Na periferia, uma São Paulo em que enchentes são rotina


Com casas frequentemente invadidas pela água, moradores do extremo leste tomam medidas por conta própria para reduzir dano e até instalam sirenes de alerta

Por Priscila Mengue

SÃO PAULO -  Coloca as galochas, entra na água suja, sobe os móveis e eletrodomésticos, tira o carro, liga para a Defesa Civil. O extremo leste viveu na segunda-feira, 10, mais um dia de uma rotina histórica de enchentes de verão. Diferentemente das áreas mais nobres e centrais da cidade de São Paulo, já limpas e normalizadas, contudo, bairros do extremo leste, como Vila Itaim e Vila Alabama, ainda convivem com água e sujeira dentro de casa e na rua. 

Na Vila Itaim, chuva alagou até mesmo pôlder do governo do Estado Foto: Euclides Mendes/Arquivo pessoal

A ineficiência do poder público para resolver a situação tem levado moradores a improvisar soluções, de entrar em galerias para retirar lixo até instalar um sistema de alerta de enchentes, comprado com uma vaquinha de R$ 780 em 2017. 

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“Foi um sacrifício comprar, muitas pessoas tinham perdido tudo na última enchente”, lembra o comerciante Francisco Alves da Silva, de 33 anos, fundador da Associação de Moradores da Vila Alabama. O bairro contabiliza quatro enchentes desde 20 de dezembro do ano passado. “Tem moradores de certa idade, com dificuldade para se locomover. Imagina você receber 1,5 metro de água em casa e não poder fazer nada?”

Pela manhã de segunda, ele acionou o alerta com três toques, sinal de que o Córrego Itaim estava prestes a transbordar, o que ocorreu após as 7h20. “Chegou a 1 metro e 20 centímetros de água. A gente comunicou a respeito dessa enchente e não vieram ainda, não mandaram nem um carro-pipa para resolver a sujeira que ficou.”

Segundo Francisco, a água baixou pouco antes do meio-dia de segunda, mas a sujeira permanecia nas ruas até o fim da tarde desta terça-feira, 11, sem a presença de ações de limpeza e zeladoria da Prefeitura. “Está com muito barro, ainda tem acúmulo de água em algumas partes. A água é suja, com aquela massa bem pegajosa. Quando secar vai ser pior, porque a poeira vai subir. E, quando seca, fede mesmo.”

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A rotina de enchentes também impacta no ambiente doméstico da Vila Alabama. A desconfiança de que a água vá voltar a subir faz com que alguns moradores ainda não tenham colocado os móveis de volta no chão. “As pessoas não compram mais nada para dentro de casa. Você desmotiva uma das coisas que a pessoa tem de mais precioso, que é chegar em casa. As pessoas da Vila Alabama não tem esse prazer, essa realização.”

“A gente é o extremo leste, mora nos fundos. Conforme não tem tanta repercussão a nossa região, isso influencia muito na omissão deles (das autoridades). Se morasse um famoso aqui, com certeza já iriam mandar (limpar).”

Subir os móveis durante a enchente é quase rotina na Vila Alabama Foto: Francisco Jerry Alves/Arquivo pessoal
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Água suja brota do ralo, da pia, da privada...

Também no extremo leste, a Vila Itaim ainda tinha água até a cintura na tarde desta terça. “Estamos ilhados, cercados de água por todos os lados. Ergui as camas e as crianças ficam em cima”, lamenta o comerciante Estêvão Souza, de 33 anos, que não dormiu na noite seguinte à enchente por medo da situação piorar. Ele vive com a esposa e seis filhos, o mais novo de um ano de idade. “Estamos a Deus dará.”

Estêvão instalou uma comporta para conter a água, mas não adiantou: a sujeira subiu pelo ralo, pela pia e a privada. “A água suja, preta, vem minando do chão”, lamenta. “Minha família perdeu tudo, móveis, roupas. Estou com a roupa do corpo há dois dias. A água não escoa, estamos respirando essa sujeira do (Rio) Tietê. Não tem como dar banho nas crianças, porque a água está até o joelho dentro de casa.”

