Para pesquisadora, ex-presidentes não conduzem processo


Especialista em América Latina diz que só cabe ao Congresso coordenar ato de impeachment, sem interferência alheia

Por Iuri Pitta
  Foto: DIV

A cientista política americana Kathryn Hochstetler é especialista em América Latina e em mandatos presidenciais interrompidos. Em 2006, ela mostrou que 1 em 4 presidentes não terminou seu governo, seja por impeachment, renúncia ou deposição. Três fatores desencadearam a queda dos chefes de Executivo: crise econômica, envolvimento direto em corrupção e falta de apoio no Legislativo, associados a grande mobilização social.

Kathryn diz que um processo de impeachment não pode servir de “atalho para o poder” e deve ser conduzido de forma séria. Para tanto, a pesquisadora define um papel para o vice-presidente Michel Temer e para os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. “É responsabilidade deles deixarem o Congresso conduzir o processo.” Kathryn poderá checar isso de perto em março, quando virá ao Brasil.

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Qual sua avaliação sobre o processo de impeachment de Dilma e a atuação de Eduardo Cunha?

É um caso difícil, pois se confundiu com o próprio processo contra Cunha no Conselho de Ética da Câmara. Essa interligação entre os casos torna a situação complexa. Mas o impeachment de Dilma tem uma história anterior, vem de um processo orgânico, com partidos de oposição mobilizados há muito tempo. Havia protestos na rua. Mas o momento de início do processo não foi o mais adequado.

Há algum paralelo nos casos que a sra. pesquisou de um agente político responsável pela abertura de um impeachment estar sob suspeição como Cunha?

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Não, isso é inédito. Um caso com alguma semelhança – não no que diz respeito à abertura, mas às suspeitas de dinheiro ilícito – ocorreu na Colômbia dos anos 1990. Ernesto Samper foi alvo de impeachment acusado de receber doações de campanha de grupos ligados ao narcotráfico. Muitos políticos que votaram a seu favor no processo – e ele acabou permanecendo no cargo – também estavam sob suspeição de terem recebido dinheiro dos cartéis. Mas um caso assim, de uma pessoa com tanto poder sobre o processo estar sob investigação, é inédito.

O estudo aponta o cenário econômico como fator importante nos processos de afastamento. Que peso tem a atual crise econômica na situação de Dilma?

A minha pesquisa encontrou um impacto grande da economia, mas havia outros fatores. Um presidente com economia aquecida tem mais proteção, e um presidente com uma situação como a atual não tem isso. É mais difícil para Dilma, que foi reeleita e não tem como atribuir o problema a outrem.

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Outro fator é a corrupção, associada a uma economia em crise, além de perda de apoio político.

Exatamente. Corrupção e economia em crise tornam a situação mais difícil. Quando a corrupção se liga à figura do presidente, é quase impossível não ter o mandato contestado. É preciso ter um apoio bastante amplo no Congresso, uma proteção legislativa. Se houver um grupo grande leal ao presidente, ele supera o processo. Nesses casos, só uma ligação direta (de corrupção) com um presidente, uma conta na Suíça ou prova de que ele sabia e participava do esquema, colocaria o mandato em risco. Só a corrupção no governo não é tão ameaçador. A própria Dilma, em 2011, demitiu ministros e não perdeu popularidade. Foi até bom para a imagem dela.

Dependendo do desenrolar do processo, e o fato de Cunha ter aceito o pedido sob risco de cassação, são fatores que poderiam levar Dilma a reverter a queda de popularidade deste mandato?

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Não sei. É possível. O governo vai tentar (usar Cunha para deslegitimar o processo). Se o impeachment começasse com alguém sem suspeitas, seria mais forte. Mas há pessoas sérias que não são – ou não sabemos que são – envolvidas com corrupção a favor do impeachment. O processo não se limita a ele (Cunha).

Então, qual deve ser a estratégia de defesa do governo, além do confronto com Cunha?

