Poder de conciliação e conhecimento sobre crise climática: conheça 1ª embaixadora do Brasil nos EUA


Maria Luiza Viotti tem 47 anos de carreira e foi indicada por Lula para chefiar um dos postos de maior importância na diplomacia brasileira

Por Beatriz Bulla

Primeira mulher indicada para chefiar a embaixada brasileira nos Estados Unidos, Maria Luiza Viotti já esteve, ao longo de 47 anos de carreira, na posição de pioneira outras vezes. Em uma união entre o perfil tradicional da diplomacia brasileira, que busca transitar entre posições divergentes sem necessariamente escolher um lado, com o estilo mineiro de uma diplomata nascida em Belo Horizonte, Viotti é lembrada por colegas pela habilidade na conciliação, pela discrição e rigoroso conhecimento - características que a levaram a uma trajetória de destaque dentro e fora do Itamaraty.

Viotti, 69 anos, é mestre em Economia pela Universidade de Brasília (UNB). Fez intercâmbio para os Estados Unidos na adolescência, o que influenciou sua opção pela carreira de diplomata. Foi a única mulher de sua turma no Instituto Rio Branco, onde deu início à carreira de diplomata.

Foi a primeira embaixadora à frente da missão do Brasil junto às Nações Unidas (ONU), em Nova York, onde ficou por quase seis anos, no segundo mandato de Lula e no primeiro de Dilma Rousseff, de 2007 a 2013. Dali, tornou-se a primeira mulher a chefiar a embaixada do Brasil em Berlim, na Alemanha, de 2013 a 2016. Agora, se confirmada pelo Senado, será a primeira a comandar um dos postos de maior importância na diplomacia. No ano passado, também chegou a ser considerada como possível chanceler no atual governo - seria, então, a primeira ministra das Relações Exteriores do Brasil, o que não aconteceu.

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Maria Luiza Viotti foi a primeira mulher a chefiar a embaixada do Brasil em Berlim Foto: PABLO VALADARES/ESTADÃO - 10/07/2007

O profundo conhecimento sobre o sistema multilateral e sobre a Organização das Nações Unidas a fez ser convidada para assumir a chefia de gabinete do então secretário-geral da ONU Antonio Guterres, cargo que exerceu de 2017 a 2021, e explicitou sua influência fora do País. A defesa do multilateralismo e a discussão sobre questões climáticas, temas que o governo Lula coloca como pilares da política externa, receberam especial atenção da embaixadora ao longo da carreira.

“Sempre dizia para ela que ela deveria estar no meu lugar na ONU”, afirma o embaixador Gelson Fonseca Junior, referência no estudo das relações internacionais e diretor do Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD) da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), ligada ao Itamaraty. Ele foi chefe de Viotti em 1999, quando liderou o escritório do Brasil na ONU e a diplomata era ministra-conselheira.

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Oito anos depois, ela, de fato, assumiu a posição principal na missão. “Ela tem uma coisa rara, que é uma unanimidade entre os colegas”, afirma o embaixador. Segundo Gelson Fonseca Junior, ela sabe escutar, compreender e, com isso, dialogar para destravar pontos complicados em negociações multilaterais.

A embaixada na capital americana é o maior posto diplomático do Brasil, em tamanho, e é considerado, ao lado de Buenos Aires, o de maior relevância, pela quantidade de assuntos que passam por ali. Nos últimos três anos, a embaixada brasileira nos EUA foi comandada pelo embaixador Nestor Forster. Ele foi responsável por apresentar Olavo de Carvalho, de quem era amigo pessoal, a Ernesto Araújo e teve sua indicação patrocinada pelo ex-chanceler. No governo Bolsonaro, Forster adotou uma aproximação com o governo Donald Trump e com lideranças da direita americana. Apesar de Forster também ser um diplomata de carreira, sua gestão ficou marcada pelo viés ideológico compartilhado entre o embaixador e o bolsonarismo.

“Há uma disposição de aproximação com os EUA. Sempre temos problemas com os americanos, sempre foi uma relação boa, mas nunca absolutamente de convergência absoluta. Então, ela tem muito o que fazer lá, tem uma longa pauta de aproximação”, afirma Gelson Fonseca Junior.

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Viotti é um nome de confiança de Celso Amorim, principal conselheiro para assuntos internacionais de Lula e assessor especial da Presidência. Colegas que foram contemporâneos na carreira, ex-chefes e ex-chefiados, ouvidos pelo Estadão, afirmam, no entanto, que ela é reconhecida dentro do Itamaraty por pessoas de diferentes posicionamentos políticos.