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“A água também atingiu a comida, estamos se virando com algumas coisinhas. O bar aqui do lado também está cheio de água”, conta. “Creio que aqui é um lugar esquecido por Deus e, indiretamente, pelo poder público. Estão esperando uma tragédia, que alguém morra afogado, que uma casa caia. A enchente já abalou as estruturas, a minha casa está toda úmida”, lamenta.  “As famílias daqui são tratadas como se fossem descartáveis.”

Também morador da Vila Itaim, o comerciante Isaltino Pereira, de 50 anos, recebeu a conta de IPTU de R$ 5,6 mil poucos dias antes da última enchente. Com a água na altura do joelho, improvisou uma cozinha no segundo andar de casa.  “Todo ano entra água, todo ano enche de água. Ano passado, nessa mesma época, a gente ficou quase um mês assim. Não acredito que seja resolvido tão cedo (pelo poder público).”

Ele conseguiu tirar o carro da garagem a tempo, colocado em um estacionamento pago. “Minha neta de 13 anos não está indo para a aula. Hoje não abri a minha pizzaria. Não alagou lá, mas tem pouco movimento por causa da enchente. Na rua, galocha não adianta, porque a água chega quase na cintura.”

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“Não perdi nada, graças a Deus. A gente vai ficando calejado. Começou a chover, já vai tirando”, explica. “O que a gente acha injusto é ter que pagar esse IPTU para morar em um lugar que tenho que sair com a água cobrindo a cintura. O que estão fazendo com esse dinheiro? Que estrutura estamos tendo?”

Líder comunitário da região, Euclides Mendes utilizou um drone para fazer imagens do alagamento que atingiu até mesmo o pôlder que deveria conter a enchente na Vila Itaim, construído pelo governo do Estado.

Ele também critica a falta de atendimento da Defesa Civil, que costumava montar uma base na região em situações desse tipo para disponibilizar cloro, ajudar famílias a sair de casa, analisar os dados e distribuir atestados. 

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Em nota, o governo do Estado alega que “as cheias no local foram em decorrência do alto volume de chuva”. “Vale ressaltar que o pôlder da Vila Itaim está em funcionamento e evitou que uma maior quantidade de água chegasse às ruas. O bairro faz parte da área de Várzea do Tietê, com topografia plana, portanto, naturalmente inunda em períodos chuvosos”, alega em nota.

Já a Prefeitura de São Paulo enviou comunicado em que cita obras em geral para prevenção de enchentes e alega que “os serviços de limpeza de córregos, galeria e boca de lobo foram intensificados na região desde o final do ano passado, visando a prevenção das enchentes durante o período de chuvas no início do ano”.

“No período de estiagem das chuvas, a administração regional dará início às obras de construção de um muro de contenção no Córrego Lajeado. Já está em andamento o sistema de drenagem nas ruas Tite de Lemos e rua Tietê. O objetivo com estas obras é amenizar as consequências dos alagamentos e desmoronamentos na região”, aponta a nota. 

SÃO PAULO -  Coloca as galochas, entra na água suja, sobe os móveis e eletrodomésticos, tira o carro, liga para a Defesa Civil. O extremo leste viveu na segunda-feira, 10, mais um dia de uma rotina histórica de enchentes de verão. Diferentemente das áreas mais nobres e centrais da cidade de São Paulo, já limpas e normalizadas, contudo, bairros do extremo leste, como Vila Itaim e Vila Alabama, ainda convivem com água e sujeira dentro de casa e na rua. 

Na Vila Itaim, chuva alagou até mesmo pôlder do governo do Estado Foto: Euclides Mendes/Arquivo pessoal

A ineficiência do poder público para resolver a situação tem levado moradores a improvisar soluções, de entrar em galerias para retirar lixo até instalar um sistema de alerta de enchentes, comprado com uma vaquinha de R$ 780 em 2017. 