O mais importante é lembrar que esse é só o primeiro passo. Primeiro há a Comissão Especial, depois vai ao plenário da Câmara, e só nesse momento chegamos ao julgamento no Senado. O PT e o governo não devem focar demais no hoje e sim nas evidências que existem ou não para defender a presidente. O processo tende a durar meses. É preciso estratégia de longo prazo, em vez de gastar tempo demais com Cunha. No futuro, veremos que ele não foi o fator decisivo para o processo.

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Houve em 2015 uma onda de protestos, e a novidade foi a mobilização contra o PT, que antes predominava nas manifestações. Qual a sua análise sobre isso?

O normal e o mais saudável é ter todo o espectro político organizado. Só uma parte do espectro na rua é sinal de desequilíbrio. É comum que o lado do espectro que não está no poder se organize fora da política. Quando o PSDB está no poder, o PT é mais mobilizado na sociedade civil, e vice-versa. O que notei nos estudos é que sempre houve manifestações contra os presidentes. Quase nunca havia gente na rua favorável a um presidente sob processo de impeachment. A coisa distinta do Brasil hoje é ter mobilização a favor e contra a presidente. Isso não é usual.

A sra. teme que isso leve a um conflito mais sério após a conclusão do processo, seja qual for o desfecho do impeachment?

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O fundamental é (os deputados) levarem o impeachment a sério, de modo a não parecer uma tentativa de atalho para o poder. Tem de ser cuidadoso, baseado em informação, e amplo. Se contemplar só um lado do espectro político, ou se a retórica for muito exacerbada, isso tende a levar problemas para a rua. Há uma possibilidade real de seriedade no processo, mas também risco de muita retórica, de interesses pessoais ou políticos se sobreporem. É um teste para eles.

Que papel a sra. imagina para Michel Temer, Lula e FHC?

Nenhum deles tem um papel específico no processo de impeachment. É importante eles lembrarem isso, que é o Congresso que tem a responsabilidade de lidar com o assunto. O Congresso deve ter papel central, os líderes dos partidos deles devem promover um processo sério e transparente. É uma responsabilidade deles deixarem o Congresso conduzir o processo.

A sra. diz no estudo que os países sobrevivem após o impeachment. Mas e os partidos e os presidentes afastados, o que costuma ocorrer com eles?

Quase todos os partidos de presidentes alvos de impeachment continuaram na política. Os que não sobreviveram eram partidos como o de (Fernando) Collor, que existiam apenas para levar uma pessoa à Presidência. Um partido que tem história, uma vida maior que uma pessoa, tende a continuar ativo.

Como a sra. vê o funcionamento das instituições no Brasil?

Fui ao Brasil pela primeira vez em 1989. Sem dúvida as instituições funcionam muito melhor do que se esperava. Em 1989, não se sabia se o Brasil era capaz de consolidar a democracia. Com o primeiro caso de impeachment, as instituições se fortaleceram. Hoje, é impressionante ver a Justiça colocando ricos e poderosos no banco dos réus, na prisão. Há 30 anos, ninguém imaginava isso. Até cinco anos atrás não se imaginava isso.

  Foto: DIV

A cientista política americana Kathryn Hochstetler é especialista em América Latina e em mandatos presidenciais interrompidos. Em 2006, ela mostrou que 1 em 4 presidentes não terminou seu governo, seja por impeachment, renúncia ou deposição. Três fatores desencadearam a queda dos chefes de Executivo: crise econômica, envolvimento direto em corrupção e falta de apoio no Legislativo, associados a grande mobilização social.

Kathryn diz que um processo de impeachment não pode servir de “atalho para o poder” e deve ser conduzido de forma séria. Para tanto, a pesquisadora define um papel para o vice-presidente Michel Temer e para os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. “É responsabilidade deles deixarem o Congresso conduzir o processo.” Kathryn poderá checar isso de perto em março, quando virá ao Brasil.

