Política de paróquia fixa caciques no poder


A estrutura política do Brasil vem, por quase 30 anos, dando poder a caciques como ACM, Jader Barbalho, Marco Maciel, José Sarney e Jorge Bornhausen, freqüentadores assíduos dos primeiros escalões da República

Por Agencia Estado

A briga entre os senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Jader Barbalho (PMDB-PA), que conseguiu paralisar o governo e o Congresso desde o início do ano, tem raízes mais profundas do que poderia sugerir um conflito de interesses ou uma guerra de vaidades. É possível entender melhor a dimensão da crise a partir da estrutura paroquial da política do País, que permitiu a meia dúzia de caciques regionais se manter no poder durante as três últimas décadas. Pelo menos desde o governo Ernesto Geisel (1974-1979) esse seleto grupo, que inclui ainda o vice presidente Marco Maciel (PFL-PE) e os senadores José Sarney (PMDB-AP) e Jorge Bornhausen (PFL-SC), freqüenta com assiduidade os primeiros escalões da República. De uma maneira ou de outra, esses cinco políticos jamais se desligaram do poder federal. Todos foram governadores e o único que não virou ministro, José Sarney, acabou presidente. Alguns, como Marco Maciel e ACM, estão sempre na lista dos presidenciáveis. Mas o poder formal, como ministro ou qualquer outro cargo de primeiro escalão, foi sempre uma mera circunstância, para todos. Com uma rede de influências que se ramificou a partir do Estado de origem, consolidou-se nas bancadas do Congresso e espalhou-se por estatais e órgãos públicos, eles nunca dependeram do governo de plantão para exercer sua influência. Mesmo nas raras vezes em que ficaram fora do governo, assumiram papel decisivo nas questões mais delicadas para o presidente. É o caso de ACM, que estava fora de Brasília durante a gestão de Fernando Collor (1990-1992), mas comandou da Bahia a resistência contra o impeachment e chegou a mudar o voto do seu filho, o deputado Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), que era a favor do afastamento do presidente. A guerra foi perdida por Collor, mas não passou de uma batalha para ACM, que manteve intacto seu prestígio federal. No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, de volta ao Congresso, chegou à presidência do Senado e continuou, mais do que nunca, a atuar na cena política nacional. Quem não acompanhou o "chefe" na questão do impeachment acabou caindo em desgraça na Bahia - como o deputado Benito Gama, obrigado a mudar do PFL para o PMDB, no fim do ano passado. O isolamento dos adversários é apenas uma das características dos caciques políticos, mas não seria suficiente para explicar presenças tão marcantes. Eles se fortaleceram com a distribuição de cargos no Estado e se consolidaram na cumplicidade do Legislativo, do Tribunal de Contas, do Ministério Público e até de parte do Judiciário local. A onipotência em seus Estados se reflete nas bancadas federais e alcança os ministérios e as grandes estatais. Subsistência - Quando um desses caciques assume um cargo federal, a rede de influências é tecida de maneira tão sólida e se multiplica a tal ponto que garante a subsistência do esquema mesmo depois da saída do titular. É assim, por exemplo, que ACM conseguiu manter durante 30 anos o controle da Eletrobrás. Após exercer a presidência da empresa, no governo Geisel, o senador baiano jamais deixou de influir no primeiro escalão da estatal. Seu reinado só veio a trincar no início deste ano, no auge da briga com o governo, quando o presidente da companhia, Firmino Neto, foi demitido. Do mesmo modo, Jader deixou o Ministério da Reforma Agrária, no governo Sarney, para o amigo Nelson Ribeiro, que havia presidido o Banco Estadual do Pará (Banpará) quando ele fora governador. Aliás, o estágio máximo do caciquismo não é virar ministro, mas chegar a indicar ministros. Ninguém superou ACM, que no atual governo, além do comando da Eletrobrás, indicou Rodolpho Tourinho (Minas e Energia) e Waldeck Ornélas (Previdência Social), só afastados em março, por causa do conflito do senador com o Palácio do Planalto. "ACM era tido no próprio Planalto como a figura mais forte do País", observa o senador Pedro Simon (PMDB-RS), que também já foi