“Ao receber a notícia de seu agrément, tive o prazer de parabenizar a colega Maria Luiza Viotti. Diplomata de carreira com credenciais excepcionais, a embaixadora Viotti é admirada entre seus pares e muito contribuirá para o avanço da parceria Brasil-Estados Unidos”, escreveu Forster, em seu perfil no Twitter, depois que o Itamaraty anunciou que Washington havia concedido a aprovação a Viotti, abrindo caminho para a indicação formal ao Senado.

Maria Luiza Viotti ao lado da então presidente Dilma Roussef, quando atuava como representante do Brasil junto à ONU Foto: ED FERREIRA/ESTADÃO - 21/09/11
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“Fomos contemporâneos na ONU, na década de 80. Ela cuidava de temas ambientais e fez as primeiras análises de um famoso relatório da Gro Harlem Brundtland sobre meio ambiente e progresso econômico, que é base dos estudos sobre desenvolvimento sustentável”, afirma o embaixador Fernando Simas, que foi secretário-geral do Itamaraty durante o período em que Carlos França foi chanceler, na segunda metade do mandato de Bolsonaro. “Sempre muito firme em suas convicções e rigorosa na avaliação dos temas, ela é uma de nossas mais respeitadas diplomatas”, diz Simas.

O tema ambiental é uma de suas pautas de interesse. Em 2019, ano de estreia de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, Maria Luiza Viotti esteve ao lado de Guterres ao receber o presidente brasileiro. Naquele ano, em um vídeo nas redes sociais da organização, a diplomata e chefe de gabinete do secretário geral falou sobre a gravidade da crise climática. “Trata-se de um problema que está se tornando cada vez mais sério a cada dia”, afirmou. Já o presidente brasileiro, na ocasião, rebateu críticas internacionais pelo avanço das queimadas na Amazônia e o que chamou de “espírito colonialista” das nações que colocavam em xeque a política ambiental de seu governo.

Mulheres no Itamaraty

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Uma das mais bem sucedidas mulheres diplomatas no País, Maria Luiza Viotti não tem protagonismo no movimento pela paridade de gêneros na carreira. Nos bastidores, colegas dizem ter a percepção de que ela nunca quis associar sua imagem à luta das mulheres diplomatas no Itamaraty que cobram mais espaço nos altos cargos da diplomacia, pelo fato de a embaixadora já ter rejeitado convites para falar publicamente sobre o tema.

Viotti concedeu uma entrevista, por e-mail, em 2011 para o também diplomata Guilherme José Roeder Friaça, que escreveu o livro Mulheres diplomatas no Itamaraty (1918-2011) - uma análise de trajetórias, vitórias e desafios. Na obra, Viotti é perguntada sobre questões de gênero. A respeito da sua vida antes de entrar no ministério, nas palavras de Friaça: “(Viotti) recorda que foi criada num ambiente familiar e escolar em que as aspirações profissionais femininas eram consideradas normais e mesmo estimuladas. Tinha amigas que estudavam Engenharia e Medicina, carreiras em que a participação das mulheres ainda era minoritária. Ela aduz, ainda, que a questão da conciliação entre vida familiar e profissional não fazia parte das preocupações dela ou das amigas”.

Sobre as questões de gênero no Itamaraty, a embaixadora diz, segundo o autor do livro, que “embora tenha ouvido relatos de colegas, nunca sofreu ou percebeu preconceitos contra mulheres nos ambientes em que trabalhou”. “Pondera, no entanto, que foram raros, até pouco tempo, os casos de mulheres ocupando funções de chefia (...) e em embaixadas importantes, o que denota a prevalência de uma situação que classifica como de ‘teto de vidro’”.

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O governo Lula promete colocar mulheres em altos cargos da carreira, mas até agora o número mais alto de homens indicados para os principais cargos tem frustrado a expectativa das diplomatas. Viotti foi a única mulher a constar na primeira leva de embaixadores anunciados, o que gerou reclamação interna.

Há nomes de outras cinco embaixadoras a serem anunciados - já com agrément pedido e em tramitação nos países onde elas devem exercer o cargo. Serão três embaixadoras em postos na Europa (ocidental e leste Europeu), uma na América do Sul e uma na África. Foram indicadas mulheres para a missão do Brasil junto à FAO, em Roma (embaixadora Carla Carneiro); para a missão do Brasil junto à Unesco, em Paris (embaixadora Paula Alves de Souza); e para a missão do Brasil na Agência Internacional de Energia Atômica, em Viena (embaixadora Claudia Vieira Santos).

