O ‘homem do livrinho’ relembra a Constituinte


Temer rebate Serra, que o ligou ao ‘Centrão’, e diz que Franco Montoro o aconselhou a não ir para o PSDB

Por Luiz Maklouf Carvalho
Atualização:

A ideia foi do governador de São Paulo, Franco Montoro, um dos caciques do PMDB: “Ô, Temer, você que é professor de direito constitucional, por que não se candidata para a Constituinte?”. O ex-procurador-geral do Estado e secretário da Segurança Pública logo se entusiasmou. Saiu candidato na eleição de 15 de novembro de 1986 – governo José Sarney. Não ganhou de primeira, ficando na segunda suplência (com 43.747 votos). Acabou constituinte em março de 1987, um mês e meio depois de começados os trabalhos, na vaga do deputado Tidei de Lima, guindado ao secretariado de Orestes Quércia, substituto de Montoro.

  Foto: DIV

O estreante tinha 46 anos. Começou timidamente, mas logo ganhou desenvoltura pelos restantes dezenove meses em que o congresso virou Constituinte. Começou em 1.º de fevereiro de 1987 e terminou em 5 de outubro de 1988 – com muitos momentos de agitação e outros tantos de graves impasses. O hoje presidente em exercício da República rememorou aqueles tempos, lá se vão quase 30 anos, em duas entrevistas, sem falsa modéstia, concedidas em maio de 2014. Deve-se a ele a sugestão de um acréscimo que garantiu na Constituição a independência e a harmonia entre os três poderes – não constante do texto original – e, também, entre outras contribuições, o artigo 133: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

continua após a publicidade

Desde então já era amigo do advogado Mariz de Oliveira, à época presidente da OAB/SP, que recentemente declinou seu convite para um ministério. Ontem, Temer afirmou que, na Presidência, será o “homem do livrinho”, numa referência à Constituição.

Como o senhor foi recebido na Constituinte?

Quando cheguei lá, sabiam que eu era da área de direito constitucional. Então fui muito convocado para as grandes discussões, e tive uma participação muito intensa, uma atuação muito concreta.

continua após a publicidade

O senhor integrou a subcomissão do Poder Judiciário e Ministério Público – uma das três da Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. O presidente foi José Costa, do PMDB de Alagoas, e o relator foi o Plínio de Arruda Sampaio, do PT.

Exatamente. Eu trabalhei muito nessa subcomissão – e também na Comissão de Sistematização (como suplente) e na Comissão de Redação. Muitas vezes eu era chamado: ‘Temer você concorda com essa tese? Concordo. Então você vai defender isso aqui’. As pessoas confiavam muito na capacidade de sustentação que eu tinha em relação a certos temas de direito constitucional.

Dia desses, José Serra, também Constituinte, fez palestra no Instituto Brasiliense de Direito Público, do ministro Gilmar Mendes, do STF. Lá pelas tantas – o senhor pode assistir no Youtube – ele disse que o senhor participou do chamado Centrão, que ele próprio situou como sendo ‘a direita da Constituinte’. Disse o Serra: ‘Do Centrão faziam parte o líder do PTB, Gastone Righi, e o Michel Temer, que na verdade era um deputado suplente. Assumiu porque alguém foi para o secretaria do Quércia, mas estava lá, alinhado com o Centrão’.

continua após a publicidade

Eu não vi isso não. Ele até se posiciona como meu amigo... Mas eu conheço o Serra, ele tem um jeito todo especial.

Um jeito Serra de ser...

(risos) Eu nunca fui do Centrão. Assinei o requerimento em que o Centrão pedia para mudar as regras do jogo porque era o único caminho plausível para a Constituinte avançar. Os que constituíram o Centrão achavam que não tinham voz ativa na constituinte – e de fato acontecia isso.

continua após a publicidade

Então o sr. estava com o Centrão no aspecto formal...

A mudança que o Centrão propôs, e que venceu, ampliou e amplificou o debate constituinte, até ali muito restrito ao poder da Comissão de Sistematização.

O sr. também foi membro titular da Comissão de Redação – que deu o arremate na Constituição – e propôs uma modificação importante. Como foi isso?

continua após a publicidade

Havia um artigo que dizia: ‘São poderes do Estado o Legislativo, o Executivo e o Judiciário’. Eu propus que se colocasse de outra maneira: ‘São poderes do Estado – independentes e harmônicos entre si – o Executivo, o Legislativo e Judiciário’. Foi aprovado, e foi assim que ficou.

Por que esse adendo não entrou na primeira versão?

Porque a ideia prevalecente era de que teríamos uma constituição parlamentarista. E no parlamentarismo a independência entre os poderes não é tão enaltecida. Como fomos para regime presidencialista, não se fez o ajuste necessário. Só na comissão de redação.

continua após a publicidade

É sabido que a Comissão de Redação alterou algumas coisas sem o conhecimento prévio da maioria dos constituintes.

É. Fala-se.

Depois houve uma votação final, bem às pressas, que aprovou tudo...

Eu acho que arrematou tudo, convalidou tudo.

Na sua avaliação, que Constituição saiu dali?

A Constituição tem princípios do liberalismo e princípios do socialismo, e foi isso que ajudou a manter uma estabilidade institucional, como nós nunca tivemos. Como houve um amálgama dessas duas democracias, a liberal e a social, se pôde avançar para o que eu chamo de democracia da eficiência. É assim que vejo os movimentos que foram para a rua em junho de 2013. São massas que de repente começaram a perceber que podem ter participação na vida do Estado, e passam a exigir mais eficiência..

