Explosões em carros com GNV: entenda por que acontece e as medidas de prevenção necessárias

Especialistas e órgãos voltados de segurança veicular afirmam que o gás natural veicular é seguro e confiável, mas exige que o motorista seja responsável em relação à manutenção do sistema. Veja as dicas

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Por Caio Possati
Atualização:

Ao menos três acidentes envolvendo explosões de carros em postos de gasolina foram registrados nas últimas semanas. O ponto em comum: o abastecimento do automóvel por Gás Natural Veicular (GNV), um tipo de combustível alternativo mais econômico e menos agressivo ao meio ambiente. Os especialistas e órgãos voltados para a segurança veicular ouvidos pelo Estadão afirmam que o GNV é seguro e confiável, mas seu funcionamento exige que o motorista seja muito responsável e prudente em relação à manutenção do sistema.

Raphael Chede, diretor da Federação Nacional da Inspeção Veicular (Fenive), afirma que a segurança começa no “momento da conversão”, processo que dá ao veículo a possibilidade de se locomover por gás natural. Para isso, é necessário a instalação do kit GNV, que vai alterar as características de fábrica do carro.  

Imagem da explosãoem posto de gasolina no Rio de Janeiro, em 26 de julho,que vitimou Mário Magalhães, de 67 anos. Foto: Reprodução

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“É importante converter em uma oficina certificada pelo Inmetro”, afirma Chede, se referindo ao Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. “É necessário dar preferência para equipamentos novos, cuja origem seja de qualidade; fazer manutenção e requalificação dentro dos prazos e em oficinas credenciadas pelo Inmetro; e realizar a inspeção de segurança veicular a cada 12 meses para atestar se há, ou não, algum problema a ser corrigido”, completa.

Para fazer a instalação do kit, a pessoa precisa pedir autorização ao Departamento de Trânsito (Detran). Instalado o sistema GNV em oficina homologada pelo Inmetro, é necessário realizar a inspeção veicular em empresas certificadas pelo instituto de qualidade. São nessas inspeções, explica Raphael Chede, que o motorista vai receber a orientação correta do que deve ser feito quando alguma irregularidade ou falha for encontrada.

Depois de aprovado na inspeção, o veículo recebe também o Certificado de Segurança Veicular (CSV) e o selo GNV,  entregue a cada nova fiscalização anual e que é de porte obrigatório porque comprova que o sistema de gás natural foi instalado no carro dentro das normas. A cada cinco anos, o cilindro onde o gás é inserido deve passar por um processo de requalificação para avaliar as capacidades e características mecânicas do instrumento.

Porém, nem todas as pessoas cumprem com estas obrigações. Um levantamento da própria Fenive, feito com base nos dados da Secretaria Nacional do Trânsito (Senatran), indica que o Brasil tem, hoje, 2,6 milhões de automóveis movidos a GNV. Trata-se de cerca de 5% de toda a frota nacional — o País soma cerca de 50 milhões de veículos atualmente em circulação. 

Porém, segundo a Federação, somente 28% possuem o Certificado de Segurança Veicular atualizado, o que significa que 72% não estão com a documentação em dia, de acordo com a pesquisa. Ou seja, dos 2,6 milhões de automóveis com GNV, cerca de 1,9 milhão estão irregulares e não poderiam estar em circulação de acordo com a legislação. O CSV é o documento exigido por lei para que os veículos movidos a GNV possam ter o seu licenciamento anual. Segundo o diretor da Fenive, o alto número de veículos em situação irregular explicam as explosões recentes.

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Por que a explosão acontece?

Raphael Chede menciona que, se o cilindro não estiver em boas condições de manutenção, requalificação e não ter passado pelas inspeções corretamente, o equipamento não vai aguentar a pressão de abastecimento e vai apresentar riscos de rompimento. Quando rompe, a explosão acontece. 

Com o tempo, o aço que reveste todo o cilindro vai sendo fatigado a cada ciclagem, isto é, quando o instrumento passa pelo processo de ser esvaziado e abastecido. “Por isso é necessário fazer a inspeção todos os anos”, diz o diretor da Fenive.

Ainda de acordo com o especialista, a cada cinco anos é necessário fazer um teste para verificar a capacidade que o cilindro tem de suportar a pressão de abastecimento. Para isso, o objeto é submetido a uma pressão até maior do que a feita nos postos (indicada para ser em 200 bars). Tudo de forma segura e controlada. “Isso é feito para verificar se o cilindro aguenta mais cinco anos de ciclagem, ou se está em risco de romper.” 

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Um dos indicadores desse desgaste é o nível de oxidação do equipamento. O processo químico, que pode ser causado por exposição ao fogo, ao sol e à chuva, leva o cilindro, mesmo sendo de aço, a perder propriedades importantes que o torna menos resistente à pressão feita durante o abastecimento. 

Cilindros trocados podem ter provocado recente explosão

A Fenive tem, como atribuições, realizar inspeções técnicas de segurança em veículos e investigar as causas de acidentes como os que têm acontecido. De acordo com Raphael Chede, a causa das recentes explosões, que vitimaram duas pessoas, pode estar associada à falta de manutenção dos kits GNV e de inspeções que, se realizadas, encontrariam irregularidades.