O nome de Maria Luiza Viotti foi encaminhado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Senado no último dia 21, junto de uma lista de embaixadores indicados para alguns dos principais postos do Brasil no exterior. Ainda não há data para a sabatina a ser feita pelos senadores que compõem a Comissão de Relações Exteriores. Em seguida, o nome deve ser submetido ao plenário do Senado.

Primeira mulher indicada para chefiar a embaixada brasileira nos Estados Unidos, Maria Luiza Viotti já esteve, ao longo de 47 anos de carreira, na posição de pioneira outras vezes. Em uma união entre o perfil tradicional da diplomacia brasileira, que busca transitar entre posições divergentes sem necessariamente escolher um lado, com o estilo mineiro de uma diplomata nascida em Belo Horizonte, Viotti é lembrada por colegas pela habilidade na conciliação, pela discrição e rigoroso conhecimento - características que a levaram a uma trajetória de destaque dentro e fora do Itamaraty.

Viotti, 69 anos, é mestre em Economia pela Universidade de Brasília (UNB). Fez intercâmbio para os Estados Unidos na adolescência, o que influenciou sua opção pela carreira de diplomata. Foi a única mulher de sua turma no Instituto Rio Branco, onde deu início à carreira de diplomata.

Foi a primeira embaixadora à frente da missão do Brasil junto às Nações Unidas (ONU), em Nova York, onde ficou por quase seis anos, no segundo mandato de Lula e no primeiro de Dilma Rousseff, de 2007 a 2013. Dali, tornou-se a primeira mulher a chefiar a embaixada do Brasil em Berlim, na Alemanha, de 2013 a 2016. Agora, se confirmada pelo Senado, será a primeira a comandar um dos postos de maior importância na diplomacia. No ano passado, também chegou a ser considerada como possível chanceler no atual governo - seria, então, a primeira ministra das Relações Exteriores do Brasil, o que não aconteceu.

Maria Luiza Viotti foi a primeira mulher a chefiar a embaixada do Brasil em Berlim Foto: PABLO VALADARES/ESTADÃO - 10/07/2007

O profundo conhecimento sobre o sistema multilateral e sobre a Organização das Nações Unidas a fez ser convidada para assumir a chefia de gabinete do então secretário-geral da ONU Antonio Guterres, cargo que exerceu de 2017 a 2021, e explicitou sua influência fora do País. A defesa do multilateralismo e a discussão sobre questões climáticas, temas que o governo Lula coloca como pilares da política externa, receberam especial atenção da embaixadora ao longo da carreira.

“Sempre dizia para ela que ela deveria estar no meu lugar na ONU”, afirma o embaixador Gelson Fonseca Junior, referência no estudo das relações internacionais e diretor do Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD) da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), ligada ao Itamaraty. Ele foi chefe de Viotti em 1999, quando liderou o escritório do Brasil na ONU e a diplomata era ministra-conselheira.

Oito anos depois, ela, de fato, assumiu a posição principal na missão. “Ela tem uma coisa rara, que é uma unanimidade entre os colegas”, afirma o embaixador. Segundo Gelson Fonseca Junior, ela sabe escutar, compreender e, com isso, dialogar para destravar pontos complicados em negociações multilaterais.

A embaixada na capital americana é o maior posto diplomático do Brasil, em tamanho, e é considerado, ao lado de Buenos Aires, o de maior relevância, pela quantidade de assuntos que passam por ali. Nos últimos três anos, a embaixada brasileira nos EUA foi comandada pelo embaixador Nestor Forster. Ele foi responsável por apresentar Olavo de Carvalho, de quem era amigo pessoal, a Ernesto Araújo e teve sua indicação patrocinada pelo ex-chanceler. No governo Bolsonaro, Forster adotou uma aproximação com o governo Donald Trump e com lideranças da direita americana. Apesar de Forster também ser um diplomata de carreira, sua gestão ficou marcada pelo viés ideológico compartilhado entre o embaixador e o bolsonarismo.

“Há uma disposição de aproximação com os EUA. Sempre temos problemas com os americanos, sempre foi uma relação boa, mas nunca absolutamente de convergência absoluta. Então, ela tem muito o que fazer lá, tem uma longa pauta de aproximação”, afirma Gelson Fonseca Junior.

Viotti é um nome de confiança de Celso Amorim, principal conselheiro para assuntos internacionais de Lula e assessor especial da Presidência. Colegas que foram contemporâneos na carreira, ex-chefes e ex-chefiados, ouvidos pelo Estadão, afirmam, no entanto, que ela é reconhecida dentro do Itamaraty por pessoas de diferentes posicionamentos políticos.

