Em maio deste ano, o gestor de fundos de hedge Bill Ackman fez uma palestra na Ira Sohn Conference, um fórum anual de debates que reúne investidores de Wall Street com o objetivo de captar recursos para financiar pesquisas e tratamentos na área de oncologia pediátrica. Em sua fala, Ackman tentou reabilitar o velho conceito de “empresas plataforma”, isto é, companhias que crescem por meio de repetidas aquisições, sempre buscando novos alvos em recantos ermos e pouco valorizados da economia. Essas roll-ups, como costumavam ser chamadas, fizeram muito sucesso em meados da década de 90, antes de cair em desgraça em virtude de uma série de escândalos. Ackman chamou a atenção dos presentes para duas companhias que seriam, em sua opinião, virtuoses modernas da estratégia. De lá para cá, os caminhos dessas duas empresas se desencontraram, confirmando a percepção de que as roll-ups são verdadeiros enigmas.
Uma das companhias mencionadas por Ackman é a Valeant, que se especializou na aquisição de medicamentos obscuros. Desde outubro, quando seus executivos foram acusados de adotar práticas de contabilidade criativa (coisa que eles negam), a empresa está na corda bamba. A outra é a Jarden, que é detentora de uma coleção tão sortida de marcas - abrangendo fabricantes de materiais esportivos, de artigos de pesca e de talheres de plástico, entre outros -, que a pessoa tem a impressão de estar diante de uma maçaroca insensata, até se dar conta de que seus acionistas são contemplados, desde 2010, com retornos anuais compostos de 28%. No dia 14 de deste mês, a Jarden anunciou que será adquirida, mediante o pagamento de um bom prêmio, pela Newell Rubbermaid, que fabrica canetas e artigos para casa. Juntas, as duas companhias valerão US$ 23 bilhões. Do ratinho que era há dez anos, a roll-up tornou-se um elefante.
Potter Stewart, um falecido juiz da Suprema Corte americana, certa vez disse que a pornografia é algo de difícil definição, mas todo mundo sabe quando está diante de uma imagem pornográfica. O mesmo vale para as roll-ups. Muitas empresas de grande porte carregam processos de fusão e aquisição no sangue: basta pensar na operadora de telecomunicações Vodafone ou na farmacêutica Pfizer. Alguns veículos de investimentos frequentemente compram empresas inteiras. É o caso da Berkshire Hathaway, de Warren Buffett, e do fundo de private equity Blackstone. E, no segmento industrial, muitas empresas realizam aquisições “bolt-on” (quando o negócio comprado é fundido com um dos departamentos ou unidades da companhia adquirente), com o intuito de ganhar expertise ou participação de mercado com determinado produto. O conglomerado Honeywell pretende gastar US$ 10 bilhões com esse tipo de aquisição nos próximos cinco anos.
As roll-ups combinam elementos de todas essas abordagens. Fechar negócios com assiduidade é um objetivo explícito. A ideia é que a empresa resultante da sucessão de aquisições supere em muito o valor original da roll-up. Com a integração das empresas adquiridas, pode-se compartilhar custos operacionais. Os negócios geralmente são feitos no interior de um mesmo segmento: as roll-ups não se apresentam aos investidores como fundos de investimentos diversificados, com performance avaliada segundo critérios como o de valor líquido dos ativos, e sim como negócios únicos, cujo desempenho deve ser julgado com base em seus lucros e seu fluxo de caixa.
Adotando essa definição, pode-se dizer que atualmente o valor agregado das roll-ups americanas é de cerca de US$ 100 bilhões. Há empresas famosas que começaram como roll-ups, para depois ascender à condição de gigantes multinacionais. A Liberty, império de mídia de John Malone, com valor de mercado de US$ 65 bilhões, começou na década de 70 com a aquisição de pequenas redes de TV a cabo que operavam em zonas rurais, no interior dos Estados Unidos. A AB InBev, que está comprando a britânica SABMiller, talvez seja a maior roll-up da história. A companhia começou com a fusão de duas cervejarias brasileiras de médio porte, em 1999, e não parou mais de comprar marcas de cerveja. Se o negócio com a SAB for aprovado, ela se tornará a 13ª empresa mais valiosa do mundo.