“Foi um sacrifício comprar, muitas pessoas tinham perdido tudo na última enchente”, lembra o comerciante Francisco Alves da Silva, de 33 anos, fundador da Associação de Moradores da Vila Alabama. O bairro contabiliza quatro enchentes desde 20 de dezembro do ano passado. “Tem moradores de certa idade, com dificuldade para se locomover. Imagina você receber 1,5 metro de água em casa e não poder fazer nada?”

Pela manhã de segunda, ele acionou o alerta com três toques, sinal de que o Córrego Itaim estava prestes a transbordar, o que ocorreu após as 7h20. “Chegou a 1 metro e 20 centímetros de água. A gente comunicou a respeito dessa enchente e não vieram ainda, não mandaram nem um carro-pipa para resolver a sujeira que ficou.”

Segundo Francisco, a água baixou pouco antes do meio-dia de segunda, mas a sujeira permanecia nas ruas até o fim da tarde desta terça-feira, 11, sem a presença de ações de limpeza e zeladoria da Prefeitura. “Está com muito barro, ainda tem acúmulo de água em algumas partes. A água é suja, com aquela massa bem pegajosa. Quando secar vai ser pior, porque a poeira vai subir. E, quando seca, fede mesmo.”

A rotina de enchentes também impacta no ambiente doméstico da Vila Alabama. A desconfiança de que a água vá voltar a subir faz com que alguns moradores ainda não tenham colocado os móveis de volta no chão. “As pessoas não compram mais nada para dentro de casa. Você desmotiva uma das coisas que a pessoa tem de mais precioso, que é chegar em casa. As pessoas da Vila Alabama não tem esse prazer, essa realização.”

“A gente é o extremo leste, mora nos fundos. Conforme não tem tanta repercussão a nossa região, isso influencia muito na omissão deles (das autoridades). Se morasse um famoso aqui, com certeza já iriam mandar (limpar).”

Subir os móveis durante a enchente é quase rotina na Vila Alabama Foto: Francisco Jerry Alves/Arquivo pessoal

Água suja brota do ralo, da pia, da privada...

Também no extremo leste, a Vila Itaim ainda tinha água até a cintura na tarde desta terça. “Estamos ilhados, cercados de água por todos os lados. Ergui as camas e as crianças ficam em cima”, lamenta o comerciante Estêvão Souza, de 33 anos, que não dormiu na noite seguinte à enchente por medo da situação piorar. Ele vive com a esposa e seis filhos, o mais novo de um ano de idade. “Estamos a Deus dará.”

Estêvão instalou uma comporta para conter a água, mas não adiantou: a sujeira subiu pelo ralo, pela pia e a privada. “A água suja, preta, vem minando do chão”, lamenta. “Minha família perdeu tudo, móveis, roupas. Estou com a roupa do corpo há dois dias. A água não escoa, estamos respirando essa sujeira do (Rio) Tietê. Não tem como dar banho nas crianças, porque a água está até o joelho dentro de casa.”

“A água também atingiu a comida, estamos se virando com algumas coisinhas. O bar aqui do lado também está cheio de água”, conta. “Creio que aqui é um lugar esquecido por Deus e, indiretamente, pelo poder público. Estão esperando uma tragédia, que alguém morra afogado, que uma casa caia. A enchente já abalou as estruturas, a minha casa está toda úmida”, lamenta.  “As famílias daqui são tratadas como se fossem descartáveis.”

Também morador da Vila Itaim, o comerciante Isaltino Pereira, de 50 anos, recebeu a conta de IPTU de R$ 5,6 mil poucos dias antes da última enchente. Com a água na altura do joelho, improvisou uma cozinha no segundo andar de casa.  “Todo ano entra água, todo ano enche de água. Ano passado, nessa mesma época, a gente ficou quase um mês assim. Não acredito que seja resolvido tão cedo (pelo poder público).”