“Ao receber a notícia de seu agrément, tive o prazer de parabenizar a colega Maria Luiza Viotti. Diplomata de carreira com credenciais excepcionais, a embaixadora Viotti é admirada entre seus pares e muito contribuirá para o avanço da parceria Brasil-Estados Unidos”, escreveu Forster, em seu perfil no Twitter, depois que o Itamaraty anunciou que Washington havia concedido a aprovação a Viotti, abrindo caminho para a indicação formal ao Senado.

Maria Luiza Viotti ao lado da então presidente Dilma Roussef, quando atuava como representante do Brasil junto à ONU Foto: ED FERREIRA/ESTADÃO - 21/09/11

“Fomos contemporâneos na ONU, na década de 80. Ela cuidava de temas ambientais e fez as primeiras análises de um famoso relatório da Gro Harlem Brundtland sobre meio ambiente e progresso econômico, que é base dos estudos sobre desenvolvimento sustentável”, afirma o embaixador Fernando Simas, que foi secretário-geral do Itamaraty durante o período em que Carlos França foi chanceler, na segunda metade do mandato de Bolsonaro. “Sempre muito firme em suas convicções e rigorosa na avaliação dos temas, ela é uma de nossas mais respeitadas diplomatas”, diz Simas.

O tema ambiental é uma de suas pautas de interesse. Em 2019, ano de estreia de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, Maria Luiza Viotti esteve ao lado de Guterres ao receber o presidente brasileiro. Naquele ano, em um vídeo nas redes sociais da organização, a diplomata e chefe de gabinete do secretário geral falou sobre a gravidade da crise climática. “Trata-se de um problema que está se tornando cada vez mais sério a cada dia”, afirmou. Já o presidente brasileiro, na ocasião, rebateu críticas internacionais pelo avanço das queimadas na Amazônia e o que chamou de “espírito colonialista” das nações que colocavam em xeque a política ambiental de seu governo.

Mulheres no Itamaraty

Uma das mais bem sucedidas mulheres diplomatas no País, Maria Luiza Viotti não tem protagonismo no movimento pela paridade de gêneros na carreira. Nos bastidores, colegas dizem ter a percepção de que ela nunca quis associar sua imagem à luta das mulheres diplomatas no Itamaraty que cobram mais espaço nos altos cargos da diplomacia, pelo fato de a embaixadora já ter rejeitado convites para falar publicamente sobre o tema.

Viotti concedeu uma entrevista, por e-mail, em 2011 para o também diplomata Guilherme José Roeder Friaça, que escreveu o livro Mulheres diplomatas no Itamaraty (1918-2011) - uma análise de trajetórias, vitórias e desafios. Na obra, Viotti é perguntada sobre questões de gênero. A respeito da sua vida antes de entrar no ministério, nas palavras de Friaça: “(Viotti) recorda que foi criada num ambiente familiar e escolar em que as aspirações profissionais femininas eram consideradas normais e mesmo estimuladas. Tinha amigas que estudavam Engenharia e Medicina, carreiras em que a participação das mulheres ainda era minoritária. Ela aduz, ainda, que a questão da conciliação entre vida familiar e profissional não fazia parte das preocupações dela ou das amigas”.

Sobre as questões de gênero no Itamaraty, a embaixadora diz, segundo o autor do livro, que “embora tenha ouvido relatos de colegas, nunca sofreu ou percebeu preconceitos contra mulheres nos ambientes em que trabalhou”. “Pondera, no entanto, que foram raros, até pouco tempo, os casos de mulheres ocupando funções de chefia (...) e em embaixadas importantes, o que denota a prevalência de uma situação que classifica como de ‘teto de vidro’”.

O governo Lula promete colocar mulheres em altos cargos da carreira, mas até agora o número mais alto de homens indicados para os principais cargos tem frustrado a expectativa das diplomatas. Viotti foi a única mulher a constar na primeira leva de embaixadores anunciados, o que gerou reclamação interna.

Há nomes de outras cinco embaixadoras a serem anunciados - já com agrément pedido e em tramitação nos países onde elas devem exercer o cargo. Serão três embaixadoras em postos na Europa (ocidental e leste Europeu), uma na América do Sul e uma na África. Foram indicadas mulheres para a missão do Brasil junto à FAO, em Roma (embaixadora Carla Carneiro); para a missão do Brasil junto à Unesco, em Paris (embaixadora Paula Alves de Souza); e para a missão do Brasil na Agência Internacional de Energia Atômica, em Viena (embaixadora Claudia Vieira Santos).

O nome de Maria Luiza Viotti foi encaminhado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Senado no último dia 21, junto de uma lista de embaixadores indicados para alguns dos principais postos do Brasil no exterior. Ainda não há data para a sabatina a ser feita pelos senadores que compõem a Comissão de Relações Exteriores. Em seguida, o nome deve ser submetido ao plenário do Senado.