Nos anos 70 e 80, alguns aventureiros corporativos, como James Goldsmith, criaram conglomerados por meio de uma série de aquisições audaciosas. Mas foi na década de 90 que as roll-ups chegaram à maioridade. Entre 1994 e 1998, cerca de 90 empresas desse tipo abriram seu capital nos Estados Unidos, usando os recursos assim levantados para adquirir outras tantas companhias, adentrando recantos da economia em que Wall Street não se dignava a pôr os pés: salões de beleza, casas funerárias, máquinas de conveniência, empresas de ônibus, locadoras de vídeo e companhias de coleta de lixo. A coisa tinha lá sua lógica: promovia-se a consolidação de setores fragmentados e obtinham-se economias de escala.
Mas os anos 90 também expuseram o lado escuro das roll-ups. Muitas embarcaram num jogo perigoso, alimentando as expectativas dos investidores para que suas ações fossem negociadas em elevados níveis de valorização. A utilização dessas ações (ou títulos) altamente valorizadas na compra das ações baratas de empresas pequenas garantia a seus lucros por ação uma alta instantânea, dando a ilusão de crescimento. O jogo chegou ao fim quando as ações dessas empresas saíram de moda. Muitas se viram em palpos de aranha diante da complexidade inerente à execução e posterior integração de um número alucinante de aquisições.
Algumas foram alvejadas por suspeitas de malabarismos e fraudes contábeis. A empresa de coleta de lixo Waste Management foi acusada pelas autoridades de inflar seus lucros em US$ 1,7 bilhão. Entre os crimes supostamente cometidos figurava a negligência contábil de não levar em conta a depreciação do valor de seus caminhões coletores. Um estudo sobre negócios corporativos nos anos 90, de autoria dos pesquisadores Keith Brown, Amy Dittmar e Henri Servaes, mostra que, de maneira geral, os investidores perderam dinheiro com as roll-ups - mas também aponta para diferenças brutais entre as que foram bem-sucedidas e as que deram com os burros n’água.
Cabe, portanto, a pergunta: há como estabelecer distinções entre as roll-ups? Como indicam os casos de Valeant e Jarden, a tarefa é ingrata. Em certos aspectos, a Valeant parece ser uma empresa superior. Uma vez extraídos todos os benefícios das aquisições, a companhia obteve expansão mais acelerada de seu faturamento efetivo - se bem que os aumentos nos preços dos medicamentos adquiridos talvez se voltem contra ela. A Valeant consegue converter em fluxo de caixa uma proporção maior de cada dólar que vende - muito embora, isso seja, em parte, consequência do fato de que suas aquisições incluem companhias que já apresentavam forte geração de caixa. Ambas as empresas operam com um nível de alavancagem similar e, relativamente a seu porte, exibem mais ou menos o mesmo apetite aquisitivo. A maior diferença diz respeito ao número de aquisições e ao preço pago por elas. A Jarden tem sido seletiva e, quando o assunto é preço, mostra-se muito disciplinada, ao passo que a Valeant age frenética e displicentemente. A primeira é auxiliada pelo fato de atuar em segmentos simples, enquanto a segunda atua no complexo setor farmacêutico.
O cofundador da Jarden, Martin Franklin, é alguém que evidentemente acredita na fórmula. Embora esteja se desfazendo de sua maior roll-up, tem outras em formação, incluindo a Platform Specialty Products, que atua no segmento químico. Nunca faltarão alvos para as roll-ups. As grandes empresas estão sempre repensando suas estratégias e descartando subsidiárias. Em muitos setores da economia, predomina a fragmentação - basta pensar nas startups de tecnologia que talvez um dia precisem de uma casa mais espaçosa para vicejar, ou no segmento americano de exploração de petróleo de xisto, em que milhares de pequenas empresas em dificuldades precisam de abrigo para se proteger. De qualquer forma, sempre haverá empreendedores prontos a levantar o tapete do capitalismo à procura de boas pechinchas - uma gente que se morde de excitação quando está na iminência de fechar mais um negócio.
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