Na Antártida, brasileiros vivem isolamento dentro do isolamento


Dezesseis militares da Marinha do Brasil estão na Estação Comandante Ferraz, no único continente sem casos

Por Luciana Garbin

Eles são hoje o único grupo de brasileiros no único continente livre da covid-19. Dezesseis militares da Marinha do Brasil — 15 homens e uma mulher — que desde janeiro ocupam a nova Estação Antártica Comandante Ferraz. Escolhidos para a missão de passar 13 meses na Antártida muito antes de o novo coronavírus surgir na China, eles se dividem entre o alívio de estar longe da doença e a preocupação de ter de acompanhar a distância o que ocorre com parentes e amigos no Brasil.

"É uma mistura de sentimentos”, resume o capitão de fragata Luciano de Assis Luiz, chefe da estação. “Fico alegre por mim e por minha equipe porque somos privilegiados por não ter contato com a doença, mas triste porque nossos familiares estão no Brasil vivendo isso e não temos como dar o aporte necessário se vierem a pegar a doença."

continua após a publicidade

Luciano falou com o Estadão por videochamada na terça-feira, 19. Estava ao lado da médica e capitã-tenente Letízia Aurilio Matos. Ela conta que os pais são idosos e saíram do Rio por causa da pandemia. Uma prima — médica como ela — testou positivo para a covid-19 e está se tratando em casa.

Grupo de militares está alegre pelo fato de se manter longe da doença, mas preocupadocom familiares no Brasil Foto: MARINHA DO BRASIL
continua após a publicidade

“Não é fácil não", resume. “Ficar longe gera uma ansiedade. Mas a gente pede para a família falar a verdade. Está todo mundo bem realmente? Marco horário, faço reunião pelo computador e digo 'quero ver tal e tal pessoa'. Porque às vezes eles querem nos proteger, dizer que está tudo bem, mas só ficamos aliviados quando vemos todo mundo. A gente se preparou para o isolamento, eles não."

Os 16 militares brasileiros hoje na Antártida compõem o chamado Grupo-Base Ferraz. Eles desembarcaram na Ilha Rei George, onde fica a estação brasileira, em 4 de novembro de 2019 com a missão de permanecer ali até a primeira quinzena de dezembro deste ano. Ocuparam a princípio o Módulo Antártico Emergencial (MAE) até a inauguração oficial da estação, em 15 de janeiro.

Treinamento na Estação Antártica Comandante Ferraz. Foto: Marinha do Brasil
continua após a publicidade

O maior desafio é atravessar o inverno, quando a sensação térmica cai a menos de 20 graus negativos, a escuridão cobre 20 das 24 horas do dia e os mares em volta da estação congelam. De meados de março, quando os dois navios da Marinha que viajam para a região vão embora, até novembro, quando as embarcações retornam levando militares e pesquisadores, eles permanecem isolados.

Neste ano, por causa da covid-19, estão tendo de viver um isolamento dentro do isolamento. Em épocas normais, são comuns, por exemplo, as visitas à Estação Polonesa Henryk Arctowski, a mais próxima da base brasileira, distante cerca de nove quilômetros. Mas agora, por causa da pandemia, o contato com os vizinhos é só por vídeo ou WhatsApp.

"Ninguém aqui ou lá apresentou sintoma do vírus. Mesmo assim, estamos mantendo o isolamento”, explica Luciano. "É lógico que, caso tenha necessidade de salvar uma vida ou de mantimentos, por exemplo, algo que afete a estadia na Antártida, teremos contato com eles, mas por precaução estamos deixando essa possibilidade apenas para algum caso de emergência."

continua após a publicidade
O capitão de fragata Luciano de Assis Luiz, chefe da Estação Antártica Comandante Ferraz. Foto: Marinha do Brasil

Outra missão extra causada pela pandemia deverá ser a desinfecção dos produtos atirados pelos Hércules C-130 da Força Aérea Brasileira (FAB) durante o inverno. Como não é possível pousar na estação brasileira, o cargueiro voa periodicamente sobre ela nos meses mais frios do ano e despeja palets com produtos perecíveis e outro itens de necessidade.