Primeira mulher indicada para chefiar a embaixada brasileira nos Estados Unidos, Maria Luiza Viotti já esteve, ao longo de 47 anos de carreira, na posição de pioneira outras vezes. Em uma união entre o perfil tradicional da diplomacia brasileira, que busca transitar entre posições divergentes sem necessariamente escolher um lado, com o estilo mineiro de uma diplomata nascida em Belo Horizonte, Viotti é lembrada por colegas pela habilidade na conciliação, pela discrição e rigoroso conhecimento - características que a levaram a uma trajetória de destaque dentro e fora do Itamaraty.

Viotti, 69 anos, é mestre em Economia pela Universidade de Brasília (UNB). Fez intercâmbio para os Estados Unidos na adolescência, o que influenciou sua opção pela carreira de diplomata. Foi a única mulher de sua turma no Instituto Rio Branco, onde deu início à carreira de diplomata.

Foi a primeira embaixadora à frente da missão do Brasil junto às Nações Unidas (ONU), em Nova York, onde ficou por quase seis anos, no segundo mandato de Lula e no primeiro de Dilma Rousseff, de 2007 a 2013. Dali, tornou-se a primeira mulher a chefiar a embaixada do Brasil em Berlim, na Alemanha, de 2013 a 2016. Agora, se confirmada pelo Senado, será a primeira a comandar um dos postos de maior importância na diplomacia. No ano passado, também chegou a ser considerada como possível chanceler no atual governo - seria, então, a primeira ministra das Relações Exteriores do Brasil, o que não aconteceu.

Maria Luiza Viotti foi a primeira mulher a chefiar a embaixada do Brasil em Berlim Foto: PABLO VALADARES/ESTADÃO - 10/07/2007

O profundo conhecimento sobre o sistema multilateral e sobre a Organização das Nações Unidas a fez ser convidada para assumir a chefia de gabinete do então secretário-geral da ONU Antonio Guterres, cargo que exerceu de 2017 a 2021, e explicitou sua influência fora do País. A defesa do multilateralismo e a discussão sobre questões climáticas, temas que o governo Lula coloca como pilares da política externa, receberam especial atenção da embaixadora ao longo da carreira.

“Sempre dizia para ela que ela deveria estar no meu lugar na ONU”, afirma o embaixador Gelson Fonseca Junior, referência no estudo das relações internacionais e diretor do Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD) da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), ligada ao Itamaraty. Ele foi chefe de Viotti em 1999, quando liderou o escritório do Brasil na ONU e a diplomata era ministra-conselheira.

Oito anos depois, ela, de fato, assumiu a posição principal na missão. “Ela tem uma coisa rara, que é uma unanimidade entre os colegas”, afirma o embaixador. Segundo Gelson Fonseca Junior, ela sabe escutar, compreender e, com isso, dialogar para destravar pontos complicados em negociações multilaterais.

A embaixada na capital americana é o maior posto diplomático do Brasil, em tamanho, e é considerado, ao lado de Buenos Aires, o de maior relevância, pela quantidade de assuntos que passam por ali. Nos últimos três anos, a embaixada brasileira nos EUA foi comandada pelo embaixador Nestor Forster. Ele foi responsável por apresentar Olavo de Carvalho, de quem era amigo pessoal, a Ernesto Araújo e teve sua indicação patrocinada pelo ex-chanceler. No governo Bolsonaro, Forster adotou uma aproximação com o governo Donald Trump e com lideranças da direita americana. Apesar de Forster também ser um diplomata de carreira, sua gestão ficou marcada pelo viés ideológico compartilhado entre o embaixador e o bolsonarismo.

“Há uma disposição de aproximação com os EUA. Sempre temos problemas com os americanos, sempre foi uma relação boa, mas nunca absolutamente de convergência absoluta. Então, ela tem muito o que fazer lá, tem uma longa pauta de aproximação”, afirma Gelson Fonseca Junior.

Viotti é um nome de confiança de Celso Amorim, principal conselheiro para assuntos internacionais de Lula e assessor especial da Presidência. Colegas que foram contemporâneos na carreira, ex-chefes e ex-chefiados, ouvidos pelo Estadão, afirmam, no entanto, que ela é reconhecida dentro do Itamaraty por pessoas de diferentes posicionamentos políticos.