governador e ministro. Ele cita pesquisa feita pelo governo, em que ACM aparece como o principal risco para a imagem de Fernando Henrique. "Os dados mostram que, nos últimos três anos, ACM sozinho foi mais prejudicial ao presidente do que todo o PT", diz Simon. "Foi só aí que o Fernando Henrique resolveu reagir." Herdeiros - É dos caciques, de todo modo, deixar herdeiros e, mesmo afastados, influir nos diversos escalões de poder. Ainda se fala, por exemplo, na bancada do Sarney, que preserva enorme influência também na cúpula da Petrobrás. Não é por outra razão que um conflito como esse, entre Jader e ACM, causa tanta ebulição no governo e no Congresso. "Eles representam clãs políticos que mantém os mesmos personagens defendendo os mesmos grupos e interesses", explica a cientista política Maria Vitória Benevides. "Esses grupos acabaram privatizando o poder público e Fernando Henrique tornou-se refém desse esquema ao fazer aliança política com eles." Para manter esse domínio em época de privatização, quando os espaços no governo vão diminuindo, e de surgimento de novos líderes, os caciques começam a tentar uma reciclagem. Na opinião do cientista político Denis Rosenfield, trata-se de uma estratégia de sobrevida. "Ao levantar a bandeira anticorrupção, tarefa para a qual não estão habilitados, Jader e ACM lançam mão de uma tática de sobrevivência e ao mesmo tempo impedem a renovação das lideranças", analisa Rosenfield. Esssa estratégia dos caciques mais tradicionais parece ter feito escola. O governador de Minas Gerais, Itamar Franco (PMDB), por exemplo, está em plena cruzada moral contra o governo Fernando Henrique para tentar se descolar do governo Collor, em que foi vice-presidente. Itamar só chegou ao Planalto porque seu companheiro de chapa foi o primeiro presidente do País afastado por corrupção, mas na semana passada declarou que o "governo FHC é o mais corrupto da história" . A própria relação entre Itamar Franco e ACM é prova de que o caciquismo prescinde de qualquer pudor. Depois de trocarem graves ofensas pessoais (numa época em que Jader e ACM se elogiavam), os dois agora parecem próximos. Se os caciques extrapolam todos os limites até chegar ao poder, imagine o que não fazem para se manter nele.

A briga entre os senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Jader Barbalho (PMDB-PA), que conseguiu paralisar o governo e o Congresso desde o início do ano, tem raízes mais profundas do que poderia sugerir um conflito de interesses ou uma guerra de vaidades. É possível entender melhor a dimensão da crise a partir da estrutura paroquial da política do País, que permitiu a meia dúzia de caciques regionais se manter no poder durante as três últimas décadas. Pelo menos desde o governo Ernesto Geisel (1974-1979) esse seleto grupo, que inclui ainda o vice presidente Marco Maciel (PFL-PE) e os senadores José Sarney (PMDB-AP) e Jorge Bornhausen (PFL-SC), freqüenta com assiduidade os primeiros escalões da República. De uma maneira ou de outra, esses cinco políticos jamais se desligaram do poder federal. Todos foram governadores e o único que não virou ministro, José Sarney, acabou presidente. Alguns, como Marco Maciel e ACM, estão sempre na lista dos presidenciáveis. Mas o poder formal, como ministro ou qualquer outro cargo de primeiro escalão, foi sempre uma mera circunstância, para todos. Com uma rede de influências que se ramificou a partir do Estado de origem, consolidou-se nas bancadas do Congresso e espalhou-se por estatais e órgãos públicos, eles nunca dependeram do governo de plantão para exercer sua influência. Mesmo nas raras vezes em que ficaram fora do governo, assumiram papel decisivo nas questões mais delicadas para o presidente. É o caso de ACM, que estava fora de Brasília durante a gestão de Fernando Collor (1990-1992), mas comandou da Bahia a resistência contra o impeachment e chegou a mudar o voto do seu filho, o deputado Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), que era a favor do afastamento do presidente. A guerra foi perdida por Collor, mas não passou de uma batalha para ACM, que manteve intacto seu prestígio federal. No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, de volta ao Congresso, chegou