Ele conseguiu tirar o carro da garagem a tempo, colocado em um estacionamento pago. “Minha neta de 13 anos não está indo para a aula. Hoje não abri a minha pizzaria. Não alagou lá, mas tem pouco movimento por causa da enchente. Na rua, galocha não adianta, porque a água chega quase na cintura.”

“Não perdi nada, graças a Deus. A gente vai ficando calejado. Começou a chover, já vai tirando”, explica. “O que a gente acha injusto é ter que pagar esse IPTU para morar em um lugar que tenho que sair com a água cobrindo a cintura. O que estão fazendo com esse dinheiro? Que estrutura estamos tendo?”

Líder comunitário da região, Euclides Mendes utilizou um drone para fazer imagens do alagamento que atingiu até mesmo o pôlder que deveria conter a enchente na Vila Itaim, construído pelo governo do Estado.

Ele também critica a falta de atendimento da Defesa Civil, que costumava montar uma base na região em situações desse tipo para disponibilizar cloro, ajudar famílias a sair de casa, analisar os dados e distribuir atestados. 

Em nota, o governo do Estado alega que “as cheias no local foram em decorrência do alto volume de chuva”. “Vale ressaltar que o pôlder da Vila Itaim está em funcionamento e evitou que uma maior quantidade de água chegasse às ruas. O bairro faz parte da área de Várzea do Tietê, com topografia plana, portanto, naturalmente inunda em períodos chuvosos”, alega em nota.

Já a Prefeitura de São Paulo enviou comunicado em que cita obras em geral para prevenção de enchentes e alega que “os serviços de limpeza de córregos, galeria e boca de lobo foram intensificados na região desde o final do ano passado, visando a prevenção das enchentes durante o período de chuvas no início do ano”.

“No período de estiagem das chuvas, a administração regional dará início às obras de construção de um muro de contenção no Córrego Lajeado. Já está em andamento o sistema de drenagem nas ruas Tite de Lemos e rua Tietê. O objetivo com estas obras é amenizar as consequências dos alagamentos e desmoronamentos na região”, aponta a nota. 

SÃO PAULO -  Coloca as galochas, entra na água suja, sobe os móveis e eletrodomésticos, tira o carro, liga para a Defesa Civil. O extremo leste viveu na segunda-feira, 10, mais um dia de uma rotina histórica de enchentes de verão. Diferentemente das áreas mais nobres e centrais da cidade de São Paulo, já limpas e normalizadas, contudo, bairros do extremo leste, como Vila Itaim e Vila Alabama, ainda convivem com água e sujeira dentro de casa e na rua. 

Na Vila Itaim, chuva alagou até mesmo pôlder do governo do Estado Foto: Euclides Mendes/Arquivo pessoal

A ineficiência do poder público para resolver a situação tem levado moradores a improvisar soluções, de entrar em galerias para retirar lixo até instalar um sistema de alerta de enchentes, comprado com uma vaquinha de R$ 780 em 2017. 

“Foi um sacrifício comprar, muitas pessoas tinham perdido tudo na última enchente”, lembra o comerciante Francisco Alves da Silva, de 33 anos, fundador da Associação de Moradores da Vila Alabama. O bairro contabiliza quatro enchentes desde 20 de dezembro do ano passado. “Tem moradores de certa idade, com dificuldade para se locomover. Imagina você receber 1,5 metro de água em casa e não poder fazer nada?”

Pela manhã de segunda, ele acionou o alerta com três toques, sinal de que o Córrego Itaim estava prestes a transbordar, o que ocorreu após as 7h20. “Chegou a 1 metro e 20 centímetros de água. A gente comunicou a respeito dessa enchente e não vieram ainda, não mandaram nem um carro-pipa para resolver a sujeira que ficou.”