Como o sr. avalia o papel do presidente José Sarney durante a Constituinte?

A ponderação e equilíbrio do Sarney permitiram o trânsito da constituinte.

Sem contar que ele jogou duro pelo presidencialismo e pelos cinco anos de mandato, não?

Na verdade, ele tinha seis.

Sim. Mas abriu mão de um, propondo cinco, quando uma boa parte dos constituintes queria quatro anos.

O presidente trabalhou pelos cinco anos, mas dentro das regras do jogo. O equilíbrio que ele manteve foi benéfico para o País.

Tinha algum clima para dar um golpe e fechar a Constituinte, como algumas vezes foi aventado?

Não tinha, porque a euforia democrática era muito forte. O que houve é que o Sarney trabalhou pelos cinco anos – o que era mais do que lógico, porque ele tinha direito a seis e já abrira mão de um. Essa postura do Sarney colaborou muito para que a Constituição, o novo Estado, viessem à luz. O Ulysses Guimarães presidente da Constituinte, também, com a liderança que teve.

O sr. esteve pessoalmente com o presidente Sarney durante a Constituinte?

Uma vez pedi audiência. Ele me recebeu muito simpaticamente e disse: ‘O Montoro fala muito de você’. (risos)

E era para tratar de quê?

Uma visita de cortesia. É claro que hoje eu me sinto mais à vontade com os presidentes, mas naquela época era uma coisa um pouco cerimoniosa. E ele me tratou com muita delicadeza, eu fiquei ali coisa de 25 minutos, e não me pediu absolutamente nada.

No caso dos cinco anos nem precisava pedir, já que era essa a sua posição.

Desde logo eu fui pelos cinco anos – que considerei direito adquirido, já que ele tinha direito a seis.

É verdade que o senhor estava presente na noite em que Tancredo Neves foi para o hospital – quando se decidiu que o Sarney assumiria a presidência?

É verdade. Eu era secretário da Segurança, e estava em Brasília acompanhando o Almir Pazzianotto, que ia tomar posse no Ministério do Trabalho. Estávamos num jantar e ficamos sabendo que o Tancredo estava sendo internado no Hospital de Base. Fomos para lá. No primeiro momento que eu entrei, o Montoro disse: ‘Olha, o Temer aqui é constitucionalista! Temer, quem é que tem que tomar posse?’. Imagina que pergunta...

Pois é...

Estavam lá o (general) Leônidas, o Marco Maciel, o Sarney, o Ulysses. O Leônidas dizendo: ‘Quem tem que tomar posse é o Sarney’. Pego de surpresa, eu disse que precisava estudar a questão. Aí eu ouvi o Sarney dizer uma coisa que me marcou muito, talvez daí a minha simpatia pelo Sarney.

O que foi que ele disse?

‘Eu faço o que o Ulysses quiser.’ Me pareceu de uma sabedoria e de uma modéstia incríveis. O Ulysses naquele momento era uma figura exponencial.

Podia até ter sido presidente – até que o nosso constitucionalista, o general Leônidas, resolveu que seria o Sarney...

(Ulysses) Podia ter sido até presidente. Mas ele foi muito correto. Até porque, convenhamos, não se esperava que ia dar no que deu. Esperava-se que o Tancredo ia se recuperar e, portanto, assumir em seguida.

Voltando à Constituinte: existia um anteprojeto, da Comissão Afonso Arinos, que foi descartado como ponto de partida, embora tenha sido usado...

Acho bom ter partido do zero. Nascidas como nasceram, nas comissões e subcomissões, as propostas são mais reveladoras da própria sociedade. Todos os setores estiveram lá, pressionando. É aquilo que o dr.Ulysses disse: Constituição Cidadã, com a cara do povo.

Que causas o senhor defendeu na Constituinte?

O artigo 133, por exemplo. ‘O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável no exercício da profissão por seus atos e manifestações, nos termos da lei’. Eu propus, e foi aprovado.

Esse artigo tem muito pai, não?

Mas o pai original sou eu, e aí eu não abro mão (risos).

Como surgiu?

Em uma reunião com a Ordem dos Advogados de São Paulo, quando o presidente era o Antônio Claudio Mariz de Oliveira, meu amigo. Muito tempo depois, quando começou a haver invasões de escritórios de advocacia aqui em São Paulo, pela Polícia Federal, eles me procuraram para propor um projeto de lei que tornasse inviolável o local de trabalho do advogado. Então eu propus, e depois foi aprovado.

Dos artigos que tem a sua digital, esse é o que o empolga?

Acho o mais expressivo. Mas houve outros em que eu trabalhei muito – como o dos procuradores do Estado, e o da Advocacia Geral da União. Também trabalhei muito na divisão de funções entre a Polícia Militar e a Polícia Civil, e no tema dos juizados especiais, entre outros.

O senhor sugeriu algum artigo do qual se arrependa?

Um, nas disposições transitórias, que estabeleceu que depois de cinco anos no serviço público o servidor ganhava estabilidade. Foi proposta minha e de tantos outros.

De que outras disposições o senhor não gosta?

Da medida provisória. Eu sempre combati, na medida em que ela era pior que decreto-lei, porque no primeiro momento ela poderia versar sobre qualquermatéria.

Uma parte do PMDB – Fernando Henrique, Mario Covas, José Serra, Franco Montoro – rachou com o partido em plena Constituinte e criou o PSDB. Por que o senhor não foi?