à presidência do Senado e continuou, mais do que nunca, a atuar na cena política nacional. Quem não acompanhou o "chefe" na questão do impeachment acabou caindo em desgraça na Bahia - como o deputado Benito Gama, obrigado a mudar do PFL para o PMDB, no fim do ano passado. O isolamento dos adversários é apenas uma das características dos caciques políticos, mas não seria suficiente para explicar presenças tão marcantes. Eles se fortaleceram com a distribuição de cargos no Estado e se consolidaram na cumplicidade do Legislativo, do Tribunal de Contas, do Ministério Público e até de parte do Judiciário local. A onipotência em seus Estados se reflete nas bancadas federais e alcança os ministérios e as grandes estatais. Subsistência - Quando um desses caciques assume um cargo federal, a rede de influências é tecida de maneira tão sólida e se multiplica a tal ponto que garante a subsistência do esquema mesmo depois da saída do titular. É assim, por exemplo, que ACM conseguiu manter durante 30 anos o controle da Eletrobrás. Após exercer a presidência da empresa, no governo Geisel, o senador baiano jamais deixou de influir no primeiro escalão da estatal. Seu reinado só veio a trincar no início deste ano, no auge da briga com o governo, quando o presidente da companhia, Firmino Neto, foi demitido. Do mesmo modo, Jader deixou o Ministério da Reforma Agrária, no governo Sarney, para o amigo Nelson Ribeiro, que havia presidido o Banco Estadual do Pará (Banpará) quando ele fora governador. Aliás, o estágio máximo do caciquismo não é virar ministro, mas chegar a indicar ministros. Ninguém superou ACM, que no atual governo, além do comando da Eletrobrás, indicou Rodolpho Tourinho (Minas e Energia) e Waldeck Ornélas (Previdência Social), só afastados em março, por causa do conflito do senador com o Palácio do Planalto. "ACM era tido no próprio Planalto como a figura mais forte do País", observa o senador Pedro Simon (PMDB-RS), que também já foi governador e ministro. Ele cita pesquisa feita pelo governo, em que ACM aparece como o principal risco para a imagem de Fernando Henrique. "Os dados mostram que, nos últimos três anos, ACM sozinho foi mais prejudicial ao presidente do que todo o PT", diz Simon. "Foi só aí que o Fernando Henrique resolveu reagir." Herdeiros - É dos caciques, de todo modo, deixar herdeiros e, mesmo afastados, influir nos diversos escalões de poder. Ainda se fala, por exemplo, na bancada do Sarney, que preserva enorme influência também na cúpula da Petrobrás. Não é por outra razão que um conflito como esse, entre Jader e ACM, causa tanta ebulição no governo e no Congresso. "Eles representam clãs políticos que mantém os mesmos personagens defendendo os mesmos grupos e interesses", explica a cientista política Maria Vitória Benevides. "Esses grupos acabaram privatizando o poder público e Fernando Henrique tornou-se refém desse esquema ao fazer aliança política com eles." Para manter esse domínio em época de privatização, quando os espaços no governo vão diminuindo, e de surgimento de novos líderes, os caciques começam a tentar uma reciclagem. Na opinião do cientista político Denis Rosenfield, trata-se de uma estratégia de sobrevida. "Ao levantar a bandeira anticorrupção, tarefa para a qual não estão habilitados, Jader e ACM lançam mão de uma tática de sobrevivência e ao mesmo tempo impedem a renovação das lideranças", analisa Rosenfield. Esssa estratégia dos caciques mais tradicionais parece ter feito escola. O governador de Minas Gerais, Itamar Franco (PMDB), por exemplo, está em plena cruzada moral contra o governo Fernando Henrique para tentar se descolar do governo Collor, em que foi vice-presidente. Itamar só chegou ao Planalto porque seu companheiro de chapa foi o primeiro presidente do País afastado por corrupção, mas na semana passada declarou que o "governo FHC é o mais corrupto da história" . A própria relação entre Itamar Franco e ACM é prova de que o caciquismo prescinde de qualquer pudor. Depois de trocarem graves ofensas pessoais (numa época em que Jader e ACM se elogiavam), os dois agora parecem próximos. Se os caciques extrapolam todos os limites até chegar ao poder, imagine o que não fazem para se manter nele.