Para evitar que o vírus chegue até a estação por meio desses carregamentos, foi criado um protocolo de limpeza de todo o material desde a origem, no Rio de Janeiro, bem como dos compartimentos do avião. Já em solo antártico, o grupo-base reforçará a desinfecção para que o vírus não atinja o último continente ainda livre de contágio. Ainda não há data prevista para o primeiro voo.

continua após a publicidade

Outro cuidado deverá ser com a tripulação dos navios quando as viagens marítimas forem retomadas, no fim de 2020. Segundo o chefe da Comandante Ferraz, todos terão de fazer exames para ver se têm o novo coronavírus, assim como os integrantes do grupo-base que substituirá o atual. "Nós estaremos há 13 meses isolados e nossa imunidade, querendo ou não, estará mais baixa para qualquer outro vírus. Então é importante que esses exames sejam feitos antes de eles virem para cá”, afirma Luciano.

Dependendo da evolução da pandemia no Brasil, até a próxima Operação Antártica Brasileira (Operantar) pode ser afetada. "Caso seja encontrada uma vacina, uma cura, a Operantar poderá seguir sua programação normal. Mas, se fosse pegar a situação atual e levar para o final do ano, eu diria que a nossa operação será basicamente logística, de aporte de mantimentos e combustível para estação, mas reduzindo bastante as pesquisas”, diz o oficial. "Porque muitas pesquisas são realizadas nos navios e quanto mais pessoas no navio pior caso venha a se propagar esse vírus."

A médica e capitã-tenente Letízia Aurilio Matos. Foto: Marinha do Brasil
continua após a publicidade

Nem o frio que afasta tantos microorganismos da Antártida promete ter efeito sobre a doença. Letízia conta que pesquisas já identificaram outros vírus, como o H1N1, por exemplo, em fezes de aves na região. E ainda não é possível saber o estrago que a covid-19 poderia fazer por lá. 

"Esse vírus não tem critério. Até o momento nenhum cientista conseguiu identificar qual é a temperatura em que ele vai morrer”, explica a médica. "No início se chegou a cogitar por exemplo que não sobreviveria em temperaturas a partir de 26ºC. Mas ele tem causado mortes em Manaus, que é muito quente. No continente antártico não dá pra saber. Até agora não tem nada estabelecido sobre isso.” Por isso, o negócio é o isolamento. No dia da conversa com o Estadão, fazia - 4ºC na região da estação brasileira e a sensação térmica era de - 6ºC. 

E o que a experiência do isolamento na Antártida pode ensinar aos brasileiros que estão tendo de encarar o confinamento por aqui? "O primeiro ponto é a rotina”, resume Luciano. "Tem de ter uma rotina, um trabalho a seguir durante o dia." A regra na estação é acordar às 8h e tomar café às 8h30. No refeitório, todos se encontram e trocam informações. A partir daí, o trabalho vai durar até as 16h, com pausa para o almoço às 12h. Depois, cada um está livre para fazer o que quiser — ir na academia ou assistir a um filme, por exemplo.

Até o jantar, às 18h, e a hora de ir dormir, em que cada um vai para seu camarote. Há ainda o que chama de momentos de congraçamento, onde o grupo todo se reúne para comemorar um aniversário ou outra atividade do tipo. "A gente tenta dividir esses momentos como se estivesse no Brasil”, continua o chefe da estação. "O trabalho ajuda na manutenção mental. Para quem fica em isolamento durante muito tempo, essa higiene mental é salutar e muito importante."

Eles são hoje o único grupo de brasileiros no único continente livre da covid-19. Dezesseis militares da Marinha do Brasil — 15 homens e uma mulher — que desde janeiro ocupam a nova Estação Antártica Comandante Ferraz. Escolhidos para a missão de passar 13 meses na Antártida muito antes de o novo coronavírus surgir na China, eles se dividem entre o alívio de estar longe da doença e a preocupação de ter de acompanhar a distância o que ocorre com parentes e amigos no Brasil.

"É uma mistura de sentimentos”, resume o capitão de fragata Luciano de Assis Luiz, chefe da estação. “Fico alegre por mim e por minha equipe porque somos privilegiados por não ter contato com a doença, mas triste porque nossos familiares estão no Brasil vivendo isso e não temos como dar o aporte necessário se vierem a pegar a doença."