Eu tinha muito apreço pelo Montoro. Quando surgiu o PSDB, ele me disse: “Temer, não sai do PMDB não. No PSDB vai ter muito cacique. Se você ficar no PMDB você vai fazer uma carreira preciosa”. Eu fiquei no PMDB.

A ideia foi do governador de São Paulo, Franco Montoro, um dos caciques do PMDB: “Ô, Temer, você que é professor de direito constitucional, por que não se candidata para a Constituinte?”. O ex-procurador-geral do Estado e secretário da Segurança Pública logo se entusiasmou. Saiu candidato na eleição de 15 de novembro de 1986 – governo José Sarney. Não ganhou de primeira, ficando na segunda suplência (com 43.747 votos). Acabou constituinte em março de 1987, um mês e meio depois de começados os trabalhos, na vaga do deputado Tidei de Lima, guindado ao secretariado de Orestes Quércia, substituto de Montoro.

  Foto: DIV

O estreante tinha 46 anos. Começou timidamente, mas logo ganhou desenvoltura pelos restantes dezenove meses em que o congresso virou Constituinte. Começou em 1.º de fevereiro de 1987 e terminou em 5 de outubro de 1988 – com muitos momentos de agitação e outros tantos de graves impasses. O hoje presidente em exercício da República rememorou aqueles tempos, lá se vão quase 30 anos, em duas entrevistas, sem falsa modéstia, concedidas em maio de 2014. Deve-se a ele a sugestão de um acréscimo que garantiu na Constituição a independência e a harmonia entre os três poderes – não constante do texto original – e, também, entre outras contribuições, o artigo 133: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Desde então já era amigo do advogado Mariz de Oliveira, à época presidente da OAB/SP, que recentemente declinou seu convite para um ministério. Ontem, Temer afirmou que, na Presidência, será o “homem do livrinho”, numa referência à Constituição.

Como o senhor foi recebido na Constituinte?

Quando cheguei lá, sabiam que eu era da área de direito constitucional. Então fui muito convocado para as grandes discussões, e tive uma participação muito intensa, uma atuação muito concreta.

O senhor integrou a subcomissão do Poder Judiciário e Ministério Público – uma das três da Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. O presidente foi José Costa, do PMDB de Alagoas, e o relator foi o Plínio de Arruda Sampaio, do PT.

Exatamente. Eu trabalhei muito nessa subcomissão – e também na Comissão de Sistematização (como suplente) e na Comissão de Redação. Muitas vezes eu era chamado: ‘Temer você concorda com essa tese? Concordo. Então você vai defender isso aqui’. As pessoas confiavam muito na capacidade de sustentação que eu tinha em relação a certos temas de direito constitucional.

Dia desses, José Serra, também Constituinte, fez palestra no Instituto Brasiliense de Direito Público, do ministro Gilmar Mendes, do STF. Lá pelas tantas – o senhor pode assistir no Youtube – ele disse que o senhor participou do chamado Centrão, que ele próprio situou como sendo ‘a direita da Constituinte’. Disse o Serra: ‘Do Centrão faziam parte o líder do PTB, Gastone Righi, e o Michel Temer, que na verdade era um deputado suplente. Assumiu porque alguém foi para o secretaria do Quércia, mas estava lá, alinhado com o Centrão’.

Eu não vi isso não. Ele até se posiciona como meu amigo... Mas eu conheço o Serra, ele tem um jeito todo especial.

Um jeito Serra de ser...

(risos) Eu nunca fui do Centrão. Assinei o requerimento em que o Centrão pedia para mudar as regras do jogo porque era o único caminho plausível para a Constituinte avançar. Os que constituíram o Centrão achavam que não tinham voz ativa na constituinte – e de fato acontecia isso.

Então o sr. estava com o Centrão no aspecto formal...

A mudança que o Centrão propôs, e que venceu, ampliou e amplificou o debate constituinte, até ali muito restrito ao poder da Comissão de Sistematização.

O sr. também foi membro titular da Comissão de Redação – que deu o arremate na Constituição – e propôs uma modificação importante. Como foi isso?

Havia um artigo que dizia: ‘São poderes do Estado o Legislativo, o Executivo e o Judiciário’. Eu propus que se colocasse de outra maneira: ‘São poderes do Estado – independentes e harmônicos entre si – o Executivo, o Legislativo e Judiciário’. Foi aprovado, e foi assim que ficou.

Por que esse adendo não entrou na primeira versão?

Porque a ideia prevalecente era de que teríamos uma constituição parlamentarista. E no parlamentarismo a independência entre os poderes não é tão enaltecida. Como fomos para regime presidencialista, não se fez o ajuste necessário. Só na comissão de redação.

É sabido que a Comissão de Redação alterou algumas coisas sem o conhecimento prévio da maioria dos constituintes.

É. Fala-se.

Depois houve uma votação final, bem às pressas, que aprovou tudo...

Eu acho que arrematou tudo, convalidou tudo.

Na sua avaliação, que Constituição saiu dali?

A Constituição tem princípios do liberalismo e princípios do socialismo, e foi isso que ajudou a manter uma estabilidade institucional, como nós nunca tivemos. Como houve um amálgama dessas duas democracias, a liberal e a social, se pôde avançar para o que eu chamo de democracia da eficiência. É assim que vejo os movimentos que foram para a rua em junho de 2013. São massas que de repente começaram a perceber que podem ter participação na vida do Estado, e passam a exigir mais eficiência..