“Ao receber a notícia de seu agrément, tive o prazer de parabenizar a colega Maria Luiza Viotti. Diplomata de carreira com credenciais excepcionais, a embaixadora Viotti é admirada entre seus pares e muito contribuirá para o avanço da parceria Brasil-Estados Unidos”, escreveu Forster, em seu perfil no Twitter, depois que o Itamaraty anunciou que Washington havia concedido a aprovação a Viotti, abrindo caminho para a indicação formal ao Senado.

Maria Luiza Viotti ao lado da então presidente Dilma Roussef, quando atuava como representante do Brasil junto à ONU Foto: ED FERREIRA/ESTADÃO - 21/09/11

“Fomos contemporâneos na ONU, na década de 80. Ela cuidava de temas ambientais e fez as primeiras análises de um famoso relatório da Gro Harlem Brundtland sobre meio ambiente e progresso econômico, que é base dos estudos sobre desenvolvimento sustentável”, afirma o embaixador Fernando Simas, que foi secretário-geral do Itamaraty durante o período em que Carlos França foi chanceler, na segunda metade do mandato de Bolsonaro. “Sempre muito firme em suas convicções e rigorosa na avaliação dos temas, ela é uma de nossas mais respeitadas diplomatas”, diz Simas.

O tema ambiental é uma de suas pautas de interesse. Em 2019, ano de estreia de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, Maria Luiza Viotti esteve ao lado de Guterres ao receber o presidente brasileiro. Naquele ano, em um vídeo nas redes sociais da organização, a diplomata e chefe de gabinete do secretário geral falou sobre a gravidade da crise climática. “Trata-se de um problema que está se tornando cada vez mais sério a cada dia”, afirmou. Já o presidente brasileiro, na ocasião, rebateu críticas internacionais pelo avanço das queimadas na Amazônia e o que chamou de “espírito colonialista” das nações que colocavam em xeque a política ambiental de seu governo.

Mulheres no Itamaraty

Uma das mais bem sucedidas mulheres diplomatas no País, Maria Luiza Viotti não tem protagonismo no movimento pela paridade de gêneros na carreira. Nos bastidores, colegas dizem ter a percepção de que ela nunca quis associar sua imagem à luta das mulheres diplomatas no Itamaraty que cobram mais espaço nos altos cargos da diplomacia, pelo fato de a embaixadora já ter rejeitado convites para falar publicamente sobre o tema.

Viotti concedeu uma entrevista, por e-mail, em 2011 para o também diplomata Guilherme José Roeder Friaça, que escreveu o livro Mulheres diplomatas no Itamaraty (1918-2011) - uma análise de trajetórias, vitórias e desafios. Na obra, Viotti é perguntada sobre questões de gênero. A respeito da sua vida antes de entrar no ministério, nas palavras de Friaça: “(Viotti) recorda que foi criada num ambiente familiar e escolar em que as aspirações profissionais femininas eram consideradas normais e mesmo estimuladas. Tinha amigas que estudavam Engenharia e Medicina, carreiras em que a participação das mulheres ainda era minoritária. Ela aduz, ainda, que a questão da conciliação entre vida familiar e profissional não fazia parte das preocupações dela ou das amigas”.

Sobre as questões de gênero no Itamaraty, a embaixadora diz, segundo o autor do livro, que “embora tenha ouvido relatos de colegas, nunca sofreu ou percebeu preconceitos contra mulheres nos ambientes em que trabalhou”. “Pondera, no entanto, que foram raros, até pouco tempo, os casos de mulheres ocupando funções de chefia (...) e em embaixadas importantes, o que denota a prevalência de uma situação que classifica como de ‘teto de vidro’”.

O governo Lula promete colocar mulheres em altos cargos da carreira, mas até agora o número mais alto de homens indicados para os principais cargos tem frustrado a expectativa das diplomatas. Viotti foi a única mulher a constar na primeira leva de embaixadores anunciados, o que gerou reclamação interna.

Há nomes de outras cinco embaixadoras a serem anunciados - já com agrément pedido e em tramitação nos países onde elas devem exercer o cargo. Serão três embaixadoras em postos na Europa (ocidental e leste Europeu), uma na América do Sul e uma na África. Foram indicadas mulheres para a missão do Brasil junto à FAO, em Roma (embaixadora Carla Carneiro); para a missão do Brasil junto à Unesco, em Paris (embaixadora Paula Alves de Souza); e para a missão do Brasil na Agência Internacional de Energia Atômica, em Viena (embaixadora Claudia Vieira Santos).

O nome de Maria Luiza Viotti foi encaminhado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Senado no último dia 21, junto de uma lista de embaixadores indicados para alguns dos principais postos do Brasil no exterior. Ainda não há data para a sabatina a ser feita pelos senadores que compõem a Comissão de Relações Exteriores. Em seguida, o nome deve ser submetido ao plenário do Senado.