Luciano falou com o Estadão por videochamada na terça-feira, 19. Estava ao lado da médica e capitã-tenente Letízia Aurilio Matos. Ela conta que os pais são idosos e saíram do Rio por causa da pandemia. Uma prima — médica como ela — testou positivo para a covid-19 e está se tratando em casa.

Grupo de militares está alegre pelo fato de se manter longe da doença, mas preocupadocom familiares no Brasil Foto: MARINHA DO BRASIL

“Não é fácil não", resume. “Ficar longe gera uma ansiedade. Mas a gente pede para a família falar a verdade. Está todo mundo bem realmente? Marco horário, faço reunião pelo computador e digo 'quero ver tal e tal pessoa'. Porque às vezes eles querem nos proteger, dizer que está tudo bem, mas só ficamos aliviados quando vemos todo mundo. A gente se preparou para o isolamento, eles não."

Os 16 militares brasileiros hoje na Antártida compõem o chamado Grupo-Base Ferraz. Eles desembarcaram na Ilha Rei George, onde fica a estação brasileira, em 4 de novembro de 2019 com a missão de permanecer ali até a primeira quinzena de dezembro deste ano. Ocuparam a princípio o Módulo Antártico Emergencial (MAE) até a inauguração oficial da estação, em 15 de janeiro.

Treinamento na Estação Antártica Comandante Ferraz. Foto: Marinha do Brasil

O maior desafio é atravessar o inverno, quando a sensação térmica cai a menos de 20 graus negativos, a escuridão cobre 20 das 24 horas do dia e os mares em volta da estação congelam. De meados de março, quando os dois navios da Marinha que viajam para a região vão embora, até novembro, quando as embarcações retornam levando militares e pesquisadores, eles permanecem isolados.

Neste ano, por causa da covid-19, estão tendo de viver um isolamento dentro do isolamento. Em épocas normais, são comuns, por exemplo, as visitas à Estação Polonesa Henryk Arctowski, a mais próxima da base brasileira, distante cerca de nove quilômetros. Mas agora, por causa da pandemia, o contato com os vizinhos é só por vídeo ou WhatsApp.

"Ninguém aqui ou lá apresentou sintoma do vírus. Mesmo assim, estamos mantendo o isolamento”, explica Luciano. "É lógico que, caso tenha necessidade de salvar uma vida ou de mantimentos, por exemplo, algo que afete a estadia na Antártida, teremos contato com eles, mas por precaução estamos deixando essa possibilidade apenas para algum caso de emergência."

O capitão de fragata Luciano de Assis Luiz, chefe da Estação Antártica Comandante Ferraz. Foto: Marinha do Brasil

Outra missão extra causada pela pandemia deverá ser a desinfecção dos produtos atirados pelos Hércules C-130 da Força Aérea Brasileira (FAB) durante o inverno. Como não é possível pousar na estação brasileira, o cargueiro voa periodicamente sobre ela nos meses mais frios do ano e despeja palets com produtos perecíveis e outro itens de necessidade.

Para evitar que o vírus chegue até a estação por meio desses carregamentos, foi criado um protocolo de limpeza de todo o material desde a origem, no Rio de Janeiro, bem como dos compartimentos do avião. Já em solo antártico, o grupo-base reforçará a desinfecção para que o vírus não atinja o último continente ainda livre de contágio. Ainda não há data prevista para o primeiro voo.

Outro cuidado deverá ser com a tripulação dos navios quando as viagens marítimas forem retomadas, no fim de 2020. Segundo o chefe da Comandante Ferraz, todos terão de fazer exames para ver se têm o novo coronavírus, assim como os integrantes do grupo-base que substituirá o atual. "Nós estaremos há 13 meses isolados e nossa imunidade, querendo ou não, estará mais baixa para qualquer outro vírus. Então é importante que esses exames sejam feitos antes de eles virem para cá”, afirma Luciano.

Dependendo da evolução da pandemia no Brasil, até a próxima Operação Antártica Brasileira (Operantar) pode ser afetada. "Caso seja encontrada uma vacina, uma cura, a Operantar poderá seguir sua programação normal. Mas, se fosse pegar a situação atual e levar para o final do ano, eu diria que a nossa operação será basicamente logística, de aporte de mantimentos e combustível para estação, mas reduzindo bastante as pesquisas”, diz o oficial. "Porque muitas pesquisas são realizadas nos navios e quanto mais pessoas no navio pior caso venha a se propagar esse vírus."