Como o sr. avalia o papel do presidente José Sarney durante a Constituinte?

A ponderação e equilíbrio do Sarney permitiram o trânsito da constituinte.

Sem contar que ele jogou duro pelo presidencialismo e pelos cinco anos de mandato, não?

Na verdade, ele tinha seis.

Sim. Mas abriu mão de um, propondo cinco, quando uma boa parte dos constituintes queria quatro anos.

O presidente trabalhou pelos cinco anos, mas dentro das regras do jogo. O equilíbrio que ele manteve foi benéfico para o País.

Tinha algum clima para dar um golpe e fechar a Constituinte, como algumas vezes foi aventado?

Não tinha, porque a euforia democrática era muito forte. O que houve é que o Sarney trabalhou pelos cinco anos – o que era mais do que lógico, porque ele tinha direito a seis e já abrira mão de um. Essa postura do Sarney colaborou muito para que a Constituição, o novo Estado, viessem à luz. O Ulysses Guimarães presidente da Constituinte, também, com a liderança que teve.

O sr. esteve pessoalmente com o presidente Sarney durante a Constituinte?

Uma vez pedi audiência. Ele me recebeu muito simpaticamente e disse: ‘O Montoro fala muito de você’. (risos)

E era para tratar de quê?

Uma visita de cortesia. É claro que hoje eu me sinto mais à vontade com os presidentes, mas naquela época era uma coisa um pouco cerimoniosa. E ele me tratou com muita delicadeza, eu fiquei ali coisa de 25 minutos, e não me pediu absolutamente nada.

No caso dos cinco anos nem precisava pedir, já que era essa a sua posição.

Desde logo eu fui pelos cinco anos – que considerei direito adquirido, já que ele tinha direito a seis.

É verdade que o senhor estava presente na noite em que Tancredo Neves foi para o hospital – quando se decidiu que o Sarney assumiria a presidência?

É verdade. Eu era secretário da Segurança, e estava em Brasília acompanhando o Almir Pazzianotto, que ia tomar posse no Ministério do Trabalho. Estávamos num jantar e ficamos sabendo que o Tancredo estava sendo internado no Hospital de Base. Fomos para lá. No primeiro momento que eu entrei, o Montoro disse: ‘Olha, o Temer aqui é constitucionalista! Temer, quem é que tem que tomar posse?’. Imagina que pergunta...

Pois é...

Estavam lá o (general) Leônidas, o Marco Maciel, o Sarney, o Ulysses. O Leônidas dizendo: ‘Quem tem que tomar posse é o Sarney’. Pego de surpresa, eu disse que precisava estudar a questão. Aí eu ouvi o Sarney dizer uma coisa que me marcou muito, talvez daí a minha simpatia pelo Sarney.

O que foi que ele disse?

‘Eu faço o que o Ulysses quiser.’ Me pareceu de uma sabedoria e de uma modéstia incríveis. O Ulysses naquele momento era uma figura exponencial.

Podia até ter sido presidente – até que o nosso constitucionalista, o general Leônidas, resolveu que seria o Sarney...

(Ulysses) Podia ter sido até presidente. Mas ele foi muito correto. Até porque, convenhamos, não se esperava que ia dar no que deu. Esperava-se que o Tancredo ia se recuperar e, portanto, assumir em seguida.

Voltando à Constituinte: existia um anteprojeto, da Comissão Afonso Arinos, que foi descartado como ponto de partida, embora tenha sido usado...

Acho bom ter partido do zero. Nascidas como nasceram, nas comissões e subcomissões, as propostas são mais reveladoras da própria sociedade. Todos os setores estiveram lá, pressionando. É aquilo que o dr.Ulysses disse: Constituição Cidadã, com a cara do povo.

Que causas o senhor defendeu na Constituinte?

O artigo 133, por exemplo. ‘O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável no exercício da profissão por seus atos e manifestações, nos termos da lei’. Eu propus, e foi aprovado.

Esse artigo tem muito pai, não?

Mas o pai original sou eu, e aí eu não abro mão (risos).

Como surgiu?

Em uma reunião com a Ordem dos Advogados de São Paulo, quando o presidente era o Antônio Claudio Mariz de Oliveira, meu amigo. Muito tempo depois, quando começou a haver invasões de escritórios de advocacia aqui em São Paulo, pela Polícia Federal, eles me procuraram para propor um projeto de lei que tornasse inviolável o local de trabalho do advogado. Então eu propus, e depois foi aprovado.

Dos artigos que tem a sua digital, esse é o que o empolga?

Acho o mais expressivo. Mas houve outros em que eu trabalhei muito – como o dos procuradores do Estado, e o da Advocacia Geral da União. Também trabalhei muito na divisão de funções entre a Polícia Militar e a Polícia Civil, e no tema dos juizados especiais, entre outros.

O senhor sugeriu algum artigo do qual se arrependa?

Um, nas disposições transitórias, que estabeleceu que depois de cinco anos no serviço público o servidor ganhava estabilidade. Foi proposta minha e de tantos outros.

De que outras disposições o senhor não gosta?

Da medida provisória. Eu sempre combati, na medida em que ela era pior que decreto-lei, porque no primeiro momento ela poderia versar sobre qualquermatéria.

Uma parte do PMDB – Fernando Henrique, Mario Covas, José Serra, Franco Montoro – rachou com o partido em plena Constituinte e criou o PSDB. Por que o senhor não foi?

