Para cientistas políticos, os panelaços registrados em diversos bairros de grandes cidades brasileiras na terça-feira, 17, e previstos para se repetir nesta quarta, 18, são sinal de que o presidente Jair Bolsonaro enfraqueceu sua própria narrativa e que adversários já aproveitam a crise para se manifestar. Após o domingo, 15, em que atos pró-governo aconteceram nas ruas do País, grupos contrários a Bolsonaro marcaram um panelaço para esta quarta, 18 - mas o movimento se antecipou e fez barulho já um dia antes.
"Os panelaços (na terça) foram uma antecipação estimulada por grupos que já viram a oportunidade de duvidar da capacidade do presidente de chegar ao fim do mandato", diz o cientista político Kleber Carrilho, da Universidade de São Paulo. "Em política, não existe espaço vazio. Quando nota-se a figura do presidente se enfraquecendo, aparece gente querendo substituí-lo e pedindo sua saída."
O analista afirma que Bolsonaro fez uma aposta "alta" ao participar de ato em Brasília no domingo apesar de estar orientado a se isolar por causa do coronavírus. Ele também divulgou manifestações nas ruas em sua rede social. "A aposta de Bolsonaro foi muito alta. Quando ele viu que os atos não seriam divulgados, ele saiu para a rua, foi participar, deu apoio justamente para que os atos aparecessem. Pois se há notícia, há relevância política. Só que a aposta inclui a possibilidade de o coronavírus não ter grandes resultados no Brasil. Se houver um grande número de mortos, como pode haver, isso vai afetar negativamente para o presidente."
Esta é também a visão do cientista político Marco Konopacki, pesquisador do Instituto de Tecnologia e Sociedade e da New York University, para quem a reação em panelaços tem a ver com a postura do presidente frente à crise do coronavírus. "Diferente do que aconteceu nos Estados Unidos, em que o presidente Donald Trump se posicionou a frente do processo, antecipando o movimento de outras forças políticas, no Brasil, Bolsonaro deixou tudo à deriva e, a meu ver, está na esperança de que a crise do coronavírus não produza maiores impactos. É uma aposta altíssima que pode custar o mandato dele."
Ele vê a crise econômica entre um dos fatores que impulsionaram os panelaços contra o presidente. "Boa parte de quem saiu a bater panela foi a mesma classe média que bateu panela contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Essa classe média é sensível à expectativa econômica. O somatório de um PIB pequeno, com o derretimento da bolsa brasileira e o dólar batendo R$ 5,20 foi disruptivo para o voto de confiança que eles depositavam no governo até então."
Carrilho vê o presidente arriscando-se a ficar isolado politicamente. "Nota-se que a narrativa de Bolsonaro está confusa, pequena. O presidente não tem noção clara que não deve falar só para convertidos, mas ele fez isso desde o início do mandato. Quando as pessoas observam que ele não tem o poder que ele acha que tem, conspiram. Em Brasília, ele já parece isolado. (O ministro da Saúde, Luiz Henrique) Mandetta trabalha quase de forma independente, vai a reuniões sem o presidente.
José Alvaro Moisés, da USP, aposta em um crescimento das manifestações contrárias ao presidente em meio à crise. "A tendência é que isso cresça. Os panelaços são sinal claro de perda de apoio do presidente, até porque começa a se formar inclusive entre pessoas que votaram em Bolsonaro uma opinião de que ele não está preparado para os desafios que o governo do Brasil impõe a ele, como agora é o surto de coronavírus."
Na tarde desta quarta-feira, 18, durante entrevista coletiva em Brasília, Bolsonaro disse que panelaços são um movimento "espontâneo" e uma "expressão da democracia".