A briga entre os senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Jader Barbalho (PMDB-PA), que conseguiu paralisar o governo e o Congresso desde o início do ano, tem raízes mais profundas do que poderia sugerir um conflito de interesses ou uma guerra de vaidades. É possível entender melhor a dimensão da crise a partir da estrutura paroquial da política do País, que permitiu a meia dúzia de caciques regionais se manter no poder durante as três últimas décadas. Pelo menos desde o governo Ernesto Geisel (1974-1979) esse seleto grupo, que inclui ainda o vice presidente Marco Maciel (PFL-PE) e os senadores José Sarney (PMDB-AP) e Jorge Bornhausen (PFL-SC), freqüenta com assiduidade os primeiros escalões da República. De uma maneira ou de outra, esses cinco políticos jamais se desligaram do poder federal. Todos foram governadores e o único que não virou ministro, José Sarney, acabou presidente. Alguns, como Marco Maciel e ACM, estão sempre na lista dos presidenciáveis. Mas o poder formal, como ministro ou qualquer outro cargo de primeiro escalão, foi sempre uma mera circunstância, para todos. Com uma rede de influências que se ramificou a partir do Estado de origem, consolidou-se nas bancadas do Congresso e espalhou-se por estatais e órgãos públicos, eles nunca dependeram do governo de plantão para exercer sua influência. Mesmo nas raras vezes em que ficaram fora do governo, assumiram papel decisivo nas questões mais delicadas para o presidente. É o caso de ACM, que estava fora de Brasília durante a gestão de Fernando Collor (1990-1992), mas comandou da Bahia a resistência contra o impeachment e chegou a mudar o voto do seu filho, o deputado Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), que era a favor do afastamento do presidente. A guerra foi perdida por Collor, mas não passou de uma batalha para ACM, que manteve intacto seu prestígio federal. No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, de volta ao Congresso, chegou à presidência do Senado e continuou, mais do que nunca, a atuar na cena política nacional. Quem não acompanhou o "chefe" na questão do impeachment acabou caindo em desgraça na Bahia - como o deputado Benito Gama, obrigado a mudar do PFL para o PMDB, no fim do ano passado. O isolamento dos adversários é apenas uma das características dos caciques políticos, mas não seria suficiente para explicar presenças tão marcantes. Eles se fortaleceram com a distribuição de cargos no Estado e se consolidaram na cumplicidade do Legislativo, do Tribunal de Contas, do Ministério Público e até de parte do Judiciário local. A onipotência em seus Estados se reflete nas bancadas federais e alcança os ministérios e as grandes estatais. Subsistência - Quando um desses caciques assume um cargo federal, a rede de influências é tecida de maneira tão sólida e se multiplica a tal ponto que garante a subsistência do esquema mesmo depois da saída do titular. É assim, por exemplo, que ACM conseguiu manter durante 30 anos o controle da Eletrobrás. Após exercer a presidência da empresa, no governo Geisel, o senador baiano jamais deixou de influir no primeiro escalão da estatal. Seu reinado só veio a trincar no início deste ano, no auge da briga com o governo, quando o presidente da companhia, Firmino Neto, foi demitido. Do mesmo modo, Jader deixou o Ministério da Reforma Agrária, no governo Sarney, para o amigo Nelson Ribeiro, que havia presidido o Banco Estadual do Pará (Banpará) quando ele fora governador. Aliás, o estágio máximo do caciquismo não é virar ministro, mas chegar a indicar ministros. Ninguém superou ACM, que no atual governo, além do comando da Eletrobrás, indicou Rodolpho Tourinho (Minas e Energia) e Waldeck Ornélas (Previdência Social), só afastados em março, por causa do conflito do senador com o Palácio do Planalto. "ACM era tido no próprio Planalto como a figura mais forte do País", observa o senador Pedro Simon (PMDB-RS), que também já foi governador e ministro. Ele cita pesquisa feita pelo governo, em que ACM aparece como o principal risco para a imagem de Fernando Henrique. "Os dados mostram que, nos últimos três anos, ACM sozinho foi