Primeira mulher indicada para chefiar a embaixada brasileira nos Estados Unidos, Maria Luiza Viotti já esteve, ao longo de 47 anos de carreira, na posição de pioneira outras vezes. Em uma união entre o perfil tradicional da diplomacia brasileira, que busca transitar entre posições divergentes sem necessariamente escolher um lado, com o estilo mineiro de uma diplomata nascida em Belo Horizonte, Viotti é lembrada por colegas pela habilidade na conciliação, pela discrição e rigoroso conhecimento - características que a levaram a uma trajetória de destaque dentro e fora do Itamaraty.

Viotti, 69 anos, é mestre em Economia pela Universidade de Brasília (UNB). Fez intercâmbio para os Estados Unidos na adolescência, o que influenciou sua opção pela carreira de diplomata. Foi a única mulher de sua turma no Instituto Rio Branco, onde deu início à carreira de diplomata.

Foi a primeira embaixadora à frente da missão do Brasil junto às Nações Unidas (ONU), em Nova York, onde ficou por quase seis anos, no segundo mandato de Lula e no primeiro de Dilma Rousseff, de 2007 a 2013. Dali, tornou-se a primeira mulher a chefiar a embaixada do Brasil em Berlim, na Alemanha, de 2013 a 2016. Agora, se confirmada pelo Senado, será a primeira a comandar um dos postos de maior importância na diplomacia. No ano passado, também chegou a ser considerada como possível chanceler no atual governo - seria, então, a primeira ministra das Relações Exteriores do Brasil, o que não aconteceu.

Maria Luiza Viotti foi a primeira mulher a chefiar a embaixada do Brasil em Berlim Foto: PABLO VALADARES/ESTADÃO - 10/07/2007

O profundo conhecimento sobre o sistema multilateral e sobre a Organização das Nações Unidas a fez ser convidada para assumir a chefia de gabinete do então secretário-geral da ONU Antonio Guterres, cargo que exerceu de 2017 a 2021, e explicitou sua influência fora do País. A defesa do multilateralismo e a discussão sobre questões climáticas, temas que o governo Lula coloca como pilares da política externa, receberam especial atenção da embaixadora ao longo da carreira.

“Sempre dizia para ela que ela deveria estar no meu lugar na ONU”, afirma o embaixador Gelson Fonseca Junior, referência no estudo das relações internacionais e diretor do Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD) da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), ligada ao Itamaraty. Ele foi chefe de Viotti em 1999, quando liderou o escritório do Brasil na ONU e a diplomata era ministra-conselheira.

Oito anos depois, ela, de fato, assumiu a posição principal na missão. “Ela tem uma coisa rara, que é uma unanimidade entre os colegas”, afirma o embaixador. Segundo Gelson Fonseca Junior, ela sabe escutar, compreender e, com isso, dialogar para destravar pontos complicados em negociações multilaterais.

A embaixada na capital americana é o maior posto diplomático do Brasil, em tamanho, e é considerado, ao lado de Buenos Aires, o de maior relevância, pela quantidade de assuntos que passam por ali. Nos últimos três anos, a embaixada brasileira nos EUA foi comandada pelo embaixador Nestor Forster. Ele foi responsável por apresentar Olavo de Carvalho, de quem era amigo pessoal, a Ernesto Araújo e teve sua indicação patrocinada pelo ex-chanceler. No governo Bolsonaro, Forster adotou uma aproximação com o governo Donald Trump e com lideranças da direita americana. Apesar de Forster também ser um diplomata de carreira, sua gestão ficou marcada pelo viés ideológico compartilhado entre o embaixador e o bolsonarismo.

“Há uma disposição de aproximação com os EUA. Sempre temos problemas com os americanos, sempre foi uma relação boa, mas nunca absolutamente de convergência absoluta. Então, ela tem muito o que fazer lá, tem uma longa pauta de aproximação”, afirma Gelson Fonseca Junior.

Viotti é um nome de confiança de Celso Amorim, principal conselheiro para assuntos internacionais de Lula e assessor especial da Presidência. Colegas que foram contemporâneos na carreira, ex-chefes e ex-chefiados, ouvidos pelo Estadão, afirmam, no entanto, que ela é reconhecida dentro do Itamaraty por pessoas de diferentes posicionamentos políticos.

“Ao receber a notícia de seu agrément, tive o prazer de parabenizar a colega Maria Luiza Viotti. Diplomata de carreira com credenciais excepcionais, a embaixadora Viotti é admirada entre seus pares e muito contribuirá para o avanço da parceria Brasil-Estados Unidos”, escreveu Forster, em seu perfil no Twitter, depois que o Itamaraty anunciou que Washington havia concedido a aprovação a Viotti, abrindo caminho para a indicação formal ao Senado.