Eu tinha muito apreço pelo Montoro. Quando surgiu o PSDB, ele me disse: “Temer, não sai do PMDB não. No PSDB vai ter muito cacique. Se você ficar no PMDB você vai fazer uma carreira preciosa”. Eu fiquei no PMDB.

A ideia foi do governador de São Paulo, Franco Montoro, um dos caciques do PMDB: “Ô, Temer, você que é professor de direito constitucional, por que não se candidata para a Constituinte?”. O ex-procurador-geral do Estado e secretário da Segurança Pública logo se entusiasmou. Saiu candidato na eleição de 15 de novembro de 1986 – governo José Sarney. Não ganhou de primeira, ficando na segunda suplência (com 43.747 votos). Acabou constituinte em março de 1987, um mês e meio depois de começados os trabalhos, na vaga do deputado Tidei de Lima, guindado ao secretariado de Orestes Quércia, substituto de Montoro.

  Foto: DIV

O estreante tinha 46 anos. Começou timidamente, mas logo ganhou desenvoltura pelos restantes dezenove meses em que o congresso virou Constituinte. Começou em 1.º de fevereiro de 1987 e terminou em 5 de outubro de 1988 – com muitos momentos de agitação e outros tantos de graves impasses. O hoje presidente em exercício da República rememorou aqueles tempos, lá se vão quase 30 anos, em duas entrevistas, sem falsa modéstia, concedidas em maio de 2014. Deve-se a ele a sugestão de um acréscimo que garantiu na Constituição a independência e a harmonia entre os três poderes – não constante do texto original – e, também, entre outras contribuições, o artigo 133: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Desde então já era amigo do advogado Mariz de Oliveira, à época presidente da OAB/SP, que recentemente declinou seu convite para um ministério. Ontem, Temer afirmou que, na Presidência, será o “homem do livrinho”, numa referência à Constituição.

Como o senhor foi recebido na Constituinte?

Quando cheguei lá, sabiam que eu era da área de direito constitucional. Então fui muito convocado para as grandes discussões, e tive uma participação muito intensa, uma atuação muito concreta.

O senhor integrou a subcomissão do Poder Judiciário e Ministério Público – uma das três da Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. O presidente foi José Costa, do PMDB de Alagoas, e o relator foi o Plínio de Arruda Sampaio, do PT.

Exatamente. Eu trabalhei muito nessa subcomissão – e também na Comissão de Sistematização (como suplente) e na Comissão de Redação. Muitas vezes eu era chamado: ‘Temer você concorda com essa tese? Concordo. Então você vai defender isso aqui’. As pessoas confiavam muito na capacidade de sustentação que eu tinha em relação a certos temas de direito constitucional.

Dia desses, José Serra, também Constituinte, fez palestra no Instituto Brasiliense de Direito Público, do ministro Gilmar Mendes, do STF. Lá pelas tantas – o senhor pode assistir no Youtube – ele disse que o senhor participou do chamado Centrão, que ele próprio situou como sendo ‘a direita da Constituinte’. Disse o Serra: ‘Do Centrão faziam parte o líder do PTB, Gastone Righi, e o Michel Temer, que na verdade era um deputado suplente. Assumiu porque alguém foi para o secretaria do Quércia, mas estava lá, alinhado com o Centrão’.

Eu não vi isso não. Ele até se posiciona como meu amigo... Mas eu conheço o Serra, ele tem um jeito todo especial.

Um jeito Serra de ser...

(risos) Eu nunca fui do Centrão. Assinei o requerimento em que o Centrão pedia para mudar as regras do jogo porque era o único caminho plausível para a Constituinte avançar. Os que constituíram o Centrão achavam que não tinham voz ativa na constituinte – e de fato acontecia isso.

Então o sr. estava com o Centrão no aspecto formal...

A mudança que o Centrão propôs, e que venceu, ampliou e amplificou o debate constituinte, até ali muito restrito ao poder da Comissão de Sistematização.

O sr. também foi membro titular da Comissão de Redação – que deu o arremate na Constituição – e propôs uma modificação importante. Como foi isso?

Havia um artigo que dizia: ‘São poderes do Estado o Legislativo, o Executivo e o Judiciário’. Eu propus que se colocasse de outra maneira: ‘São poderes do Estado – independentes e harmônicos entre si – o Executivo, o Legislativo e Judiciário’. Foi aprovado, e foi assim que ficou.

Por que esse adendo não entrou na primeira versão?

Porque a ideia prevalecente era de que teríamos uma constituição parlamentarista. E no parlamentarismo a independência entre os poderes não é tão enaltecida. Como fomos para regime presidencialista, não se fez o ajuste necessário. Só na comissão de redação.

É sabido que a Comissão de Redação alterou algumas coisas sem o conhecimento prévio da maioria dos constituintes.

É. Fala-se.

Depois houve uma votação final, bem às pressas, que aprovou tudo...

Eu acho que arrematou tudo, convalidou tudo.

Na sua avaliação, que Constituição saiu dali?

A Constituição tem princípios do liberalismo e princípios do socialismo, e foi isso que ajudou a manter uma estabilidade institucional, como nós nunca tivemos. Como houve um amálgama dessas duas democracias, a liberal e a social, se pôde avançar para o que eu chamo de democracia da eficiência. É assim que vejo os movimentos que foram para a rua em junho de 2013. São massas que de repente começaram a perceber que podem ter participação na vida do Estado, e passam a exigir mais eficiência..

Como o sr. avalia o papel do presidente José Sarney durante a Constituinte?