mais prejudicial ao presidente do que todo o PT", diz Simon. "Foi só aí que o Fernando Henrique resolveu reagir." Herdeiros - É dos caciques, de todo modo, deixar herdeiros e, mesmo afastados, influir nos diversos escalões de poder. Ainda se fala, por exemplo, na bancada do Sarney, que preserva enorme influência também na cúpula da Petrobrás. Não é por outra razão que um conflito como esse, entre Jader e ACM, causa tanta ebulição no governo e no Congresso. "Eles representam clãs políticos que mantém os mesmos personagens defendendo os mesmos grupos e interesses", explica a cientista política Maria Vitória Benevides. "Esses grupos acabaram privatizando o poder público e Fernando Henrique tornou-se refém desse esquema ao fazer aliança política com eles." Para manter esse domínio em época de privatização, quando os espaços no governo vão diminuindo, e de surgimento de novos líderes, os caciques começam a tentar uma reciclagem. Na opinião do cientista político Denis Rosenfield, trata-se de uma estratégia de sobrevida. "Ao levantar a bandeira anticorrupção, tarefa para a qual não estão habilitados, Jader e ACM lançam mão de uma tática de sobrevivência e ao mesmo tempo impedem a renovação das lideranças", analisa Rosenfield. Esssa estratégia dos caciques mais tradicionais parece ter feito escola. O governador de Minas Gerais, Itamar Franco (PMDB), por exemplo, está em plena cruzada moral contra o governo Fernando Henrique para tentar se descolar do governo Collor, em que foi vice-presidente. Itamar só chegou ao Planalto porque seu companheiro de chapa foi o primeiro presidente do País afastado por corrupção, mas na semana passada declarou que o "governo FHC é o mais corrupto da história" . A própria relação entre Itamar Franco e ACM é prova de que o caciquismo prescinde de qualquer pudor. Depois de trocarem graves ofensas pessoais (numa época em que Jader e ACM se elogiavam), os dois agora parecem próximos. Se os caciques extrapolam todos os limites até chegar ao poder, imagine o que não fazem para se manter nele.

A briga entre os senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Jader Barbalho (PMDB-PA), que conseguiu paralisar o governo e o Congresso desde o início do ano, tem raízes mais profundas do que poderia sugerir um conflito de interesses ou uma guerra de vaidades. É possível entender melhor a dimensão da crise a partir da estrutura paroquial da política do País, que permitiu a meia dúzia de caciques regionais se manter no poder durante as três últimas décadas. Pelo menos desde o governo Ernesto Geisel (1974-1979) esse seleto grupo, que inclui ainda o vice presidente Marco Maciel (PFL-PE) e os senadores José Sarney (PMDB-AP) e Jorge Bornhausen (PFL-SC), freqüenta com assiduidade os primeiros escalões da República. De uma maneira ou de outra, esses cinco políticos jamais se desligaram do poder federal. Todos foram governadores e o único que não virou ministro, José Sarney, acabou presidente. Alguns, como Marco Maciel e ACM, estão sempre na lista dos presidenciáveis. Mas o poder formal, como ministro ou qualquer outro cargo de primeiro escalão, foi sempre uma mera circunstância, para todos. Com uma rede de influências que se ramificou a partir do Estado de origem, consolidou-se nas bancadas do Congresso e espalhou-se por estatais e órgãos públicos, eles nunca dependeram do governo de plantão para exercer sua influência. Mesmo nas raras vezes em que ficaram fora do governo, assumiram papel decisivo nas questões mais delicadas para o presidente. É o caso de ACM, que estava fora de Brasília durante a gestão de Fernando Collor (1990-1992), mas comandou da Bahia a resistência contra o impeachment e chegou a mudar o voto do seu filho, o deputado Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), que era a favor do afastamento do presidente. A guerra foi perdida por Collor, mas não passou de uma batalha para ACM, que manteve intacto seu prestígio federal. No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, de volta ao Congresso, chegou à presidência do Senado e continuou, mais do que nunca, a atuar na cena política nacional. Quem não acompanhou o "chefe" na