação da Lei nº 12.376/2010, cujo artigo proclama em alto e bom som: "Na  aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum"!

Dotti em lançamento de livros do cronista capixaba Rubem Braga, do humorista carioca Sérgio Porto e do romancista mineiro Frenando Sabino, em novembro de 1967. Foto: Acervo pessoal

N - Como advogado experiente e professor de Direito respeitado, o senhor já participou, testemunhou ou ouviu falar de julgamento de qualquer gênero em que, como ocorre neste momento no Brasil, o juiz que se tornou herói popular pela forma corajosa como chefiou a mais bem-sucedida operação de combate à corrupção da História seja interrogado, algumas vezes com requintes de humilhação, por quem é suspeito, acusado, denunciado e processado por ele mesmo e por outros agentes da lei?

D - a) Em meu www.blogdodotti.com.br eu denuncio a comédia dos erros entre os Poderes da União e termino citando filósofo  francês: "O poder sem controle enlouquece". b) A Presidência da República, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal constituem um teatro do absurdo.  Ionesco (O Rinoceronte), Beckett (Esperando Godot), etc., certamente aproveitariam o enredo que é diariamente encenado e as surrealistas personagens que dão vida ao subconsciente. No teatro do absurdo  -  estilo de extraordinário sucesso de uma notável geração de teatrólogos surgidos após a 2ª Guerra Mundial que apresenta a condição humana "sob a atmosfera de uma angústia metafísica" e mostra o absurdo da falta de sentido da existência -- o texto é absurdo, o diretor é absurdo, o cenário também, idem quanto às personagens. Só não é absurdo o espectador lúcido que, da plateia, assiste a um espetáculo que se renova de tempos em tempos pelo chamado sufrágio universal e pelo voto direto e secreto. É tão secreto que pouco tempo depois da eleição o eleitor não se lembra em quem votou na colmeia de vereadores, deputados e senadores!

Dotti em ato de apoio às CPIs dos Correios e dos Bingos ao lado de Miguel Reake Jr,. Caio Miranda, Romeu Tuma, Omar Serraglio, Azevedo Marques, Luiz Flávio d'Urso, Rafael Guerra e Sidey Beraldo. Foto: Niels Andreas/AE

N - O senhor concorda ou discorda do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro quando ele afirma que a divulgação de mensagens cuja autenticidade ainda depende de comprovação não passa de uma ação orquestrada para desmoralizar a autoridade judicial e inocentar à força quem foi condenado em três instâncias com provas dos crimes cometidos levadas a juízo?

D - No excelente e corajoso livro A Corrupção da Inteligência Flávio Gordon demonstra, à evidência, como o PT se organizou, se preparou e dominou o Estado, manipulou mídias, anarquizou as fontes de criação das universidades, produziu uma novilíngua de comunicação, desqualificou a crítica honesta atacando o crítico, e não a verdade que ele defende; exercitou o terror.b)A orquestração é muito afinada e tem diversas partituras conforme o gênero de música: do clássico ao popular. Ou de dança: do ballet ao forró.

Rosarita era aluna de Dotti e, quando acabaram as aulas de Direito Penal na Faculdade de Direito, ela o convidou para dançar na festa de despedida. Casaram-se em 1969. Foto: Acervo pessoal

N - Que evidências podem ser encontradas em qualquer processo judicial, ou mesmo em qualquer notícia de jornal, que possam sustentar a afirmação do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) de que o ministro da Justiça, Sergio Moro, é um "juiz corrupto"? Que punição pode ser aplicada a um parlamentar que faz uma acusação dessa gravidade sem se basear num mínimo indício que fosse?