Qual sua avaliação sobre o processo de impeachment de Dilma e a atuação de Eduardo Cunha?

É um caso difícil, pois se confundiu com o próprio processo contra Cunha no Conselho de Ética da Câmara. Essa interligação entre os casos torna a situação complexa. Mas o impeachment de Dilma tem uma história anterior, vem de um processo orgânico, com partidos de oposição mobilizados há muito tempo. Havia protestos na rua. Mas o momento de início do processo não foi o mais adequado.

Há algum paralelo nos casos que a sra. pesquisou de um agente político responsável pela abertura de um impeachment estar sob suspeição como Cunha?

Não, isso é inédito. Um caso com alguma semelhança – não no que diz respeito à abertura, mas às suspeitas de dinheiro ilícito – ocorreu na Colômbia dos anos 1990. Ernesto Samper foi alvo de impeachment acusado de receber doações de campanha de grupos ligados ao narcotráfico. Muitos políticos que votaram a seu favor no processo – e ele acabou permanecendo no cargo – também estavam sob suspeição de terem recebido dinheiro dos cartéis. Mas um caso assim, de uma pessoa com tanto poder sobre o processo estar sob investigação, é inédito.

O estudo aponta o cenário econômico como fator importante nos processos de afastamento. Que peso tem a atual crise econômica na situação de Dilma?

A minha pesquisa encontrou um impacto grande da economia, mas havia outros fatores. Um presidente com economia aquecida tem mais proteção, e um presidente com uma situação como a atual não tem isso. É mais difícil para Dilma, que foi reeleita e não tem como atribuir o problema a outrem.

Outro fator é a corrupção, associada a uma economia em crise, além de perda de apoio político.

Exatamente. Corrupção e economia em crise tornam a situação mais difícil. Quando a corrupção se liga à figura do presidente, é quase impossível não ter o mandato contestado. É preciso ter um apoio bastante amplo no Congresso, uma proteção legislativa. Se houver um grupo grande leal ao presidente, ele supera o processo. Nesses casos, só uma ligação direta (de corrupção) com um presidente, uma conta na Suíça ou prova de que ele sabia e participava do esquema, colocaria o mandato em risco. Só a corrupção no governo não é tão ameaçador. A própria Dilma, em 2011, demitiu ministros e não perdeu popularidade. Foi até bom para a imagem dela.

Dependendo do desenrolar do processo, e o fato de Cunha ter aceito o pedido sob risco de cassação, são fatores que poderiam levar Dilma a reverter a queda de popularidade deste mandato?

Não sei. É possível. O governo vai tentar (usar Cunha para deslegitimar o processo). Se o impeachment começasse com alguém sem suspeitas, seria mais forte. Mas há pessoas sérias que não são – ou não sabemos que são – envolvidas com corrupção a favor do impeachment. O processo não se limita a ele (Cunha).

Então, qual deve ser a estratégia de defesa do governo, além do confronto com Cunha?

O mais importante é lembrar que esse é só o primeiro passo. Primeiro há a Comissão Especial, depois vai ao plenário da Câmara, e só nesse momento chegamos ao julgamento no Senado. O PT e o governo não devem focar demais no hoje e sim nas evidências que existem ou não para defender a presidente. O processo tende a durar meses. É preciso estratégia de longo prazo, em vez de gastar tempo demais com Cunha. No futuro, veremos que ele não foi o fator decisivo para o processo.

Houve em 2015 uma onda de protestos, e a novidade foi a mobilização contra o PT, que antes predominava nas manifestações. Qual a sua análise sobre isso?

O normal e o mais saudável é ter todo o espectro político organizado. Só uma parte do espectro na rua é sinal de desequilíbrio. É comum que o lado do espectro que não está no poder se organize fora da política. Quando o PSDB está no poder, o PT é mais mobilizado na sociedade civil, e vice-versa. O que notei nos estudos é que sempre houve manifestações contra os presidentes. Quase nunca havia gente na rua favorável a um presidente sob processo de impeachment. A coisa distinta do Brasil hoje é ter mobilização a favor e contra a presidente. Isso não é usual.

