Primeiro: não falo árabe, pouquíssimos refugiados entendem inglês, o que significa ter sempre algum local para traduzir o que você fala. Como assumir uma classe? Engatar uma boa e profunda conversa? Segundo: sou voluntária de curto prazo (1 mês), tenho pouco tempo para assumir grandes responsabilidades - e em seguida partir.
Essas barreiras me fazem sentir mais uma visitante - e eu, assim como outros voluntários passageiros, sou mesmo chamada de guest -, mas não diminuem minha experiência. Pelo contrário: me sinto muito mais útil estando no lugar certo, na hora certa, dando toda e qualquer ajuda necessária.
Os dias começam às 9 horas com uma reunião na igreja do time de missionários e voluntários, que juntos oram pedindo coragem, paciência e sabedoria. Em seguida, todos se dividem entre os projetos - cada um funciona em uma parte do vilarejo - e seguem as atividades até as 14 horas. Eu tenho liberdade de escolher para onde ir.
No centro comunitário funciona a escola para crianças de 4 a 12 anos. Ali, elas têm aulas de árabe, inglês, matemática, artes e circo. Na verdade, não é uma escola, mas um espaço que prepara as crianças para voltarem à escola quando tiverem um novo lugar definitivo para morar.
O Gera MAIS é um braço do centro comunitário, mas funciona em outro espaço. É um projeto para gerar renda e recuperar autoestima das mulheres - ali elas aprendem uma nova profissão com aulas de costura, bordado e maquiagem, além de inglês. Também se ajudam na dura espera pelo futuro.
A Clínica Esperança, que funciona na igreja, faz atendimento médico e odontológico. A Clínica Fitness ajuda na reabilitação física de mulheres. O Futebol Tocar reúne pelo esporte sírios, jordanianos e iraquianos, muçulmanos e cristãos.
Outro projeto lindo é o ReCreate, que transforma móveis e pneus achados no lixo em sofás, puffs e camas para refugiados. As doações são feitas durante as visitas às casas, também uma atividade diária que voluntários podem participar. Além dos móveis, levamos cestas básicas e fraldas e conversamos com as famílias sobre a dura realidade e suas reais necessidades.
Tudo funciona sob a liderança do casal de brasileiros Homero e Débora, a Família Aziz, que em 2014 se mudou para a Jordânia com a missão de abrir a sede da MAIS (Missão em Apoio à Igreja Sofredora) no Oriente Médio e amparar refugiados que não estavam nos campos da ONU - já contei que na Jordânia apenas 300 mil vivem nesses campos, enquanto outros 2,7 milhões estão espalhados pelo país e dependem da ajuda de organizações como a MAIS.
Homero e Debora implantaram todos esses projetos nos últimos três anos. Foram crescendo o time de missionários e voluntários - hoje são 17 trabalhando em tempo integral, sendo 10 refugiados. "Formar essa equipe significa resgatar a identidade dessas pessoas, trazer de volta a dignidade e desenvolver um trabalho em comunidade", explica Homero.
Hoje, a MAIS atende nos vilarejos de Fuheis e Mahes cerca de 1.600 famílias (1.200 sírios e 400 iraquianos). Mesmo sem falar árabe, mesmo com pouco tempo, é lindo fazer parte disso. Estar em todos os projetos me dá a oportunidade de conhecer, aprender, descobrir. Lugares, pessoas, situações. Eu mesma.