Maria Luiza Viotti ao lado da então presidente Dilma Roussef, quando atuava como representante do Brasil junto à ONU Foto: ED FERREIRA/ESTADÃO - 21/09/11

“Fomos contemporâneos na ONU, na década de 80. Ela cuidava de temas ambientais e fez as primeiras análises de um famoso relatório da Gro Harlem Brundtland sobre meio ambiente e progresso econômico, que é base dos estudos sobre desenvolvimento sustentável”, afirma o embaixador Fernando Simas, que foi secretário-geral do Itamaraty durante o período em que Carlos França foi chanceler, na segunda metade do mandato de Bolsonaro. “Sempre muito firme em suas convicções e rigorosa na avaliação dos temas, ela é uma de nossas mais respeitadas diplomatas”, diz Simas.

O tema ambiental é uma de suas pautas de interesse. Em 2019, ano de estreia de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, Maria Luiza Viotti esteve ao lado de Guterres ao receber o presidente brasileiro. Naquele ano, em um vídeo nas redes sociais da organização, a diplomata e chefe de gabinete do secretário geral falou sobre a gravidade da crise climática. “Trata-se de um problema que está se tornando cada vez mais sério a cada dia”, afirmou. Já o presidente brasileiro, na ocasião, rebateu críticas internacionais pelo avanço das queimadas na Amazônia e o que chamou de “espírito colonialista” das nações que colocavam em xeque a política ambiental de seu governo.

Mulheres no Itamaraty

Uma das mais bem sucedidas mulheres diplomatas no País, Maria Luiza Viotti não tem protagonismo no movimento pela paridade de gêneros na carreira. Nos bastidores, colegas dizem ter a percepção de que ela nunca quis associar sua imagem à luta das mulheres diplomatas no Itamaraty que cobram mais espaço nos altos cargos da diplomacia, pelo fato de a embaixadora já ter rejeitado convites para falar publicamente sobre o tema.

Viotti concedeu uma entrevista, por e-mail, em 2011 para o também diplomata Guilherme José Roeder Friaça, que escreveu o livro Mulheres diplomatas no Itamaraty (1918-2011) - uma análise de trajetórias, vitórias e desafios. Na obra, Viotti é perguntada sobre questões de gênero. A respeito da sua vida antes de entrar no ministério, nas palavras de Friaça: “(Viotti) recorda que foi criada num ambiente familiar e escolar em que as aspirações profissionais femininas eram consideradas normais e mesmo estimuladas. Tinha amigas que estudavam Engenharia e Medicina, carreiras em que a participação das mulheres ainda era minoritária. Ela aduz, ainda, que a questão da conciliação entre vida familiar e profissional não fazia parte das preocupações dela ou das amigas”.

Sobre as questões de gênero no Itamaraty, a embaixadora diz, segundo o autor do livro, que “embora tenha ouvido relatos de colegas, nunca sofreu ou percebeu preconceitos contra mulheres nos ambientes em que trabalhou”. “Pondera, no entanto, que foram raros, até pouco tempo, os casos de mulheres ocupando funções de chefia (...) e em embaixadas importantes, o que denota a prevalência de uma situação que classifica como de ‘teto de vidro’”.

O governo Lula promete colocar mulheres em altos cargos da carreira, mas até agora o número mais alto de homens indicados para os principais cargos tem frustrado a expectativa das diplomatas. Viotti foi a única mulher a constar na primeira leva de embaixadores anunciados, o que gerou reclamação interna.

Há nomes de outras cinco embaixadoras a serem anunciados - já com agrément pedido e em tramitação nos países onde elas devem exercer o cargo. Serão três embaixadoras em postos na Europa (ocidental e leste Europeu), uma na América do Sul e uma na África. Foram indicadas mulheres para a missão do Brasil junto à FAO, em Roma (embaixadora Carla Carneiro); para a missão do Brasil junto à Unesco, em Paris (embaixadora Paula Alves de Souza); e para a missão do Brasil na Agência Internacional de Energia Atômica, em Viena (embaixadora Claudia Vieira Santos).

O nome de Maria Luiza Viotti foi encaminhado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Senado no último dia 21, junto de uma lista de embaixadores indicados para alguns dos principais postos do Brasil no exterior. Ainda não há data para a sabatina a ser feita pelos senadores que compõem a Comissão de Relações Exteriores. Em seguida, o nome deve ser submetido ao plenário do Senado.

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