A sra. teme que isso leve a um conflito mais sério após a conclusão do processo, seja qual for o desfecho do impeachment?

O fundamental é (os deputados) levarem o impeachment a sério, de modo a não parecer uma tentativa de atalho para o poder. Tem de ser cuidadoso, baseado em informação, e amplo. Se contemplar só um lado do espectro político, ou se a retórica for muito exacerbada, isso tende a levar problemas para a rua. Há uma possibilidade real de seriedade no processo, mas também risco de muita retórica, de interesses pessoais ou políticos se sobreporem. É um teste para eles.

Que papel a sra. imagina para Michel Temer, Lula e FHC?

Nenhum deles tem um papel específico no processo de impeachment. É importante eles lembrarem isso, que é o Congresso que tem a responsabilidade de lidar com o assunto. O Congresso deve ter papel central, os líderes dos partidos deles devem promover um processo sério e transparente. É uma responsabilidade deles deixarem o Congresso conduzir o processo.

A sra. diz no estudo que os países sobrevivem após o impeachment. Mas e os partidos e os presidentes afastados, o que costuma ocorrer com eles?

Quase todos os partidos de presidentes alvos de impeachment continuaram na política. Os que não sobreviveram eram partidos como o de (Fernando) Collor, que existiam apenas para levar uma pessoa à Presidência. Um partido que tem história, uma vida maior que uma pessoa, tende a continuar ativo.

Como a sra. vê o funcionamento das instituições no Brasil?

Fui ao Brasil pela primeira vez em 1989. Sem dúvida as instituições funcionam muito melhor do que se esperava. Em 1989, não se sabia se o Brasil era capaz de consolidar a democracia. Com o primeiro caso de impeachment, as instituições se fortaleceram. Hoje, é impressionante ver a Justiça colocando ricos e poderosos no banco dos réus, na prisão. Há 30 anos, ninguém imaginava isso. Até cinco anos atrás não se imaginava isso.

  Foto: DIV

A cientista política americana Kathryn Hochstetler é especialista em América Latina e em mandatos presidenciais interrompidos. Em 2006, ela mostrou que 1 em 4 presidentes não terminou seu governo, seja por impeachment, renúncia ou deposição. Três fatores desencadearam a queda dos chefes de Executivo: crise econômica, envolvimento direto em corrupção e falta de apoio no Legislativo, associados a grande mobilização social.

Kathryn diz que um processo de impeachment não pode servir de “atalho para o poder” e deve ser conduzido de forma séria. Para tanto, a pesquisadora define um papel para o vice-presidente Michel Temer e para os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. “É responsabilidade deles deixarem o Congresso conduzir o processo.” Kathryn poderá checar isso de perto em março, quando virá ao Brasil.

Qual sua avaliação sobre o processo de impeachment de Dilma e a atuação de Eduardo Cunha?

É um caso difícil, pois se confundiu com o próprio processo contra Cunha no Conselho de Ética da Câmara. Essa interligação entre os casos torna a situação complexa. Mas o impeachment de Dilma tem uma história anterior, vem de um processo orgânico, com partidos de oposição mobilizados há muito tempo. Havia protestos na rua. Mas o momento de início do processo não foi o mais adequado.

Há algum paralelo nos casos que a sra. pesquisou de um agente político responsável pela abertura de um impeachment estar sob suspeição como Cunha?

Não, isso é inédito. Um caso com alguma semelhança – não no que diz respeito à abertura, mas às suspeitas de dinheiro ilícito – ocorreu na Colômbia dos anos 1990. Ernesto Samper foi alvo de impeachment acusado de receber doações de campanha de grupos ligados ao narcotráfico. Muitos políticos que votaram a seu favor no processo – e ele acabou permanecendo no cargo – também estavam sob suspeição de terem recebido dinheiro dos cartéis. Mas um caso assim, de uma pessoa com tanto poder sobre o processo estar sob investigação, é inédito.