A médica e capitã-tenente Letízia Aurilio Matos. Foto: Marinha do Brasil

Nem o frio que afasta tantos microorganismos da Antártida promete ter efeito sobre a doença. Letízia conta que pesquisas já identificaram outros vírus, como o H1N1, por exemplo, em fezes de aves na região. E ainda não é possível saber o estrago que a covid-19 poderia fazer por lá. 

"Esse vírus não tem critério. Até o momento nenhum cientista conseguiu identificar qual é a temperatura em que ele vai morrer”, explica a médica. "No início se chegou a cogitar por exemplo que não sobreviveria em temperaturas a partir de 26ºC. Mas ele tem causado mortes em Manaus, que é muito quente. No continente antártico não dá pra saber. Até agora não tem nada estabelecido sobre isso.” Por isso, o negócio é o isolamento. No dia da conversa com o Estadão, fazia - 4ºC na região da estação brasileira e a sensação térmica era de - 6ºC. 

E o que a experiência do isolamento na Antártida pode ensinar aos brasileiros que estão tendo de encarar o confinamento por aqui? "O primeiro ponto é a rotina”, resume Luciano. "Tem de ter uma rotina, um trabalho a seguir durante o dia." A regra na estação é acordar às 8h e tomar café às 8h30. No refeitório, todos se encontram e trocam informações. A partir daí, o trabalho vai durar até as 16h, com pausa para o almoço às 12h. Depois, cada um está livre para fazer o que quiser — ir na academia ou assistir a um filme, por exemplo.

Até o jantar, às 18h, e a hora de ir dormir, em que cada um vai para seu camarote. Há ainda o que chama de momentos de congraçamento, onde o grupo todo se reúne para comemorar um aniversário ou outra atividade do tipo. "A gente tenta dividir esses momentos como se estivesse no Brasil”, continua o chefe da estação. "O trabalho ajuda na manutenção mental. Para quem fica em isolamento durante muito tempo, essa higiene mental é salutar e muito importante."

Eles são hoje o único grupo de brasileiros no único continente livre da covid-19. Dezesseis militares da Marinha do Brasil — 15 homens e uma mulher — que desde janeiro ocupam a nova Estação Antártica Comandante Ferraz. Escolhidos para a missão de passar 13 meses na Antártida muito antes de o novo coronavírus surgir na China, eles se dividem entre o alívio de estar longe da doença e a preocupação de ter de acompanhar a distância o que ocorre com parentes e amigos no Brasil.

"É uma mistura de sentimentos”, resume o capitão de fragata Luciano de Assis Luiz, chefe da estação. “Fico alegre por mim e por minha equipe porque somos privilegiados por não ter contato com a doença, mas triste porque nossos familiares estão no Brasil vivendo isso e não temos como dar o aporte necessário se vierem a pegar a doença."

Luciano falou com o Estadão por videochamada na terça-feira, 19. Estava ao lado da médica e capitã-tenente Letízia Aurilio Matos. Ela conta que os pais são idosos e saíram do Rio por causa da pandemia. Uma prima — médica como ela — testou positivo para a covid-19 e está se tratando em casa.

Grupo de militares está alegre pelo fato de se manter longe da doença, mas preocupadocom familiares no Brasil Foto: MARINHA DO BRASIL

“Não é fácil não", resume. “Ficar longe gera uma ansiedade. Mas a gente pede para a família falar a verdade. Está todo mundo bem realmente? Marco horário, faço reunião pelo computador e digo 'quero ver tal e tal pessoa'. Porque às vezes eles querem nos proteger, dizer que está tudo bem, mas só ficamos aliviados quando vemos todo mundo. A gente se preparou para o isolamento, eles não."

Os 16 militares brasileiros hoje na Antártida compõem o chamado Grupo-Base Ferraz. Eles desembarcaram na Ilha Rei George, onde fica a estação brasileira, em 4 de novembro de 2019 com a missão de permanecer ali até a primeira quinzena de dezembro deste ano. Ocuparam a princípio o Módulo Antártico Emergencial (MAE) até a inauguração oficial da estação, em 15 de janeiro.

