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Na guerra ambiental, generais e Bolsonaro substituem o vermelho pelo verde

Presidente não compreende que a política pressupõe o conflito para se atingir o consenso

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Por Marcelo Godoy
Atualização:

Caro leitor, 

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Jair Bolsonaro e uma parte dos militares brasileiros acreditam que o Brasil é alvo de uma guerra indireta patrocinada por potências estrangeiras e por uma espécie de movimento ambientalista internacional, sucessor do Movimento Comunista Internacional, o MCI do século passado. Assim também pensam os integrantes do Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, herdeiros da antiga TFP, conforme o Estado publicou. Substitui-se o vermelho pelo verde. Em vez de fria, a guerra seria, agora, ambiental. 

Na segunda-feira, dia 5, dois dos mais respeitáveis generais da reserva - Alberto Cardoso e Eduardo Villas Bôas - expuseram essa teoria em palestra no Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal. O general Cardoso, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Fernando Henrique, foi quem primeiro afirmou que o Brasil era alvo de uma “guerra indireta” no meio ambiente.

O presidente da República, Jair Bolsonaro Foto: Gabriela Biló/Estadão - 1/8/2019

Villas Bôas expôs depois suas ideias - republicadas no Twitter. Disse que, tão logo o Mercosul assinou tratado com a União Europeia, deu-se inicio a uma enxurrada de acusações contra o Brasil usando argumentos "ambientalista e indigenista que incluíam publicações na imprensa norte-americana". Ele prossegue: "trata-se de tentativas de criar barreiras não tarifárias contra nossos produtos".

O general acusou a Alemanha e os Estados Unidos de praticarem um novo imperialismo. "As nações não fazem mais guerras de conquista, e as grandes potências perderam a capacidade de controlar recursos naturais. Se não podem controlar, tentam, pelo menos, neutralizar a exploração desses recursos (por países como o Brasil).”

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Villas Bôas - que hoje assessora o governo - criticou ainda a Noruega, principal origem do dinheiro do Fundo Amazônia (94% dos cerca de R$ 3 bilhões). Bolsonaro quer mudar a gestão do fundo, mas os nórdicos são contra. As acusações de Villas Bôas foram repetidas pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, como em uma folie à deux, exasperando os líderes do agronegócio, que veem prejuízos com a repercussão negativa desse discurso.

Por fim, a ação contra o Brasil, afirmou Villas Bôas, seria “orquestrada e instrumentalizada por meio de algumas ONGs e organismo internacionais" e estaria gerando um “déficit de soberania na Amazônia”. O meio ambiente deixa, portanto, de ser uma questão científica e entra para o terreno da ideologia ao mesmo tempo em que os dados do desmatamento se transformam em expressão do "politicamente correto", que nas teorias conspiratórias do bolsonarismo é fomentado pelo imperialismo estrangeiro.

A desconfiança de Villas Bôas é compartilha por Bolsonaro. O presidente também insinuou que a ciência está a serviço de ONGs. Diante de tal agravo, o físico Ricardo Galvão, então diretor do INPE, desafiou o presidente: "Que me chame pessoalmente e tenha coragem de me dizer cara a cara isso". Bolsonaro não o fez. Mandou um ministro - o astronauta Marcos Pontes - demiti-lo

O que Villas Bôas e o presidente identificam como "déficit de soberania" nada mais é do que o resultado da inserção do País na comunidade internacional. A reação a ela usa instrumentos do passado para pensar o mundo moderno. É que sem polarização, o bolsonarismo não funciona. Ele e seu partido fardado não compreendem que a política pressupõe o conflito para se atingir o consenso. Ao identificar o conflito como manifestação inimiga, querem negar o diálogo. Ao fazer da ciência uma adversária, querem atacar a razão.

O leitor certamente viu a reação da economista Elena Landau diante dos conflitos suscitados pelo inquilino do Planalto. Para ela, ao não se submeter ao escrutínio da ciência, da razão e da comunidade internacional, a postura do presidente "não tem nada" de conservadora. Nem de estratégia. "É obscurantismo mesmo."

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