O estudo aponta o cenário econômico como fator importante nos processos de afastamento. Que peso tem a atual crise econômica na situação de Dilma?

A minha pesquisa encontrou um impacto grande da economia, mas havia outros fatores. Um presidente com economia aquecida tem mais proteção, e um presidente com uma situação como a atual não tem isso. É mais difícil para Dilma, que foi reeleita e não tem como atribuir o problema a outrem.

Outro fator é a corrupção, associada a uma economia em crise, além de perda de apoio político.

Exatamente. Corrupção e economia em crise tornam a situação mais difícil. Quando a corrupção se liga à figura do presidente, é quase impossível não ter o mandato contestado. É preciso ter um apoio bastante amplo no Congresso, uma proteção legislativa. Se houver um grupo grande leal ao presidente, ele supera o processo. Nesses casos, só uma ligação direta (de corrupção) com um presidente, uma conta na Suíça ou prova de que ele sabia e participava do esquema, colocaria o mandato em risco. Só a corrupção no governo não é tão ameaçador. A própria Dilma, em 2011, demitiu ministros e não perdeu popularidade. Foi até bom para a imagem dela.

Dependendo do desenrolar do processo, e o fato de Cunha ter aceito o pedido sob risco de cassação, são fatores que poderiam levar Dilma a reverter a queda de popularidade deste mandato?

Não sei. É possível. O governo vai tentar (usar Cunha para deslegitimar o processo). Se o impeachment começasse com alguém sem suspeitas, seria mais forte. Mas há pessoas sérias que não são – ou não sabemos que são – envolvidas com corrupção a favor do impeachment. O processo não se limita a ele (Cunha).

Então, qual deve ser a estratégia de defesa do governo, além do confronto com Cunha?

O mais importante é lembrar que esse é só o primeiro passo. Primeiro há a Comissão Especial, depois vai ao plenário da Câmara, e só nesse momento chegamos ao julgamento no Senado. O PT e o governo não devem focar demais no hoje e sim nas evidências que existem ou não para defender a presidente. O processo tende a durar meses. É preciso estratégia de longo prazo, em vez de gastar tempo demais com Cunha. No futuro, veremos que ele não foi o fator decisivo para o processo.

Houve em 2015 uma onda de protestos, e a novidade foi a mobilização contra o PT, que antes predominava nas manifestações. Qual a sua análise sobre isso?

O normal e o mais saudável é ter todo o espectro político organizado. Só uma parte do espectro na rua é sinal de desequilíbrio. É comum que o lado do espectro que não está no poder se organize fora da política. Quando o PSDB está no poder, o PT é mais mobilizado na sociedade civil, e vice-versa. O que notei nos estudos é que sempre houve manifestações contra os presidentes. Quase nunca havia gente na rua favorável a um presidente sob processo de impeachment. A coisa distinta do Brasil hoje é ter mobilização a favor e contra a presidente. Isso não é usual.

A sra. teme que isso leve a um conflito mais sério após a conclusão do processo, seja qual for o desfecho do impeachment?

O fundamental é (os deputados) levarem o impeachment a sério, de modo a não parecer uma tentativa de atalho para o poder. Tem de ser cuidadoso, baseado em informação, e amplo. Se contemplar só um lado do espectro político, ou se a retórica for muito exacerbada, isso tende a levar problemas para a rua. Há uma possibilidade real de seriedade no processo, mas também risco de muita retórica, de interesses pessoais ou políticos se sobreporem. É um teste para eles.

Que papel a sra. imagina para Michel Temer, Lula e FHC?

Nenhum deles tem um papel específico no processo de impeachment. É importante eles lembrarem isso, que é o Congresso que tem a responsabilidade de lidar com o assunto. O Congresso deve ter papel central, os líderes dos partidos deles devem promover um processo sério e transparente. É uma responsabilidade deles deixarem o Congresso conduzir o processo.