questão do impeachment acabou caindo em desgraça na Bahia - como o deputado Benito Gama, obrigado a mudar do PFL para o PMDB, no fim do ano passado. O isolamento dos adversários é apenas uma das características dos caciques políticos, mas não seria suficiente para explicar presenças tão marcantes. Eles se fortaleceram com a distribuição de cargos no Estado e se consolidaram na cumplicidade do Legislativo, do Tribunal de Contas, do Ministério Público e até de parte do Judiciário local. A onipotência em seus Estados se reflete nas bancadas federais e alcança os ministérios e as grandes estatais. Subsistência - Quando um desses caciques assume um cargo federal, a rede de influências é tecida de maneira tão sólida e se multiplica a tal ponto que garante a subsistência do esquema mesmo depois da saída do titular. É assim, por exemplo, que ACM conseguiu manter durante 30 anos o controle da Eletrobrás. Após exercer a presidência da empresa, no governo Geisel, o senador baiano jamais deixou de influir no primeiro escalão da estatal. Seu reinado só veio a trincar no início deste ano, no auge da briga com o governo, quando o presidente da companhia, Firmino Neto, foi demitido. Do mesmo modo, Jader deixou o Ministério da Reforma Agrária, no governo Sarney, para o amigo Nelson Ribeiro, que havia presidido o Banco Estadual do Pará (Banpará) quando ele fora governador. Aliás, o estágio máximo do caciquismo não é virar ministro, mas chegar a indicar ministros. Ninguém superou ACM, que no atual governo, além do comando da Eletrobrás, indicou Rodolpho Tourinho (Minas e Energia) e Waldeck Ornélas (Previdência Social), só afastados em março, por causa do conflito do senador com o Palácio do Planalto. "ACM era tido no próprio Planalto como a figura mais forte do País", observa o senador Pedro Simon (PMDB-RS), que também já foi governador e ministro. Ele cita pesquisa feita pelo governo, em que ACM aparece como o principal risco para a imagem de Fernando Henrique. "Os dados mostram que, nos últimos três anos, ACM sozinho foi mais prejudicial ao presidente do que todo o PT", diz Simon. "Foi só aí que o Fernando Henrique resolveu reagir." Herdeiros - É dos caciques, de todo modo, deixar herdeiros e, mesmo afastados, influir nos diversos escalões de poder. Ainda se fala, por exemplo, na bancada do Sarney, que preserva enorme influência também na cúpula da Petrobrás. Não é por outra razão que um conflito como esse, entre Jader e ACM, causa tanta ebulição no governo e no Congresso. "Eles representam clãs políticos que mantém os mesmos personagens defendendo os mesmos grupos e interesses", explica a cientista política Maria Vitória Benevides. "Esses grupos acabaram privatizando o poder público e Fernando Henrique tornou-se refém desse esquema ao fazer aliança política com eles." Para manter esse domínio em época de privatização, quando os espaços no governo vão diminuindo, e de surgimento de novos líderes, os caciques começam a tentar uma reciclagem. Na opinião do cientista político Denis Rosenfield, trata-se de uma estratégia de sobrevida. "Ao levantar a bandeira anticorrupção, tarefa para a qual não estão habilitados, Jader e ACM lançam mão de uma tática de sobrevivência e ao mesmo tempo impedem a renovação das lideranças", analisa Rosenfield. Esssa estratégia dos caciques mais tradicionais parece ter feito escola. O governador de Minas Gerais, Itamar Franco (PMDB), por exemplo, está em plena cruzada moral contra o governo Fernando Henrique para tentar se descolar do governo Collor, em que foi vice-presidente. Itamar só chegou ao Planalto porque seu companheiro de chapa foi o primeiro presidente do País afastado por corrupção, mas na semana passada declarou que o "governo FHC é o mais corrupto da história" . A própria relação entre Itamar Franco e ACM é prova de que o caciquismo prescinde de qualquer pudor. Depois de trocarem graves ofensas pessoais (numa época em que Jader e ACM se elogiavam), os dois agora parecem próximos. Se os caciques extrapolam todos os limites até chegar ao poder, imagine o que não fazem para se manter nele.

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