Excesso de burocracia nas prefeituras, regras confusas para aprovação de projetos e falta de planos de desenvolvimento das cidades são alguns dos pontos que mais atrapalham os investimentos por parte das empresas de loteamentos. Em média, um empreendimento do gênero leva 43 meses (o equivalente a três anos e meio) para receber aprovação para poder abrir o estande de vendas, de acordo com pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV) em parceria com a consultoria Econit. Essa morosidade atrasa investimentos, geração de empregos e recolhimento de impostos. O tema foi discutido durante o Fórum Loteamentos Urbanos, realizado pelo Estadão.
“O que a gente precisa é previsibilidade do que vai acontecer. Esse é um aspecto fundamental na relação com qualquer prefeitura. Se tiver um planejamento bom e regras objetivas, isso melhora a atividade e reduz custos”, aponta o empresário, engenheiro civil e vice-presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP) , Claudio Bernardes.
Ele aponta que as prefeituras com menos capacitação técnica acabam fazendo menos exigências no processo de licenciamento, mas essa não é a situação ideal. “O processo é um pouco mais fácil de ser desenvolvido, mas deveria haver um pouco mais de cuidado com a questão do desenvolvimento da cidade. Isso acaba sendo prejudicial”, afirma Bernardes. Já as prefeituras com mais estrutura muitas vezes pecam pela complexidade elevada. “Aí, você acaba tendo dificuldades. Em algumas prefeituras são mais de quatro anos para aprovar”, relata.

O que o setor privado espera são regras claras e um tratamento ágil nos processos, segundo o vice-presidente do Secovi-SP. “Se a prefeitura tem uma ideia de como quer o crescimento da cidade e quais são as suas necessidades, o ambiente de negócios fica muito melhor para o loteador porque ele vai ter diretrizes mais objetivas para exercer melhor a sua atividade”, argumenta.
O diretor de Saneamento Básico da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), Gustavo Zarif Frayha, aponta para a importância de as prefeituras se engajarem no desenvolvimento de planos urbanísticos. “A questão do planejamento tem que ser amadurecida”, recomenda.
Desde a Constituição Federal de 1988, é obrigatório que cada município acima de 20 mil habitantes tenha o seu plano diretor (que define as premissas para construção de empreendimentos imobiliários) bem como o plano de saneamento básico. No entanto, essa ainda é uma lacuna em algumas regiões, que atrapalha o fluxo de investimentos públicos e privados, diz.
“Para liberar financiamentos nessas áreas, o Ministério das Cidades, por exemplo, exige que as prefeituras apresentem esses planos”, observa Frayha. Para ajudar a resolver esse gargalo no Estado de São Paulo, a Arsesp financiou mais de 270 planos de saneamento dos municípios. O objetivo foi ajudar no planejamento urbano e estabelecer responsabilidades das empresas de saneamento em relação à cobertura da rede de água e esgoto, que muitas vezes se confundem com investimentos das empresas de loteamento.
Alinhamento entre poder público e privado pode render boas práticas
O presidente da Comissão de Assuntos Econômicos no Senado, ex-prefeito de Senador Canedo (GO) por dois mandatos e pré-candidato à prefeitura de Goiânia, o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) defende maior alinhamento entre o poder público e a iniciativa privada. Ele conta que, nos seus tempos de prefeito, houve um esforço para viabilizar novos empreendimentos imobiliários com a organização de um consórcio empresarial que assumisse a construção das redes de saneamento básica no lugar da prefeitura, que não tinha recursos suficientes.
“Ali foi feito o primeiro consórcio de adutores, de caixas, de reservatórios. Foi feito com os loteadores para receber os empreendimentos. Mais recentemente, saiu o segundo consórcio do tipo”, relembra. “Tudo saiu com a iniciativa privada, sem o município fazer os investimentos, que são altíssimos. O município não tinha condição”.
Na sequência, essa infraestrutura foi doada para o acervo de ativos públicos e os loteamentos foram erguidos nesses locais. “Planejamos que o município fosse chegar até 2035 com 250 mil a 280 mil habitantes E está tudo andando dentro do programado”, diz.
Atualmente, são 160 mil moradores, um salto de cerca de 80% em dez anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
Estado de São Paulo tem ‘Poupatempo’ para empreendedores imobiliários
O Estado de São Paulo tem um modelo que facilita a vida dos empreendedores e que vem se aperfeiçoando. Trata-se do Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais (Graprohab), que atua no processo de licenciamento junto com as prefeituras.
O órgão funciona como uma espécie de “Poupatempo”, isto é, uma central que reúne vários balcões por onde o dono de uma loteadora deve passar para ter o empreendimento analisado. O Graprohab é formado por representantes da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação, da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), d Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee) e da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).