A sra. diz no estudo que os países sobrevivem após o impeachment. Mas e os partidos e os presidentes afastados, o que costuma ocorrer com eles?

Quase todos os partidos de presidentes alvos de impeachment continuaram na política. Os que não sobreviveram eram partidos como o de (Fernando) Collor, que existiam apenas para levar uma pessoa à Presidência. Um partido que tem história, uma vida maior que uma pessoa, tende a continuar ativo.

Como a sra. vê o funcionamento das instituições no Brasil?

Fui ao Brasil pela primeira vez em 1989. Sem dúvida as instituições funcionam muito melhor do que se esperava. Em 1989, não se sabia se o Brasil era capaz de consolidar a democracia. Com o primeiro caso de impeachment, as instituições se fortaleceram. Hoje, é impressionante ver a Justiça colocando ricos e poderosos no banco dos réus, na prisão. Há 30 anos, ninguém imaginava isso. Até cinco anos atrás não se imaginava isso.

  Foto: DIV

A cientista política americana Kathryn Hochstetler é especialista em América Latina e em mandatos presidenciais interrompidos. Em 2006, ela mostrou que 1 em 4 presidentes não terminou seu governo, seja por impeachment, renúncia ou deposição. Três fatores desencadearam a queda dos chefes de Executivo: crise econômica, envolvimento direto em corrupção e falta de apoio no Legislativo, associados a grande mobilização social.

Kathryn diz que um processo de impeachment não pode servir de “atalho para o poder” e deve ser conduzido de forma séria. Para tanto, a pesquisadora define um papel para o vice-presidente Michel Temer e para os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. “É responsabilidade deles deixarem o Congresso conduzir o processo.” Kathryn poderá checar isso de perto em março, quando virá ao Brasil.

Qual sua avaliação sobre o processo de impeachment de Dilma e a atuação de Eduardo Cunha?

É um caso difícil, pois se confundiu com o próprio processo contra Cunha no Conselho de Ética da Câmara. Essa interligação entre os casos torna a situação complexa. Mas o impeachment de Dilma tem uma história anterior, vem de um processo orgânico, com partidos de oposição mobilizados há muito tempo. Havia protestos na rua. Mas o momento de início do processo não foi o mais adequado.

Há algum paralelo nos casos que a sra. pesquisou de um agente político responsável pela abertura de um impeachment estar sob suspeição como Cunha?

Não, isso é inédito. Um caso com alguma semelhança – não no que diz respeito à abertura, mas às suspeitas de dinheiro ilícito – ocorreu na Colômbia dos anos 1990. Ernesto Samper foi alvo de impeachment acusado de receber doações de campanha de grupos ligados ao narcotráfico. Muitos políticos que votaram a seu favor no processo – e ele acabou permanecendo no cargo – também estavam sob suspeição de terem recebido dinheiro dos cartéis. Mas um caso assim, de uma pessoa com tanto poder sobre o processo estar sob investigação, é inédito.

O estudo aponta o cenário econômico como fator importante nos processos de afastamento. Que peso tem a atual crise econômica na situação de Dilma?

A minha pesquisa encontrou um impacto grande da economia, mas havia outros fatores. Um presidente com economia aquecida tem mais proteção, e um presidente com uma situação como a atual não tem isso. É mais difícil para Dilma, que foi reeleita e não tem como atribuir o problema a outrem.

Outro fator é a corrupção, associada a uma economia em crise, além de perda de apoio político.

Exatamente. Corrupção e economia em crise tornam a situação mais difícil. Quando a corrupção se liga à figura do presidente, é quase impossível não ter o mandato contestado. É preciso ter um apoio bastante amplo no Congresso, uma proteção legislativa. Se houver um grupo grande leal ao presidente, ele supera o processo. Nesses casos, só uma ligação direta (de corrupção) com um presidente, uma conta na Suíça ou prova de que ele sabia e participava do esquema, colocaria o mandato em risco. Só a corrupção no governo não é tão ameaçador. A própria Dilma, em 2011, demitiu ministros e não perdeu popularidade. Foi até bom para a imagem dela.