Treinamento na Estação Antártica Comandante Ferraz. Foto: Marinha do Brasil

O maior desafio é atravessar o inverno, quando a sensação térmica cai a menos de 20 graus negativos, a escuridão cobre 20 das 24 horas do dia e os mares em volta da estação congelam. De meados de março, quando os dois navios da Marinha que viajam para a região vão embora, até novembro, quando as embarcações retornam levando militares e pesquisadores, eles permanecem isolados.

Neste ano, por causa da covid-19, estão tendo de viver um isolamento dentro do isolamento. Em épocas normais, são comuns, por exemplo, as visitas à Estação Polonesa Henryk Arctowski, a mais próxima da base brasileira, distante cerca de nove quilômetros. Mas agora, por causa da pandemia, o contato com os vizinhos é só por vídeo ou WhatsApp.

"Ninguém aqui ou lá apresentou sintoma do vírus. Mesmo assim, estamos mantendo o isolamento”, explica Luciano. "É lógico que, caso tenha necessidade de salvar uma vida ou de mantimentos, por exemplo, algo que afete a estadia na Antártida, teremos contato com eles, mas por precaução estamos deixando essa possibilidade apenas para algum caso de emergência."

O capitão de fragata Luciano de Assis Luiz, chefe da Estação Antártica Comandante Ferraz. Foto: Marinha do Brasil

Outra missão extra causada pela pandemia deverá ser a desinfecção dos produtos atirados pelos Hércules C-130 da Força Aérea Brasileira (FAB) durante o inverno. Como não é possível pousar na estação brasileira, o cargueiro voa periodicamente sobre ela nos meses mais frios do ano e despeja palets com produtos perecíveis e outro itens de necessidade.

Para evitar que o vírus chegue até a estação por meio desses carregamentos, foi criado um protocolo de limpeza de todo o material desde a origem, no Rio de Janeiro, bem como dos compartimentos do avião. Já em solo antártico, o grupo-base reforçará a desinfecção para que o vírus não atinja o último continente ainda livre de contágio. Ainda não há data prevista para o primeiro voo.

Outro cuidado deverá ser com a tripulação dos navios quando as viagens marítimas forem retomadas, no fim de 2020. Segundo o chefe da Comandante Ferraz, todos terão de fazer exames para ver se têm o novo coronavírus, assim como os integrantes do grupo-base que substituirá o atual. "Nós estaremos há 13 meses isolados e nossa imunidade, querendo ou não, estará mais baixa para qualquer outro vírus. Então é importante que esses exames sejam feitos antes de eles virem para cá”, afirma Luciano.

Dependendo da evolução da pandemia no Brasil, até a próxima Operação Antártica Brasileira (Operantar) pode ser afetada. "Caso seja encontrada uma vacina, uma cura, a Operantar poderá seguir sua programação normal. Mas, se fosse pegar a situação atual e levar para o final do ano, eu diria que a nossa operação será basicamente logística, de aporte de mantimentos e combustível para estação, mas reduzindo bastante as pesquisas”, diz o oficial. "Porque muitas pesquisas são realizadas nos navios e quanto mais pessoas no navio pior caso venha a se propagar esse vírus."

A médica e capitã-tenente Letízia Aurilio Matos. Foto: Marinha do Brasil

Nem o frio que afasta tantos microorganismos da Antártida promete ter efeito sobre a doença. Letízia conta que pesquisas já identificaram outros vírus, como o H1N1, por exemplo, em fezes de aves na região. E ainda não é possível saber o estrago que a covid-19 poderia fazer por lá. 

"Esse vírus não tem critério. Até o momento nenhum cientista conseguiu identificar qual é a temperatura em que ele vai morrer”, explica a médica. "No início se chegou a cogitar por exemplo que não sobreviveria em temperaturas a partir de 26ºC. Mas ele tem causado mortes em Manaus, que é muito quente. No continente antártico não dá pra saber. Até agora não tem nada estabelecido sobre isso.” Por isso, o negócio é o isolamento. No dia da conversa com o Estadão, fazia - 4ºC na região da estação brasileira e a sensação térmica era de - 6ºC. 