A ponderação e equilíbrio do Sarney permitiram o trânsito da constituinte.

Sem contar que ele jogou duro pelo presidencialismo e pelos cinco anos de mandato, não?

Na verdade, ele tinha seis.

Sim. Mas abriu mão de um, propondo cinco, quando uma boa parte dos constituintes queria quatro anos.

O presidente trabalhou pelos cinco anos, mas dentro das regras do jogo. O equilíbrio que ele manteve foi benéfico para o País.

Tinha algum clima para dar um golpe e fechar a Constituinte, como algumas vezes foi aventado?

Não tinha, porque a euforia democrática era muito forte. O que houve é que o Sarney trabalhou pelos cinco anos – o que era mais do que lógico, porque ele tinha direito a seis e já abrira mão de um. Essa postura do Sarney colaborou muito para que a Constituição, o novo Estado, viessem à luz. O Ulysses Guimarães presidente da Constituinte, também, com a liderança que teve.

O sr. esteve pessoalmente com o presidente Sarney durante a Constituinte?

Uma vez pedi audiência. Ele me recebeu muito simpaticamente e disse: ‘O Montoro fala muito de você’. (risos)

E era para tratar de quê?

Uma visita de cortesia. É claro que hoje eu me sinto mais à vontade com os presidentes, mas naquela época era uma coisa um pouco cerimoniosa. E ele me tratou com muita delicadeza, eu fiquei ali coisa de 25 minutos, e não me pediu absolutamente nada.

No caso dos cinco anos nem precisava pedir, já que era essa a sua posição.

Desde logo eu fui pelos cinco anos – que considerei direito adquirido, já que ele tinha direito a seis.

É verdade que o senhor estava presente na noite em que Tancredo Neves foi para o hospital – quando se decidiu que o Sarney assumiria a presidência?

É verdade. Eu era secretário da Segurança, e estava em Brasília acompanhando o Almir Pazzianotto, que ia tomar posse no Ministério do Trabalho. Estávamos num jantar e ficamos sabendo que o Tancredo estava sendo internado no Hospital de Base. Fomos para lá. No primeiro momento que eu entrei, o Montoro disse: ‘Olha, o Temer aqui é constitucionalista! Temer, quem é que tem que tomar posse?’. Imagina que pergunta...

Pois é...

Estavam lá o (general) Leônidas, o Marco Maciel, o Sarney, o Ulysses. O Leônidas dizendo: ‘Quem tem que tomar posse é o Sarney’. Pego de surpresa, eu disse que precisava estudar a questão. Aí eu ouvi o Sarney dizer uma coisa que me marcou muito, talvez daí a minha simpatia pelo Sarney.

O que foi que ele disse?

‘Eu faço o que o Ulysses quiser.’ Me pareceu de uma sabedoria e de uma modéstia incríveis. O Ulysses naquele momento era uma figura exponencial.

Podia até ter sido presidente – até que o nosso constitucionalista, o general Leônidas, resolveu que seria o Sarney...

(Ulysses) Podia ter sido até presidente. Mas ele foi muito correto. Até porque, convenhamos, não se esperava que ia dar no que deu. Esperava-se que o Tancredo ia se recuperar e, portanto, assumir em seguida.

Voltando à Constituinte: existia um anteprojeto, da Comissão Afonso Arinos, que foi descartado como ponto de partida, embora tenha sido usado...

Acho bom ter partido do zero. Nascidas como nasceram, nas comissões e subcomissões, as propostas são mais reveladoras da própria sociedade. Todos os setores estiveram lá, pressionando. É aquilo que o dr.Ulysses disse: Constituição Cidadã, com a cara do povo.

Que causas o senhor defendeu na Constituinte?

O artigo 133, por exemplo. ‘O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável no exercício da profissão por seus atos e manifestações, nos termos da lei’. Eu propus, e foi aprovado.

Esse artigo tem muito pai, não?

Mas o pai original sou eu, e aí eu não abro mão (risos).

Como surgiu?

Em uma reunião com a Ordem dos Advogados de São Paulo, quando o presidente era o Antônio Claudio Mariz de Oliveira, meu amigo. Muito tempo depois, quando começou a haver invasões de escritórios de advocacia aqui em São Paulo, pela Polícia Federal, eles me procuraram para propor um projeto de lei que tornasse inviolável o local de trabalho do advogado. Então eu propus, e depois foi aprovado.

Dos artigos que tem a sua digital, esse é o que o empolga?

Acho o mais expressivo. Mas houve outros em que eu trabalhei muito – como o dos procuradores do Estado, e o da Advocacia Geral da União. Também trabalhei muito na divisão de funções entre a Polícia Militar e a Polícia Civil, e no tema dos juizados especiais, entre outros.

O senhor sugeriu algum artigo do qual se arrependa?

Um, nas disposições transitórias, que estabeleceu que depois de cinco anos no serviço público o servidor ganhava estabilidade. Foi proposta minha e de tantos outros.

De que outras disposições o senhor não gosta?

Da medida provisória. Eu sempre combati, na medida em que ela era pior que decreto-lei, porque no primeiro momento ela poderia versar sobre qualquermatéria.

Uma parte do PMDB – Fernando Henrique, Mario Covas, José Serra, Franco Montoro – rachou com o partido em plena Constituinte e criou o PSDB. Por que o senhor não foi?

Eu tinha muito apreço pelo Montoro. Quando surgiu o PSDB, ele me disse: “Temer, não sai do PMDB não. No PSDB vai ter muito cacique. Se você ficar no PMDB você vai fazer uma carreira preciosa”. Eu fiquei no PMDB.

