Sob pressão da Justiça, do poder público e da população, a empresa de Mineração Pau Branco (Empabra) deixará de operar na Serra do Curral, um dos principais cartões-postais de Belo Horizonte. A Empabra firmou acordo na Justiça Federal durante audiência de conciliação, na 11.ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte, na quinta-feira, 12, se comprometendo a desativar a mina Granja Corumi, a recuperar e a doar o terreno do empreendimento ao município para que seja anexado ao Parque das Mangabeiras, outro importante corredor ecológico da capital mineira.
O Estadão entrou em contato com a empresa por e-mail e por celular em busca de posicionamento. A diretora Institucional da Empabra, Ana Laura Carvalho, chegou a retornar a ligação, mas disse que estava em viagem e entraria em contato assim que possível.
A mina existe desde 1950 e, nos últimos anos, tornou-se alvo ainda mais frequente de questionamentos judiciais a respeito dos danos ambientais que teria causado à serra. Em maio de 2024, as suspeitas de atividade ilegal motivaram uma vistoria da prefeitura de Belo Horizonte, que levou à sua interdição da mina e de todas as atividades da empresa.
Houve autuação por crime ambiental e foi aplicada multa de R$ 64,9 mil. No mês passado, decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) voltou a determinar a suspensão imediata de todas as atividades da Empabra na Mina Granja Corumi, incluindo a retirada do minério estocado.
“A Serra do Curral é uma referência geográfica, histórica e ambiental para a capital mineira. BH nasceu exatamente na região chamada Curral del Rey, e que ficava exatamente no sopé da Serra do Curral, e isso deu origem à capital do Estado. Então, imagina você modificar uma paisagem que foi e ainda é até a origem do nome Belo Horizonte”, disse ao Estadão o diretor do Instituto Guaycui e coordenador do programa de extensão Projeto Manuelzão da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marcus Polignano.
O instituto é a entidade da sociedade civil engajada na defesa da preservação da bacia do Rio das Velhas e dos direitos das comunidades atingidas por barragens.
Polignano acredita que o fechamento da mina fortalece a ideia da necessidade da preservação da serra. E calcula que apenas a área já explorada da serra envolveria “uma cratera entre 16 e 18 hectares”.
“Existe toda uma luta desde 2000 pelo tombamento da Serra do Curral como monumento histórico, ambiental, hídrico e que tem, inclusive, patrimônios históricos como quilombolas ali. E, agora, seria uma ótima oportunidade de, aproveitando a saída dessa empresa, que o governo do Estado fizesse o tombamento da Serra do Curral”, disse ele.
Ao Estadão, o procurador-geral do Município, Hércules Guerra, considerou o acordo uma grande vitória, mas lembrou que a empresa ainda precisa apresentar um plano de desativação e recuperação ambiental que deve ser aprovado pela Agência Nacional de Mineração (ANM). “É um alento. Após tanto tempo, conseguimos esse compromisso. O acordo prevê o encerramento das atividades, de apresentação do plano de fechamento da mina e de recuperação da área degradada, para, então, haver a doação do terreno para o Parque das Mangabeiras.”
O Estadão procurou o governo de Minas Gerais para repercutir a medida e atualizar o processo de tombamento da Serra do Curral, mas não obteve retorno.
Na audiência de conciliação, também foi acolhida a proposta do Ministério Público Federal (MPF) para que seja contratada uma auditoria independente que fiscalizará o fechamento da mina. Em nota, o MPF informou que vai acompanhar, nos próximos 60 dias, esse processo.
O procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, afirmou, no documento, que a contratação de uma auditoria independente garantirá a imparcialidade, “sem vinculação aos interesses de quaisquer das partes envolvidas no litígio judicial”. A equipe técnica da auditoria vai fiscalizar os trabalhos de fechamento da mina para verificação de conformidade quanto às exigências ambientais e os relatórios produzidos vão subsidiar a fiscalização do MPF.
Ainda segundo o procurador da República, o compromisso assumido oficialmente pela Empabra de não mais exercer atividades na Serra do Curral e entregar o terreno à população de Belo Horizonte “representa o primeiro passo no objetivo das instituições públicas envolvidas e da sociedade mineira de preservar integralmente o cartão postal da capital de Minas Gerais”.
Histórico
Com a Serra do Curral tombada como patrimônio de Belo Horizonte em 1990, as atividades da mina diminuíram. Em 2007, a Empabra firmou compromisso com o Ministério Público de Minas Gerais para elaborar um plano de recuperação da área degradada. Na época, denúncias indicavam riscos à integridade do Parque Estadual da Baleia. Diante do descumprimento parcial do acordo, as atividades da mineradora foram embargadas temporariamente pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) em 2018.
No ano seguinte, o relatório final de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada pela Câmara de Vereadores de Belo Horizonte chegou a pedir a suspensão definitiva da extração de minério na Mina Granja Corumi. O documento, de 324 páginas, sugeriu ao MPMG que fosse solicitado o bloqueio judicial dos bens da Empabra até a resolução das questões trabalhistas e a recuperação da área degradada.
Em outubro do ano passado, a Agência Nacional de Mineração (ANM) permitiu a retirada de 800 mil toneladas de minério que já haviam sido beneficiados e estavam estocados. Com a grande movimentação de caminhões, moradores das comunidades vizinhas e ativistas do Fórum Permanente São Francisco e do Projeto Manuelzão passaram a questionar se os órgãos públicos estavam acompanhando os trabalhos e se havia garantias de que a Empabra não teria voltado a extrair minério.
A autorização foi concedida após a Empabra alegar que a manutenção do minério já extraído poderia gerar novos danos. Ao mesmo tempo em que deu a permissão, a ANM cobrou um plano para obras emergenciais, com o intuito de evitar deslizamentos, vazamentos e outros problemas no período chuvoso.
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Saiba mais sobre a Serra do Curral
Com altitudes que variam entre 1.100 e 1.300 metros, a Serra do Curral está localizada na divisa entre os municípios de Belo Horizonte, Nova Lima, Sabará, Brumadinho e Ibirité. Ícone e patrimônio cultural para os moradores da região, sua silhueta é representada na bandeira da capital mineira. Estendendo-se da Mata da Baleia até o Parque da Serra do Rola Moça, a serra atua como um importante corredor ecológico, composto por um mosaico de áreas protegidas.
O complexo faz parte da Reserva da Biosfera Serra do Espinhaço, abrangendo também a APA Sul RMBH, o entorno imediato do Parque Estadual da Baleia, a zona de amortecimento do Parque da Serra do Rola Moça, e está próximo a várias Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN). De acordo com parecer técnico do Instituto Guaicuy em parceria com o Projeto Manuelzão, trata-se de “uma área livre de intervenção humana, preservada, com características de beleza cênica, assegurando o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.