E o que a experiência do isolamento na Antártida pode ensinar aos brasileiros que estão tendo de encarar o confinamento por aqui? "O primeiro ponto é a rotina”, resume Luciano. "Tem de ter uma rotina, um trabalho a seguir durante o dia." A regra na estação é acordar às 8h e tomar café às 8h30. No refeitório, todos se encontram e trocam informações. A partir daí, o trabalho vai durar até as 16h, com pausa para o almoço às 12h. Depois, cada um está livre para fazer o que quiser — ir na academia ou assistir a um filme, por exemplo.

Até o jantar, às 18h, e a hora de ir dormir, em que cada um vai para seu camarote. Há ainda o que chama de momentos de congraçamento, onde o grupo todo se reúne para comemorar um aniversário ou outra atividade do tipo. "A gente tenta dividir esses momentos como se estivesse no Brasil”, continua o chefe da estação. "O trabalho ajuda na manutenção mental. Para quem fica em isolamento durante muito tempo, essa higiene mental é salutar e muito importante."

Eles são hoje o único grupo de brasileiros no único continente livre da covid-19. Dezesseis militares da Marinha do Brasil — 15 homens e uma mulher — que desde janeiro ocupam a nova Estação Antártica Comandante Ferraz. Escolhidos para a missão de passar 13 meses na Antártida muito antes de o novo coronavírus surgir na China, eles se dividem entre o alívio de estar longe da doença e a preocupação de ter de acompanhar a distância o que ocorre com parentes e amigos no Brasil.

"É uma mistura de sentimentos”, resume o capitão de fragata Luciano de Assis Luiz, chefe da estação. “Fico alegre por mim e por minha equipe porque somos privilegiados por não ter contato com a doença, mas triste porque nossos familiares estão no Brasil vivendo isso e não temos como dar o aporte necessário se vierem a pegar a doença."

Luciano falou com o Estadão por videochamada na terça-feira, 19. Estava ao lado da médica e capitã-tenente Letízia Aurilio Matos. Ela conta que os pais são idosos e saíram do Rio por causa da pandemia. Uma prima — médica como ela — testou positivo para a covid-19 e está se tratando em casa.

Grupo de militares está alegre pelo fato de se manter longe da doença, mas preocupadocom familiares no Brasil Foto: MARINHA DO BRASIL

“Não é fácil não", resume. “Ficar longe gera uma ansiedade. Mas a gente pede para a família falar a verdade. Está todo mundo bem realmente? Marco horário, faço reunião pelo computador e digo 'quero ver tal e tal pessoa'. Porque às vezes eles querem nos proteger, dizer que está tudo bem, mas só ficamos aliviados quando vemos todo mundo. A gente se preparou para o isolamento, eles não."

Os 16 militares brasileiros hoje na Antártida compõem o chamado Grupo-Base Ferraz. Eles desembarcaram na Ilha Rei George, onde fica a estação brasileira, em 4 de novembro de 2019 com a missão de permanecer ali até a primeira quinzena de dezembro deste ano. Ocuparam a princípio o Módulo Antártico Emergencial (MAE) até a inauguração oficial da estação, em 15 de janeiro.

Treinamento na Estação Antártica Comandante Ferraz. Foto: Marinha do Brasil

O maior desafio é atravessar o inverno, quando a sensação térmica cai a menos de 20 graus negativos, a escuridão cobre 20 das 24 horas do dia e os mares em volta da estação congelam. De meados de março, quando os dois navios da Marinha que viajam para a região vão embora, até novembro, quando as embarcações retornam levando militares e pesquisadores, eles permanecem isolados.

Neste ano, por causa da covid-19, estão tendo de viver um isolamento dentro do isolamento. Em épocas normais, são comuns, por exemplo, as visitas à Estação Polonesa Henryk Arctowski, a mais próxima da base brasileira, distante cerca de nove quilômetros. Mas agora, por causa da pandemia, o contato com os vizinhos é só por vídeo ou WhatsApp.