A ideia foi do governador de São Paulo, Franco Montoro, um dos caciques do PMDB: “Ô, Temer, você que é professor de direito constitucional, por que não se candidata para a Constituinte?”. O ex-procurador-geral do Estado e secretário da Segurança Pública logo se entusiasmou. Saiu candidato na eleição de 15 de novembro de 1986 – governo José Sarney. Não ganhou de primeira, ficando na segunda suplência (com 43.747 votos). Acabou constituinte em março de 1987, um mês e meio depois de começados os trabalhos, na vaga do deputado Tidei de Lima, guindado ao secretariado de Orestes Quércia, substituto de Montoro.

  Foto: DIV

O estreante tinha 46 anos. Começou timidamente, mas logo ganhou desenvoltura pelos restantes dezenove meses em que o congresso virou Constituinte. Começou em 1.º de fevereiro de 1987 e terminou em 5 de outubro de 1988 – com muitos momentos de agitação e outros tantos de graves impasses. O hoje presidente em exercício da República rememorou aqueles tempos, lá se vão quase 30 anos, em duas entrevistas, sem falsa modéstia, concedidas em maio de 2014. Deve-se a ele a sugestão de um acréscimo que garantiu na Constituição a independência e a harmonia entre os três poderes – não constante do texto original – e, também, entre outras contribuições, o artigo 133: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Desde então já era amigo do advogado Mariz de Oliveira, à época presidente da OAB/SP, que recentemente declinou seu convite para um ministério. Ontem, Temer afirmou que, na Presidência, será o “homem do livrinho”, numa referência à Constituição.

Como o senhor foi recebido na Constituinte?

Quando cheguei lá, sabiam que eu era da área de direito constitucional. Então fui muito convocado para as grandes discussões, e tive uma participação muito intensa, uma atuação muito concreta.

O senhor integrou a subcomissão do Poder Judiciário e Ministério Público – uma das três da Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. O presidente foi José Costa, do PMDB de Alagoas, e o relator foi o Plínio de Arruda Sampaio, do PT.

Exatamente. Eu trabalhei muito nessa subcomissão – e também na Comissão de Sistematização (como suplente) e na Comissão de Redação. Muitas vezes eu era chamado: ‘Temer você concorda com essa tese? Concordo. Então você vai defender isso aqui’. As pessoas confiavam muito na capacidade de sustentação que eu tinha em relação a certos temas de direito constitucional.

Dia desses, José Serra, também Constituinte, fez palestra no Instituto Brasiliense de Direito Público, do ministro Gilmar Mendes, do STF. Lá pelas tantas – o senhor pode assistir no Youtube – ele disse que o senhor participou do chamado Centrão, que ele próprio situou como sendo ‘a direita da Constituinte’. Disse o Serra: ‘Do Centrão faziam parte o líder do PTB, Gastone Righi, e o Michel Temer, que na verdade era um deputado suplente. Assumiu porque alguém foi para o secretaria do Quércia, mas estava lá, alinhado com o Centrão’.

Eu não vi isso não. Ele até se posiciona como meu amigo... Mas eu conheço o Serra, ele tem um jeito todo especial.

Um jeito Serra de ser...

(risos) Eu nunca fui do Centrão. Assinei o requerimento em que o Centrão pedia para mudar as regras do jogo porque era o único caminho plausível para a Constituinte avançar. Os que constituíram o Centrão achavam que não tinham voz ativa na constituinte – e de fato acontecia isso.

Então o sr. estava com o Centrão no aspecto formal...

A mudança que o Centrão propôs, e que venceu, ampliou e amplificou o debate constituinte, até ali muito restrito ao poder da Comissão de Sistematização.

O sr. também foi membro titular da Comissão de Redação – que deu o arremate na Constituição – e propôs uma modificação importante. Como foi isso?

Havia um artigo que dizia: ‘São poderes do Estado o Legislativo, o Executivo e o Judiciário’. Eu propus que se colocasse de outra maneira: ‘São poderes do Estado – independentes e harmônicos entre si – o Executivo, o Legislativo e Judiciário’. Foi aprovado, e foi assim que ficou.

Por que esse adendo não entrou na primeira versão?

Porque a ideia prevalecente era de que teríamos uma constituição parlamentarista. E no parlamentarismo a independência entre os poderes não é tão enaltecida. Como fomos para regime presidencialista, não se fez o ajuste necessário. Só na comissão de redação.

É sabido que a Comissão de Redação alterou algumas coisas sem o conhecimento prévio da maioria dos constituintes.

É. Fala-se.

Depois houve uma votação final, bem às pressas, que aprovou tudo...

Eu acho que arrematou tudo, convalidou tudo.

Na sua avaliação, que Constituição saiu dali?

A Constituição tem princípios do liberalismo e princípios do socialismo, e foi isso que ajudou a manter uma estabilidade institucional, como nós nunca tivemos. Como houve um amálgama dessas duas democracias, a liberal e a social, se pôde avançar para o que eu chamo de democracia da eficiência. É assim que vejo os movimentos que foram para a rua em junho de 2013. São massas que de repente começaram a perceber que podem ter participação na vida do Estado, e passam a exigir mais eficiência..

Como o sr. avalia o papel do presidente José Sarney durante a Constituinte?

A ponderação e equilíbrio do Sarney permitiram o trânsito da constituinte.

Sem contar que ele jogou duro pelo presidencialismo e pelos cinco anos de mandato, não?