Segundo Francisco, a água baixou pouco antes do meio-dia de segunda, mas a sujeira permanecia nas ruas até o fim da tarde desta terça-feira, 11, sem a presença de ações de limpeza e zeladoria da Prefeitura. “Está com muito barro, ainda tem acúmulo de água em algumas partes. A água é suja, com aquela massa bem pegajosa. Quando secar vai ser pior, porque a poeira vai subir. E, quando seca, fede mesmo.”

A rotina de enchentes também impacta no ambiente doméstico da Vila Alabama. A desconfiança de que a água vá voltar a subir faz com que alguns moradores ainda não tenham colocado os móveis de volta no chão. “As pessoas não compram mais nada para dentro de casa. Você desmotiva uma das coisas que a pessoa tem de mais precioso, que é chegar em casa. As pessoas da Vila Alabama não tem esse prazer, essa realização.”

“A gente é o extremo leste, mora nos fundos. Conforme não tem tanta repercussão a nossa região, isso influencia muito na omissão deles (das autoridades). Se morasse um famoso aqui, com certeza já iriam mandar (limpar).”

Subir os móveis durante a enchente é quase rotina na Vila Alabama Foto: Francisco Jerry Alves/Arquivo pessoal

Água suja brota do ralo, da pia, da privada...

Também no extremo leste, a Vila Itaim ainda tinha água até a cintura na tarde desta terça. “Estamos ilhados, cercados de água por todos os lados. Ergui as camas e as crianças ficam em cima”, lamenta o comerciante Estêvão Souza, de 33 anos, que não dormiu na noite seguinte à enchente por medo da situação piorar. Ele vive com a esposa e seis filhos, o mais novo de um ano de idade. “Estamos a Deus dará.”

Estêvão instalou uma comporta para conter a água, mas não adiantou: a sujeira subiu pelo ralo, pela pia e a privada. “A água suja, preta, vem minando do chão”, lamenta. “Minha família perdeu tudo, móveis, roupas. Estou com a roupa do corpo há dois dias. A água não escoa, estamos respirando essa sujeira do (Rio) Tietê. Não tem como dar banho nas crianças, porque a água está até o joelho dentro de casa.”

“A água também atingiu a comida, estamos se virando com algumas coisinhas. O bar aqui do lado também está cheio de água”, conta. “Creio que aqui é um lugar esquecido por Deus e, indiretamente, pelo poder público. Estão esperando uma tragédia, que alguém morra afogado, que uma casa caia. A enchente já abalou as estruturas, a minha casa está toda úmida”, lamenta.  “As famílias daqui são tratadas como se fossem descartáveis.”

Também morador da Vila Itaim, o comerciante Isaltino Pereira, de 50 anos, recebeu a conta de IPTU de R$ 5,6 mil poucos dias antes da última enchente. Com a água na altura do joelho, improvisou uma cozinha no segundo andar de casa.  “Todo ano entra água, todo ano enche de água. Ano passado, nessa mesma época, a gente ficou quase um mês assim. Não acredito que seja resolvido tão cedo (pelo poder público).”

Ele conseguiu tirar o carro da garagem a tempo, colocado em um estacionamento pago. “Minha neta de 13 anos não está indo para a aula. Hoje não abri a minha pizzaria. Não alagou lá, mas tem pouco movimento por causa da enchente. Na rua, galocha não adianta, porque a água chega quase na cintura.”

“Não perdi nada, graças a Deus. A gente vai ficando calejado. Começou a chover, já vai tirando”, explica. “O que a gente acha injusto é ter que pagar esse IPTU para morar em um lugar que tenho que sair com a água cobrindo a cintura. O que estão fazendo com esse dinheiro? Que estrutura estamos tendo?”

Líder comunitário da região, Euclides Mendes utilizou um drone para fazer imagens do alagamento que atingiu até mesmo o pôlder que deveria conter a enchente na Vila Itaim, construído pelo governo do Estado.

Ele também critica a falta de atendimento da Defesa Civil, que costumava montar uma base na região em situações desse tipo para disponibilizar cloro, ajudar famílias a sair de casa, analisar os dados e distribuir atestados. 