"Ninguém aqui ou lá apresentou sintoma do vírus. Mesmo assim, estamos mantendo o isolamento”, explica Luciano. "É lógico que, caso tenha necessidade de salvar uma vida ou de mantimentos, por exemplo, algo que afete a estadia na Antártida, teremos contato com eles, mas por precaução estamos deixando essa possibilidade apenas para algum caso de emergência."

O capitão de fragata Luciano de Assis Luiz, chefe da Estação Antártica Comandante Ferraz. Foto: Marinha do Brasil

Outra missão extra causada pela pandemia deverá ser a desinfecção dos produtos atirados pelos Hércules C-130 da Força Aérea Brasileira (FAB) durante o inverno. Como não é possível pousar na estação brasileira, o cargueiro voa periodicamente sobre ela nos meses mais frios do ano e despeja palets com produtos perecíveis e outro itens de necessidade.

Para evitar que o vírus chegue até a estação por meio desses carregamentos, foi criado um protocolo de limpeza de todo o material desde a origem, no Rio de Janeiro, bem como dos compartimentos do avião. Já em solo antártico, o grupo-base reforçará a desinfecção para que o vírus não atinja o último continente ainda livre de contágio. Ainda não há data prevista para o primeiro voo.

Outro cuidado deverá ser com a tripulação dos navios quando as viagens marítimas forem retomadas, no fim de 2020. Segundo o chefe da Comandante Ferraz, todos terão de fazer exames para ver se têm o novo coronavírus, assim como os integrantes do grupo-base que substituirá o atual. "Nós estaremos há 13 meses isolados e nossa imunidade, querendo ou não, estará mais baixa para qualquer outro vírus. Então é importante que esses exames sejam feitos antes de eles virem para cá”, afirma Luciano.

Dependendo da evolução da pandemia no Brasil, até a próxima Operação Antártica Brasileira (Operantar) pode ser afetada. "Caso seja encontrada uma vacina, uma cura, a Operantar poderá seguir sua programação normal. Mas, se fosse pegar a situação atual e levar para o final do ano, eu diria que a nossa operação será basicamente logística, de aporte de mantimentos e combustível para estação, mas reduzindo bastante as pesquisas”, diz o oficial. "Porque muitas pesquisas são realizadas nos navios e quanto mais pessoas no navio pior caso venha a se propagar esse vírus."

A médica e capitã-tenente Letízia Aurilio Matos. Foto: Marinha do Brasil

Nem o frio que afasta tantos microorganismos da Antártida promete ter efeito sobre a doença. Letízia conta que pesquisas já identificaram outros vírus, como o H1N1, por exemplo, em fezes de aves na região. E ainda não é possível saber o estrago que a covid-19 poderia fazer por lá. 

"Esse vírus não tem critério. Até o momento nenhum cientista conseguiu identificar qual é a temperatura em que ele vai morrer”, explica a médica. "No início se chegou a cogitar por exemplo que não sobreviveria em temperaturas a partir de 26ºC. Mas ele tem causado mortes em Manaus, que é muito quente. No continente antártico não dá pra saber. Até agora não tem nada estabelecido sobre isso.” Por isso, o negócio é o isolamento. No dia da conversa com o Estadão, fazia - 4ºC na região da estação brasileira e a sensação térmica era de - 6ºC. 

E o que a experiência do isolamento na Antártida pode ensinar aos brasileiros que estão tendo de encarar o confinamento por aqui? "O primeiro ponto é a rotina”, resume Luciano. "Tem de ter uma rotina, um trabalho a seguir durante o dia." A regra na estação é acordar às 8h e tomar café às 8h30. No refeitório, todos se encontram e trocam informações. A partir daí, o trabalho vai durar até as 16h, com pausa para o almoço às 12h. Depois, cada um está livre para fazer o que quiser — ir na academia ou assistir a um filme, por exemplo.

Até o jantar, às 18h, e a hora de ir dormir, em que cada um vai para seu camarote. Há ainda o que chama de momentos de congraçamento, onde o grupo todo se reúne para comemorar um aniversário ou outra atividade do tipo. "A gente tenta dividir esses momentos como se estivesse no Brasil”, continua o chefe da estação. "O trabalho ajuda na manutenção mental. Para quem fica em isolamento durante muito tempo, essa higiene mental é salutar e muito importante."

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.