Com André Mascarenhas*
O ataque que matou ao menos 12 pessoas na redação da revista francesa que publicou charges do profeta muçulmano Maomé reacendeu o debate sobre liberdade de expressão, autocensura, intolerância religiosa e choque de civilizações.
Como na religião muçulmana é proibida a representação das divindades e outros nomes sagrados, a publicação das charges por veículos europeus seria, segundo os extremistas religiosos, motivo para os ataques aos cartunistas autores e aos órgãos que publicaram o material.
Os muçulmanos acreditam que Maomé foi o último profeta enviado à Terra por Deus (Alá). Sua missão seria guiar a humanidade em direção ao islamismo, religião na qual a idolatria é um pecado, ao contrário do cristianismo, que usa imagens de Jesus Cristo e de santos.
No Brasil, as referências ao líder da religião islâmica nunca foram veementemente censuradas. Por aqui, o principal representante de Alá na Terra já foi citado em marchinhas de carnaval e num sucesso do rock.
Composta na década de 1960, a marchinha “Cabeleira do Zezé”, escrita por João Roberto Kelly, cita o nome de Maomé para fazer rima com “Zezé” e com a pergunta “sera que ele é?”. Embora o autor negue, a música brinca com a questão do homossexualismo.
Olha a cabeleira do Zezé
Será que ele é
Será que ele é
Será que ele é bossa nova
Será que ele é Maomé
Parece que é transviado
Mas isso eu não sei se ele é
Outra antiga marchinha até hoje sucesso nos carnavais falava de Alá. "Allah-lá-ô", de Haroldo Lobo e Antônio Nássara (gravada em 1940), tinha em sua primeira versão (1939), com participação de David Nasser na autoria, citação a Alá e também usava o nome de Maomé. A letra de 1939 dizia:
Chegou a nossa caravana
À frente vem Maomé
Atravessamos o deserto
Sem pão e sem banana...
Sem água pra fazer café
Allah-lá-ô ô ô ô ô ô ô
Mas que calor ô ô ô ô ô ô.”
Maomé saiu da versão definitiva (leia mais no blog Música em Prosa), mas até hoje Alá é evocado na mais profana das festas:
Viemos do Egito
E muitas vezes
Nós tivemos que rezar
Allah! Allah! Allah, meu bom Allah!
Mande água pra ioiô
Mande água pra iaiá
Allah! Meu bom Allah!
Mas não foram apenas os foliões que se apropriaram do nome do profeta em obras musicais. Um dos maiores sucessos de Raul Seixas, ”Eu Nasci Há 10 mil Anos Atrás”, escrita em parceria com Paulo Coelho, menciona Maomé num trecho que também cita Cristo, Moisés e o apóstolo Pedro:
Eu nasci há dez mil anos atrás
E não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais
Eu vi Cristo ser crucificado
O amor nascer e ser assassinado
Eu vi as bruxas pegando fogo
Prá pagarem seus pecados, eu vi
Eu vi Moisés cruzar o Mar Vermelho
Vi Maomé cair na terra de joelhos
Eu vi Pedro negar Cristo por três vezes
Diante do espelho, eu vi
“Saiba”, composição de Arnaldo Antunes gravada por Adriana Calcanhotto em um disco voltado para o público infantil, também cita o profeta em meio a outros líderes religiosos e figuras históricas:
Saiba!
Todo mundo teve infância
Maomé já foi criança
Arquimedes, Buda, Galileu
E também você e eu...
* André Mascarenhas, editor de Internacional do Estadão.com.br entre 2006 e 2008 e autor do texto original publicado em em 3/2/2006 no qual esse post foi baseado.