Desde o começo do ano, o processo de licenciamento está sendo feito de forma digital. Até então, o empresário precisava remeter os documentos ou fazer entregas presenciais. A estimativa é que a digitalização tenha ajudado a baixar entre 15 e 20 dias o tempo de tramitação no processo no Estado, cujo prazo fica entre 30 a 60 dias. “Entendemos que o empresário quer e precisa encontrar regra, prazo, modelo e procedimento. Tudo claro e objetivo”, afirma o presidente do Grapohab, Lacir Ferreira Baldusco.
Em uma outra iniciativa, o “Poupatempo do Empreendedor” vem implementando o licenciamento integrado, em que os pedidos dos loteadores para o parcelamento de solo e a formação dos condomínios são analisados ao mesmo temo. “Esse processo corre em conjunto. E quando sai a aprovação final da prefeitura, você leva um registro completo. Isso, imaginamos, gera uma diminuição de tempo significativa em todo esse processo burocrático do licenciamento”, diz Baldusco.
Reforma tributária preocupa setor e terá análise quarta
Principal preocupação legislativa atual do mercado de loteamentos, a regulamentação da reforma tributária (PLP 68/24) deve começar a ser votada na quarta-feira pela Câmara dos Deputados. O grupo de trabalho que debateu as regras gerais de operação dos tributos criados sobre o consumo, que vão substituir PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS após um período de transição (2026 a 2033), apresentou parecer anteontem. Com base nele, devem ainda ser apresentadas diversas emendas.
Em linhas gerais, a proposta do governo atualmente em análise prevê progressividade – quanto maior o valor do imóvel, maior o tributo em termos proporcionais – e cria um redutor social, que exclui os primeiros R$ 100 mil em operações com imóveis da base de cálculo do IBS e da CBS. Prevê-se ainda um “redutor de ajuste”, que permitiria deduzir do cálculo dos tributos custos do terreno e de bens e serviços usados na construção.
Durante as discussões anteriores à apresentação do atual relatório, o setor demonstrou preocupação com os encaminhamentos. Caio Portugal, presidente da Associação das Empresas de Loteamento e Desenvolvimento Urbano, sugeriu um fator de redução de 80% nessa tributação para o setor de loteamentos. “Esse redutor social de R$ 100 mil por unidade vendida de habitação não prevalece para atividade de loteamento. Isso cria uma distorção”, disse durante debate do grupo de trabalho da Câmara no mês passado. O GT ouviu 1.344 pessoas ao todo em 218 horas de trabalho.
Considerando as solicitações feitas, a construção civil passou a entrar no regime diferenciado e, caso se mantenha o texto proposto na quinta-feira, haverá redução de alíquotas de operações com bens imóveis de 40%, e de aluguéis, de 60%. O redutor social, que antes era de apenas R$ 100 mil para a aquisição de imóveis residenciais, também será aplicado à aquisição de lotes em R$ 30 mil. Para aluguéis, o redutor será de R$ 400.
O deputado Luiz Gastão (PSD-CE) disse à Agência Câmara que ainda será acertada a redação do texto sobre a transição do sistema antigo para o novo. A ideia é prever uma forma de não prejudicar investimentos feitos no período.
O que diz o texto enviado pelo governo
Seção V
Da Incorporação Imobiliária e do Parcelamento de Solo
Art. 247. Na incorporação imobiliária e no parcelamento de solo, o IBS e a CBS incidentes na alienação das unidades imobiliárias serão devidos em cada pagamento ou no momento em que o pagamento se tornar devido, o que ocorrer primeiro.
§ 1.º Considera-se unidade imobiliária:
I - o terreno adquirido para venda, com ou sem construção;
II - cada lote oriundo de desmembramento de terreno;
III - cada terreno decorrente de loteamento;
IV - cada unidade distinta resultante de incorporação imobiliária; e
V - o prédio construído para venda como unidade isolada ou autônoma.
§ 2.º Dos valores de IBS e CBS devidos em cada período de apuração, o alienante poderá compensar os créditos apropriados relativos ao IBS e da CBS pagos sobre a aquisição de bens e serviços utilizados na obra, sendo vedado qualquer pedido de ressarcimento de saldo credor durante a construção da obra.
§ 3.º Eventual saldo credor poderá ser objeto de pedido de ressarcimento após a conclusão da obra e a emissão do “Habite-se” ou, opcionalmente, ser compensado com os valores do IBS e da CBS relativos a outras operações tributadas do contribuinte.
Art. 248. Na alienação de imóveis de que trata este artigo, o redutor de ajuste de que trata o art. 244 e, quando cabível, o redutor social de que trata o art. 245 deverão ser deduzidos da base de cálculo relativa a cada parcela, de forma proporcional ao valor total do bem imóvel.
Parágrafo único. No caso de imóveis residenciais novos cujo pagamento tenha sido iniciado antes de 1.º de janeiro de 2027, a aplicação dos redutores de que trata o caput se dará proporcionalmente ao valor total do imóvel, inclusive de parcelas pagas anteriormente à referida data.