Na verdade, ele tinha seis.

Sim. Mas abriu mão de um, propondo cinco, quando uma boa parte dos constituintes queria quatro anos.

O presidente trabalhou pelos cinco anos, mas dentro das regras do jogo. O equilíbrio que ele manteve foi benéfico para o País.

Tinha algum clima para dar um golpe e fechar a Constituinte, como algumas vezes foi aventado?

Não tinha, porque a euforia democrática era muito forte. O que houve é que o Sarney trabalhou pelos cinco anos – o que era mais do que lógico, porque ele tinha direito a seis e já abrira mão de um. Essa postura do Sarney colaborou muito para que a Constituição, o novo Estado, viessem à luz. O Ulysses Guimarães presidente da Constituinte, também, com a liderança que teve.

O sr. esteve pessoalmente com o presidente Sarney durante a Constituinte?

Uma vez pedi audiência. Ele me recebeu muito simpaticamente e disse: ‘O Montoro fala muito de você’. (risos)

E era para tratar de quê?

Uma visita de cortesia. É claro que hoje eu me sinto mais à vontade com os presidentes, mas naquela época era uma coisa um pouco cerimoniosa. E ele me tratou com muita delicadeza, eu fiquei ali coisa de 25 minutos, e não me pediu absolutamente nada.

No caso dos cinco anos nem precisava pedir, já que era essa a sua posição.

Desde logo eu fui pelos cinco anos – que considerei direito adquirido, já que ele tinha direito a seis.

É verdade que o senhor estava presente na noite em que Tancredo Neves foi para o hospital – quando se decidiu que o Sarney assumiria a presidência?

É verdade. Eu era secretário da Segurança, e estava em Brasília acompanhando o Almir Pazzianotto, que ia tomar posse no Ministério do Trabalho. Estávamos num jantar e ficamos sabendo que o Tancredo estava sendo internado no Hospital de Base. Fomos para lá. No primeiro momento que eu entrei, o Montoro disse: ‘Olha, o Temer aqui é constitucionalista! Temer, quem é que tem que tomar posse?’. Imagina que pergunta...

Pois é...

Estavam lá o (general) Leônidas, o Marco Maciel, o Sarney, o Ulysses. O Leônidas dizendo: ‘Quem tem que tomar posse é o Sarney’. Pego de surpresa, eu disse que precisava estudar a questão. Aí eu ouvi o Sarney dizer uma coisa que me marcou muito, talvez daí a minha simpatia pelo Sarney.

O que foi que ele disse?

‘Eu faço o que o Ulysses quiser.’ Me pareceu de uma sabedoria e de uma modéstia incríveis. O Ulysses naquele momento era uma figura exponencial.

Podia até ter sido presidente – até que o nosso constitucionalista, o general Leônidas, resolveu que seria o Sarney...

(Ulysses) Podia ter sido até presidente. Mas ele foi muito correto. Até porque, convenhamos, não se esperava que ia dar no que deu. Esperava-se que o Tancredo ia se recuperar e, portanto, assumir em seguida.

Voltando à Constituinte: existia um anteprojeto, da Comissão Afonso Arinos, que foi descartado como ponto de partida, embora tenha sido usado...

Acho bom ter partido do zero. Nascidas como nasceram, nas comissões e subcomissões, as propostas são mais reveladoras da própria sociedade. Todos os setores estiveram lá, pressionando. É aquilo que o dr.Ulysses disse: Constituição Cidadã, com a cara do povo.

Que causas o senhor defendeu na Constituinte?

O artigo 133, por exemplo. ‘O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável no exercício da profissão por seus atos e manifestações, nos termos da lei’. Eu propus, e foi aprovado.

Esse artigo tem muito pai, não?

Mas o pai original sou eu, e aí eu não abro mão (risos).

Como surgiu?

Em uma reunião com a Ordem dos Advogados de São Paulo, quando o presidente era o Antônio Claudio Mariz de Oliveira, meu amigo. Muito tempo depois, quando começou a haver invasões de escritórios de advocacia aqui em São Paulo, pela Polícia Federal, eles me procuraram para propor um projeto de lei que tornasse inviolável o local de trabalho do advogado. Então eu propus, e depois foi aprovado.

Dos artigos que tem a sua digital, esse é o que o empolga?

Acho o mais expressivo. Mas houve outros em que eu trabalhei muito – como o dos procuradores do Estado, e o da Advocacia Geral da União. Também trabalhei muito na divisão de funções entre a Polícia Militar e a Polícia Civil, e no tema dos juizados especiais, entre outros.

O senhor sugeriu algum artigo do qual se arrependa?

Um, nas disposições transitórias, que estabeleceu que depois de cinco anos no serviço público o servidor ganhava estabilidade. Foi proposta minha e de tantos outros.

De que outras disposições o senhor não gosta?

Da medida provisória. Eu sempre combati, na medida em que ela era pior que decreto-lei, porque no primeiro momento ela poderia versar sobre qualquermatéria.

Uma parte do PMDB – Fernando Henrique, Mario Covas, José Serra, Franco Montoro – rachou com o partido em plena Constituinte e criou o PSDB. Por que o senhor não foi?

Eu tinha muito apreço pelo Montoro. Quando surgiu o PSDB, ele me disse: “Temer, não sai do PMDB não. No PSDB vai ter muito cacique. Se você ficar no PMDB você vai fazer uma carreira preciosa”. Eu fiquei no PMDB.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.