Em nota, o governo do Estado alega que “as cheias no local foram em decorrência do alto volume de chuva”. “Vale ressaltar que o pôlder da Vila Itaim está em funcionamento e evitou que uma maior quantidade de água chegasse às ruas. O bairro faz parte da área de Várzea do Tietê, com topografia plana, portanto, naturalmente inunda em períodos chuvosos”, alega em nota.

Já a Prefeitura de São Paulo enviou comunicado em que cita obras em geral para prevenção de enchentes e alega que “os serviços de limpeza de córregos, galeria e boca de lobo foram intensificados na região desde o final do ano passado, visando a prevenção das enchentes durante o período de chuvas no início do ano”.

“No período de estiagem das chuvas, a administração regional dará início às obras de construção de um muro de contenção no Córrego Lajeado. Já está em andamento o sistema de drenagem nas ruas Tite de Lemos e rua Tietê. O objetivo com estas obras é amenizar as consequências dos alagamentos e desmoronamentos na região”, aponta a nota. 

SÃO PAULO -  Coloca as galochas, entra na água suja, sobe os móveis e eletrodomésticos, tira o carro, liga para a Defesa Civil. O extremo leste viveu na segunda-feira, 10, mais um dia de uma rotina histórica de enchentes de verão. Diferentemente das áreas mais nobres e centrais da cidade de São Paulo, já limpas e normalizadas, contudo, bairros do extremo leste, como Vila Itaim e Vila Alabama, ainda convivem com água e sujeira dentro de casa e na rua. 

Na Vila Itaim, chuva alagou até mesmo pôlder do governo do Estado Foto: Euclides Mendes/Arquivo pessoal

A ineficiência do poder público para resolver a situação tem levado moradores a improvisar soluções, de entrar em galerias para retirar lixo até instalar um sistema de alerta de enchentes, comprado com uma vaquinha de R$ 780 em 2017. 

“Foi um sacrifício comprar, muitas pessoas tinham perdido tudo na última enchente”, lembra o comerciante Francisco Alves da Silva, de 33 anos, fundador da Associação de Moradores da Vila Alabama. O bairro contabiliza quatro enchentes desde 20 de dezembro do ano passado. “Tem moradores de certa idade, com dificuldade para se locomover. Imagina você receber 1,5 metro de água em casa e não poder fazer nada?”

Pela manhã de segunda, ele acionou o alerta com três toques, sinal de que o Córrego Itaim estava prestes a transbordar, o que ocorreu após as 7h20. “Chegou a 1 metro e 20 centímetros de água. A gente comunicou a respeito dessa enchente e não vieram ainda, não mandaram nem um carro-pipa para resolver a sujeira que ficou.”

Segundo Francisco, a água baixou pouco antes do meio-dia de segunda, mas a sujeira permanecia nas ruas até o fim da tarde desta terça-feira, 11, sem a presença de ações de limpeza e zeladoria da Prefeitura. “Está com muito barro, ainda tem acúmulo de água em algumas partes. A água é suja, com aquela massa bem pegajosa. Quando secar vai ser pior, porque a poeira vai subir. E, quando seca, fede mesmo.”

A rotina de enchentes também impacta no ambiente doméstico da Vila Alabama. A desconfiança de que a água vá voltar a subir faz com que alguns moradores ainda não tenham colocado os móveis de volta no chão. “As pessoas não compram mais nada para dentro de casa. Você desmotiva uma das coisas que a pessoa tem de mais precioso, que é chegar em casa. As pessoas da Vila Alabama não tem esse prazer, essa realização.”

“A gente é o extremo leste, mora nos fundos. Conforme não tem tanta repercussão a nossa região, isso influencia muito na omissão deles (das autoridades). Se morasse um famoso aqui, com certeza já iriam mandar (limpar).”

Subir os móveis durante a enchente é quase rotina na Vila Alabama Foto: Francisco Jerry Alves/Arquivo pessoal

Água suja brota do ralo, da pia, da privada...