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“O carro que sofreu o acidente ontem passou por uma inspeção em 2019 e estava com um cilindro ‘x’. Depois da explosão, mandamos uma pessoa ao local e verificamos que o cilindro que explodiu era ‘y’. Ou seja, foi trocado e não sabemos a que tipo de situação esse material foi exposto durante esse tempo”, conta Chede. 

O diretor se refere à explosão registrada na última quinta-feira, 11, no município de São Pedro da Aldeia, no Rio de Janeiro. Um frentista do estabelecimento morreu depois de ser hospitalizado, e outras quatro pessoas, entre elas o motorista, ficaram feridas. 

Em 26 de julho, também no Rio, Mário Magalhães, idoso de 67 anos, também morreu após ter o carro detonado enquanto o abastecia com o GNV em um posto na zona norte da capital. Ele chegou a ser socorrido, mas não resistiu aos ferimentos e morreu dias depois.

Durante o levantamento preliminar deste acidente, especialistas em inspeção veicular que foram até o posto verificaram que o cilindro instalado no veículo não era o mesmo que havia sido inspecionado em 2021. Na verdade, o equipamento teria sido retirado de um veículo roubado em 2016. "Roubos de carros e a falta de segurança pública também provocam esses acidentes", afirma Raphael Chede.

Dicas e orientações de segurança:

Segurança para instalação do kit GNV

- Providenciar a autorização prévia do Departamento Estadual de Trânsito (Detran). A orientação está prevista no artigo 98 da Lei 9503/97;

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- Buscar atendimento em oficinas registradas no Inmetro, que possuem as condições técnicas para a prestação do serviço (lista de empresas). 

- Antes da instalação, solicitar à oficina que faça uma inspeção do veículo. Problemas em peças (velas, cabos e bateria) ou vazamentos internos podem comprometer a instalação correta do GNV e o desempenho geral do veículo. Se for identificado algum problema, é necessário que searrume antes da instalação do sistema;

- Instalar um “kit” de GNV compatível com o veículo. As diversas gerações de kit´s possuem princípios diferentes de funcionamento, desempenho, manutenção e preços. O de 3ª geração, por exemplo, é indicado para motores aspirados ou com injeção eletrônica de mono ou multiponto, enquanto o kit de 5ª geração é recomendado para veículos mais potentes e modernos; 

- Não utilizar peças usadas e de origem desconhecida, sobretudo em comércio virtual. Esses componentes podem apresentar problemas, como vazamentos, falta de adequação ao tipo do veículo, além de comprometer o desempenho da peça. 

- O cilindro adquirido precisa apresentar o registro do produto no Inmetro, a data da fabricação, e informar se já passou por uma requalificação e qual foi empresa requalificadora. É importante observar se as informações marcadas no cilindro conferem com o certificado fornecido. 

- As peças do sistema GNV que estão submetidas à pressão, como redutor e indicador de pressão, válvulas de abastecimento, tubos de alta e baixa pressão, devem estar certificadas pelo Inmetro. 

- Após a instalação, a oficina deverá entregar ao proprietário os seguintes documentos:Atestado da Qualidade do Instalador Registrado; Manual do Cliente; Notas fiscais de venda e instalação das peças ou, se for o caso, substituição, retirada e manutenção; e também um Relatório Técnico de Requalificação do Cilindro, quando se tratar de cilindros requalificados.

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- De posse dos documentos entregues na oficina, o proprietário deve levar o veículo a um Organismo de Inspeção Acreditado do Inmetro para a Inspeção de Segurança Veicular, onde o veículo e a instalação do sistema de GNV serão avaliados. Essa inspeção deve ser realizada anualmente — Lista de locais certificados para realizar o procedimento.

- Após a aprovação na inspeção, o proprietário deve entrar em contato com o Detran para adquirir um novo Certificado de Registro do Veículo (CRV), com a inclusão do novo combustível.

Segurança no momento de abastecer o carro:

- Desligar o carro e produtos eletrônicos;

 - Não fumar próximo ao carro enquanto estiver sendo abastecido;

- Todas as pessoas devem sair do veículo e se posicionar na parte da frente do carro;

- Ficar afastado também da parte traseira de outro carro movido a GNV — os cilindros ficam no porta-malas ou instalados em baixo do carro, na parte de trás. As explosões acontecem nessa região do veículo.

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- Não abastecer acima do permitido que, geralmente, é 200 bars. Quando se abastece a 250 e 260 bars, por exemplo, se fadiga mais o cilindro, diminui a vida útil do instrumento e expõe ao risco de acidente.

Manutenção

- Realizar inspeção do veículo em oficinas credenciadas pelo Inmetro a cada 12 meses;

- Realizar, a cada cinco anos, a requalificação do cilindro para aferir as características mecânicas e a resistência do equipamento;

- Fazer a compra ou substituição por peças novas, de procedência confiável e certificadas pelo Inmetro. Fontes: Instituto de Pesos e Medidas do Estado de São Paulo (Ipem); Federação Nacional da Inspeção Veicular; Comitê Nacional do GNV

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