A voz prosaica e pop de Corsaletti

Destaque na atual poesia brasileira, paulista de 31 anos converte cotidiano em verso no livro Esquimó

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Por Raquel Cozer
Atualização:

Da janela do escritório Fabrício Corsaletti vê a Marginal e o Rio Pinheiros. Não chega a ser uma paisagem graciosa, mas serve como inspiração. O poeta se lembra de Bob Dylan e do verso "My woman got a face like a teddy bear" enquanto presta atenção nos enormes roedores marrons às margens do leito. E então anota: "o nariz da minha mulher/ lembraria o focinho/ de uma capivara/ de pelúcia." São as primeiras linhas de Exílios, poema que integra seu mais recente livro, Esquimó (Companhia das Letras, 80 págs., R$ 31).Foi assim, com referências prosaicas e pop, que o paulista de 31 anos se firmou como um dos maiores nomes da atual poesia brasileira. Seus novos versos falam de verruga, sovaco, rabanetes e idiotas; citam também Frida Kahlo, Eva Green, César Vallejo e a Praça Roosevelt. Mas não há nada em excesso, agressivo ou fora de contexto; pelo contrário, até o despropósito trabalha em favor da delicadeza. A mulher com focinho de capivara, por exemplo, seria assim numa ilha onde tais bichos "corressem risco de extinção" - uma vida a se cuidar. As imagens cotidianas, que já apareciam nos poemas reunidos na antologia Estudos para o Seu Corpo (Companhia das Letras, 2007), estão agora mais "definidas", na opinião do autor. De 2006 a 2009, ele escreveu muita coisa que acabou no lixo. "Achei que ia entrar numa fase mais abstrata, mas joguei tudo fora. Daí comecei esses com objetos bem delimitados, como, sei lá, os irmãos siameses", diz. Refere-se aqui a Chang e Eng, poesia baseada na história real que encontrou em tantas versões diferentes no Google que acabou repercutindo em versos cheios de contradições.A definição maior dos objetos, ele especula, derivou da experiência com a criação em prosa no período. Em 2008, Corsaletti lançou o primeiro livro de contos, King Kong e as Cervejas (Companhia das Letras). No ano seguinte concluiu o romance Golpe de Ar (Editora 34), idealizado numa temporada em Buenos Aires. Os poemas rascunhados desde então ganharam um tom mais narrativo. "Fiquei meio esperto com isso", diz.A unidade da obra o poeta foi perceber só perto do fim, quando tomou emprestado do amigo Joca Reiners Terron o nome do livro. No poema Perdido nas Cidades, o autor mato-grossense escreveu: "Meu amigo esquimó nunca me deixa só". Corsaletti gostou imagem do "cara que se sente deslocado, meio fora da ordem", e incluiu um poema chamado Esquimó bem no meio da obra, deixando para trás versos mais cabisbaixos (como os de Três Angústias e Minha Mãe Está Cada Vez Mais Triste) e abrindo uma sequência mais bem-humorada (Feliz Com as Minhas Orelhas e Exclamações para César Vallejo, entre outros).Como reverências nunca são demais num volume apinhado de citações, o título celebra também a música Quinn the Eskimo, de Bob Dylan. O bardo é homenageado ainda no poema de abertura, Everything is Broken, e aparece em menções discretas (os versos "preciso cortar minha cabeça com uma espada/ e chorar pelo resto da vida", de Para Mari, aludem a um comentário de Dylan no filme No Direction Home, de Scorsese, sobre sua vontade após ouvir o ídolo Liam Clancy cantando).Mari, por sua vez, é Mariana Rocha, namorada de Corsaletti já faz alguns anos. Ela está em todo o livro, seja via apelido, seja pela inicial, seja de forma anônima no único poema que chega a três páginas, Seu Nome - peça que o autor por meses sentiu faltar em Esquimó e que lhe tomou uma semana de inspiração.A moça tem ainda influência indireta. Foi quem apresentou ao namorado boa parte da obra de Dylan, que o poeta se empenhou então em conhecer na íntegra. Ele estudou inglês só para decifrar as letras do americano, e hoje diz achar mais fácil entender o idioma no timbre anasalado dele que na voz de qualquer outra pessoa.Mari, Dylan, Eva Green, a poeta e amiga Angélica Freitas, todos os citados vão e voltam ao longo do livro, em repetições cujos sentidos se sobrepõem. Apesar dos objetos mais definidos, como diz, Corsaletti não vê nenhuma ruptura em relação ao que já fez antes - temas reincidentes apareciam, com menos intensidade, já na obra de estreia, Movediço (2001). Sente só que de lá para cá simplificou a pontuação. Em Esquimó, ela se restringe a alguns travessões, raras interrogações e um único poema com exclamações do início ao fim. O paulista também lança neste mês seu segundo livro infantil, Zoo Zureta (Companhia das Letrinhas, ilustrações de Ionit Zilberman, 40 págs., R$ 29,50), com 30 poemas em três versos (no estilo "como custa/ crer que a joaninha/ não é um microfusca!"). Esquimó, recém-chegado às livrarias, terá noite de autógrafos no próximo dia 2, às 18h30, na Livraria da Vila (R. Fradique Coutinho, 915).

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