Também no extremo leste, a Vila Itaim ainda tinha água até a cintura na tarde desta terça. “Estamos ilhados, cercados de água por todos os lados. Ergui as camas e as crianças ficam em cima”, lamenta o comerciante Estêvão Souza, de 33 anos, que não dormiu na noite seguinte à enchente por medo da situação piorar. Ele vive com a esposa e seis filhos, o mais novo de um ano de idade. “Estamos a Deus dará.”

Estêvão instalou uma comporta para conter a água, mas não adiantou: a sujeira subiu pelo ralo, pela pia e a privada. “A água suja, preta, vem minando do chão”, lamenta. “Minha família perdeu tudo, móveis, roupas. Estou com a roupa do corpo há dois dias. A água não escoa, estamos respirando essa sujeira do (Rio) Tietê. Não tem como dar banho nas crianças, porque a água está até o joelho dentro de casa.”

“A água também atingiu a comida, estamos se virando com algumas coisinhas. O bar aqui do lado também está cheio de água”, conta. “Creio que aqui é um lugar esquecido por Deus e, indiretamente, pelo poder público. Estão esperando uma tragédia, que alguém morra afogado, que uma casa caia. A enchente já abalou as estruturas, a minha casa está toda úmida”, lamenta.  “As famílias daqui são tratadas como se fossem descartáveis.”

Também morador da Vila Itaim, o comerciante Isaltino Pereira, de 50 anos, recebeu a conta de IPTU de R$ 5,6 mil poucos dias antes da última enchente. Com a água na altura do joelho, improvisou uma cozinha no segundo andar de casa.  “Todo ano entra água, todo ano enche de água. Ano passado, nessa mesma época, a gente ficou quase um mês assim. Não acredito que seja resolvido tão cedo (pelo poder público).”

Ele conseguiu tirar o carro da garagem a tempo, colocado em um estacionamento pago. “Minha neta de 13 anos não está indo para a aula. Hoje não abri a minha pizzaria. Não alagou lá, mas tem pouco movimento por causa da enchente. Na rua, galocha não adianta, porque a água chega quase na cintura.”

“Não perdi nada, graças a Deus. A gente vai ficando calejado. Começou a chover, já vai tirando”, explica. “O que a gente acha injusto é ter que pagar esse IPTU para morar em um lugar que tenho que sair com a água cobrindo a cintura. O que estão fazendo com esse dinheiro? Que estrutura estamos tendo?”

Líder comunitário da região, Euclides Mendes utilizou um drone para fazer imagens do alagamento que atingiu até mesmo o pôlder que deveria conter a enchente na Vila Itaim, construído pelo governo do Estado.

Ele também critica a falta de atendimento da Defesa Civil, que costumava montar uma base na região em situações desse tipo para disponibilizar cloro, ajudar famílias a sair de casa, analisar os dados e distribuir atestados. 

Em nota, o governo do Estado alega que “as cheias no local foram em decorrência do alto volume de chuva”. “Vale ressaltar que o pôlder da Vila Itaim está em funcionamento e evitou que uma maior quantidade de água chegasse às ruas. O bairro faz parte da área de Várzea do Tietê, com topografia plana, portanto, naturalmente inunda em períodos chuvosos”, alega em nota.

Já a Prefeitura de São Paulo enviou comunicado em que cita obras em geral para prevenção de enchentes e alega que “os serviços de limpeza de córregos, galeria e boca de lobo foram intensificados na região desde o final do ano passado, visando a prevenção das enchentes durante o período de chuvas no início do ano”.

“No período de estiagem das chuvas, a administração regional dará início às obras de construção de um muro de contenção no Córrego Lajeado. Já está em andamento o sistema de drenagem nas ruas Tite de Lemos e rua Tietê. O objetivo com estas obras é amenizar as consequências dos alagamentos e desmoronamentos na região”, aponta a nota. 

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