Dependendo do desenrolar do processo, e o fato de Cunha ter aceito o pedido sob risco de cassação, são fatores que poderiam levar Dilma a reverter a queda de popularidade deste mandato?

Não sei. É possível. O governo vai tentar (usar Cunha para deslegitimar o processo). Se o impeachment começasse com alguém sem suspeitas, seria mais forte. Mas há pessoas sérias que não são – ou não sabemos que são – envolvidas com corrupção a favor do impeachment. O processo não se limita a ele (Cunha).

Então, qual deve ser a estratégia de defesa do governo, além do confronto com Cunha?

O mais importante é lembrar que esse é só o primeiro passo. Primeiro há a Comissão Especial, depois vai ao plenário da Câmara, e só nesse momento chegamos ao julgamento no Senado. O PT e o governo não devem focar demais no hoje e sim nas evidências que existem ou não para defender a presidente. O processo tende a durar meses. É preciso estratégia de longo prazo, em vez de gastar tempo demais com Cunha. No futuro, veremos que ele não foi o fator decisivo para o processo.

Houve em 2015 uma onda de protestos, e a novidade foi a mobilização contra o PT, que antes predominava nas manifestações. Qual a sua análise sobre isso?

O normal e o mais saudável é ter todo o espectro político organizado. Só uma parte do espectro na rua é sinal de desequilíbrio. É comum que o lado do espectro que não está no poder se organize fora da política. Quando o PSDB está no poder, o PT é mais mobilizado na sociedade civil, e vice-versa. O que notei nos estudos é que sempre houve manifestações contra os presidentes. Quase nunca havia gente na rua favorável a um presidente sob processo de impeachment. A coisa distinta do Brasil hoje é ter mobilização a favor e contra a presidente. Isso não é usual.

A sra. teme que isso leve a um conflito mais sério após a conclusão do processo, seja qual for o desfecho do impeachment?

O fundamental é (os deputados) levarem o impeachment a sério, de modo a não parecer uma tentativa de atalho para o poder. Tem de ser cuidadoso, baseado em informação, e amplo. Se contemplar só um lado do espectro político, ou se a retórica for muito exacerbada, isso tende a levar problemas para a rua. Há uma possibilidade real de seriedade no processo, mas também risco de muita retórica, de interesses pessoais ou políticos se sobreporem. É um teste para eles.

Que papel a sra. imagina para Michel Temer, Lula e FHC?

Nenhum deles tem um papel específico no processo de impeachment. É importante eles lembrarem isso, que é o Congresso que tem a responsabilidade de lidar com o assunto. O Congresso deve ter papel central, os líderes dos partidos deles devem promover um processo sério e transparente. É uma responsabilidade deles deixarem o Congresso conduzir o processo.

A sra. diz no estudo que os países sobrevivem após o impeachment. Mas e os partidos e os presidentes afastados, o que costuma ocorrer com eles?

Quase todos os partidos de presidentes alvos de impeachment continuaram na política. Os que não sobreviveram eram partidos como o de (Fernando) Collor, que existiam apenas para levar uma pessoa à Presidência. Um partido que tem história, uma vida maior que uma pessoa, tende a continuar ativo.

Como a sra. vê o funcionamento das instituições no Brasil?

Fui ao Brasil pela primeira vez em 1989. Sem dúvida as instituições funcionam muito melhor do que se esperava. Em 1989, não se sabia se o Brasil era capaz de consolidar a democracia. Com o primeiro caso de impeachment, as instituições se fortaleceram. Hoje, é impressionante ver a Justiça colocando ricos e poderosos no banco dos réus, na prisão. Há 30 anos, ninguém imaginava isso. Até cinco anos atrás não se imaginava isso.

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