Não se tem notícia, entre a coleção aparentemente infindável de declarações sem pé nem cabeça que é capaz de produzir, que Jair Bolsonaro já tenha flertado com a teoria da terra plana. Mas a julgar pela visão de mundo que tem externado em falas, gestos e políticas de seu governo, o presidente brasileiro acha que o mundo é estreito e dividido toscamente entre esquerda e direita, amigos e inimigos, mocinhos e bandidos.
E nem na hora de catalogar os países e colocá-los nessas caixinhas ele demonstra alguma clareza. O nível dos impropérios dirigidos à Noruega e à Alemanha por Bolsonaro é difícil até de analisar. Diante da suspensão de quase R$ 300 milhões do Fundo Amazônia por esses dois países, o presidente se saiu com mitadas sem nexo, do nível que alunos da quinta série dirigem uns aos outros no recreio. Algo como: “Eles (os noruegueses vilões) que usem o dinheiro para reflorestar a Alemanha”. Pausa para constrangimento geral.
Desde 2009, os dois países já doaram (doaram, não emprestaram) R$ 3,4 bilhões para o fundo. A maior parte desse dinheiro vai para órgãos dos governos federal e estaduais, como o sucateado Ibama, e se destina a comprar veículos para fiscalização de ações de desmatamento, grilagem e outras práticas criminosas. Os recursos são administrados pelo BNDES.
Abrir mão desses recursos num cenário em que as restrições orçamentárias atingem mais fortemente pastas como a do Meio Ambiente, historicamente um patinho feio na Esplanada, não é nenhuma afirmação de soberania, não se trata de substituir uma “narrativa esquerdista” por outra de direita e nenhuma bobagem similar. Trata-se única e exclusivamente de rasgar dinheiro e passar vergonha diante do mundo. Esse que Bolsonaro teima em estreitar e perante o qual insiste em diminuir o Brasil.
O presidente e seu ministro do Meio Ambiente preferem mitar para a aldeia de convertidos, não se importando nem em ameaçar, no médio prazo, a reputação inclusive do agronegócio brasileiro, que teoricamente pretendem prestigiar. O 17.º Congresso Brasileiro do Agronegócio, realizado pela Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), foi aberto por uma fala de Jingtao Chi, presidente da COFCO International, a maior estatal chinesa da área de processamento, fabricação e comercialização de alimentos. Em resumo, o maior comprador das commodities agrícolas brasileiras.
A sustentabilidade esteve no centro do discurso do chinês, de tal forma enfatizada que chamou a atenção e preocupou os representantes do agronegócio brasileiro presentes na plateia. Ele deu uma mensagem clara: os chineses se preocupam com a origem sustentável dos alimentos que consomem. Não estamos falando da Europa para a qual Bolsonaro torce o nariz. Mas dos nossos maiores compradores.
Em outra frente, a forma truculenta com que Bolsonaro dá pitaco na eleição da Argentina, contrariando qualquer manual básico de diplomacia, começa a ameaçar inclusive a continuidade do Mercosul, caso a chapa Fernandez-Kirchner vença. A retórica incendiária vem depois da assinatura do acordo histórico entre o bloco e a União Europeia – acordo este, aliás, que tem uma série de obstáculos pela frente, inclusive referentes às mesmas questões ambientais, para ser plenamente referendado e entrar em vigor, algo previsto só para daqui a alguns anos.
Perante o mundo, uma política externa assim abilolada deteriora a imagem do Brasil, que passa a ser visto como um país que despreza acordos, trata parceiros como inimigos, debocha de aliados, se porta de forma subserviente em relação aos Estados Unidos e não tem nenhum plano de ação para conter o inconteste aumento do desmatamento que já nos faz perder dinheiro e pode nos levar no curto prazo a perder negócios.