D - a) Vivemos num aparente Estado Democrático de Direito, que deve proteger as liberdades e os direitos fundamentais, por exemplo, a liberdade de opinião. Mas as liberdades e os direitos não são absolutos, como se demonstra pela previsão constitucional em tempo de guerra declarada segundo  o Código Penal Militar. Assim, existe o abuso ingênuo, o abuso mercenário, o abuso criminoso, etc., conforme os tipos de delinquentes e de vítimas. b) Um grande e querido amigo, catedrático em universidade da Espanha, Marino Barbero Santos (já falecido) manifestou estranheza quando eu considerei muito grave a pena de 20 e poucos anos para um ex-militar que invadiu o Parlamento, assustando todos com uma pistola e  disparos para o ar. O professor deixou muito claro para mim, mais ou menos assim: "Não houve um delito de tentativa de homicídio; nem, a rigor, de ameaça. Houve uma gravíssima ofensa à democracia, representada pelos eleitos pelo povo". c)  Desconsideração a um ministro de Estado que empenha sua vida contra a violência e a criminalidade? E daí, se  a imprensa de modo geral saúda essa volta dos bárbaros e anda em círculos entre bandidos, ladrões,  gigolôs de empresas especializadas no mais baixo meretrício?  Que fazer, salvo a revolução pelo voto, como foi a grande e vencedora corrida de obstáculos tendo à frente uma espécie de bomba atômica doméstica chamada Bolsonaro? E aguardar, com fé religiosa, trabalho honesto, a cura da cegueira política. Mais ou menos como Hiroshima e Nagasaki renasceram das próprias cinzas, fazendo da Fénix um símbolo permanente. Ou como os gregos, que descobriram em sonho os deuses olímpicos pra vencerem a tragédia da existência, como nos diz o imortal Nietzsche, o filósofo da afirmação da vida.

Dotti em seu escritório em Curitiba com um de seus livros sobre reforma eleitoral, tema pelo qual tem predileção especial. Foto: Acervo pessoal

N - Que paralelo histórico pode haver entre o processo paciente, astuto, audacioso e até criminoso com que a esquerda em geral e o PT em particular defendem a inocência de um líder perseguido por uma elite desprezível, que quer excluir o povo das decisões eleitorais de uma democracia de fancaria, e a frase célebre de Josef Goebbels segundo a qual uma mentira repetida muitas vezes se torna verdade? Isso poderia, a seu ver, configurar uma espécie de holocausto pelo avesso?

D - Já me referi, linhas acima e antes de ler esta pergunta: o holocausto à brasileira não é considerado pelo avesso, e sim como o oposto que produziu um genocídio bem maior que os 6  milhões de vítimas inocentes da 2ª Grande Guerra.

Dotti com as duas filhas com Rosarita: Rogéria Ferreira, professora de Direito Penal, como ele, e Cláudia Dotti, veterinária. Foto: Acervo pessoal

N - O que o senhor tem a dizer sobre a perspectiva aberta pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que sempre foi, desde estudante, empregado do Partido dos Trabalhadores (PT), de submeter a julgamento do plenário da Corte a extinção da jurisprudência da autorização para juízes decretarem o início de cumprimento de pena de condenados em segunda instância, com o óbvio objetivo de atender à reivindicação sem nenhuma legitimidade do movimento que exige "Lula livre"?

D - a) Vale a pergunta também quanto ao intimorato ministro Gilmar Mendes que concede habeas corpus a cliente de escritório de sua esposa e convence seus pares de que não está jurídica e moralmente impedido por grosseira suspeição. b) Eu tenho 84 anos de vida, 56 de advocacia, e nunca  vi ou soube do desprestígio popular do maior tribunal do País. c) O bordão "Lula livre" nos remete ao queremismo e à canção carnavalesca: "Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar". Com uma diferença: Getúlio Vargas escolheu o suicídio para sobreviver da conspiração das circunstâncias que, inocente,  o reduziram à descrença dos aranhóis da política e aos dias amargos de um isolamento cósmico. Foi um estadista na acepção verdadeira da palavra e na prestação pública de suas contas o saldo foi positivo, apesar da Constituição polaca e do eclipse da liberdade nos idos de 1937 a 1945.

O Lula, não! O Lula é um dos ladrões reencarnados que está exposto perto da cruz do povo brasileiro. Morrer a própria morte por suas mãos, isso nunca! Matar, sim!  Morrer não é preciso!  Viver é preciso!

"O PT se organizou, se preparou e dominou o Estado, manipulou mídias, anarquizou as fontes de criação das universidades, produziu uma novilíngua de comunicação", diz Dotti. Foto: Denis Ferreira Netto/AE

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