Freira é acusada da morte de dez idosos por maus-tratos em asilo de MG

Denúncia aponta que residentes eram amarrados às camas, faziam necessidades em baldes e recebiam banhos coletivos, além de medicação sem controle

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Foto do author José Maria Tomazela
Por José Maria Tomazela
Atualização:

SOROCABA – O Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) analisa denúncia contra uma freira acusada de maus-tratos que teriam resultado na morte de dez idosos em uma instituição de longa permanência de Divinópolis. Conforme a Polícia Civil, a religiosa dirigia o asilo em que os idosos eram amarrados às camas, faziam necessidades em baldes e recebiam banhos coletivos, além de medicação sem controle. Outras 14 pessoas – um médico, sete técnicos e auxiliares de enfermagem, um advogado e cinco membros da administração – foram indiciadas pelos crimes. Os envolvidos negam as acusações.

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Conforme a Polícia Civil, a freira era a responsável técnica pela instituição, por isso vai responder pelas mortes decorrentes de omissão, tortura, maus-tratos, cárcere privado e prática ilegal de medicina. Os outros indiciados responderão de forma solidária, em diferentes graus, por terem participado e se omitido em denunciar os supostos crimes. O MP informou ter recebido o inquérito policial no último dia 20, tendo 15 dias para oferecer denúncia. “Os autos estão sendo analisados”, disse, em nota.

A freira Adelaide Dantas, de 55 anos, membro da Congregação das Filhas de Nossa Senhora do Sagrado Coração, ligada à Igreja Católica, assumiu a direção da Vila Vicentina Padre Libério em 2015. As investigações começaram em abril do ano passado, após ex-funcionários terem denunciado os maus tratos. Foram ouvidos e examinados 81 idosos que estavam na instituição à época e, destes, 58 foram considerados vítimas. A investigação ouviu também ex-funcionários e familiares das vítimas.

A polícia apurou que ao menos dez idosos podem ter morrido em decorrência dos maus-tratos ou por falta de atendimento médico devido à omissão da responsável. Conforme a delegada Adriene Lopes, responsável pelo inquérito, idosos que estavam na enfermaria com a situação de saúde agravada e necessitando de atendimento mais complexo não eram levados para unidades hospitalares e muitos acabaram morrendo.

Além de irregularidades no armazenamento dos remédios, os medicamentos eram aplicados sem controle. A denúncia relata o caso de uma idosa que foi levada a um pronto-socorro e os exames mostraram que ela havia sido medicada em excesso. A vítima morreu algumas semanas depois. Conforme a investigação, o médico ia ao local apenas uma vez por semana. O receituário médico ficava com a freira, que prescrevia os remédios e usava o carimbo do profissional.

Uma perícia técnica constatou que o número de leitos era inferior ao determinado pelas normas sanitárias. Também não havia distanciamento entre as camas e ao menos um idoso foi encontrado amarrado ao leito com pedaços de pano. Outros idosos foram encontrados com hematomas decorrentes da contenção irregular. Os funcionários relataram casos de ameaças e castigos aos internos. Havia uma espécie de cela com grade e cadeado nas instalações.

Delegada Adriene Lopes (esq.), responsável pela investigação, encaminhou o inquérito ao MP-MG Foto: Polícia Civil MG/Divulgação

Fotos e vídeos mostrando a situação degradante em que viviam os idosos foram anexados aos autos encaminhados ao MP. Segundo a polícia, a enfermeira que denunciou os maus-tratos em 2022 foi demitida. Livros de anotações diárias apreendidos pela polícia, no entanto, corroboram as denúncias. Entre os relatos, estão casos de pacientes que apresentaram dificuldade para respirar, baixa oxigenação e que teriam sido deixados para morrer.

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Conforme a delegada, houve graves violações ao Estatuto do Idoso. “Alguns dos institucionalizados, em especial os mais vulneráveis acometidos de distúrbios psiquiátricos, eram mantidos em ambientes insalubres, sem acesso à água e ao vaso sanitário. Alguns deles eram amarrados com contenções mecânicas sem prescrição médica. Também foi apurado que a instituição não tinha profissionais suficientes para cuidar dos internos como deveria”, disse.

O mais grave, segundo ela, é que a omissão de socorro constatada na investigação resultou em sofrimento e mortes, o que levou ao indiciamento dos 15 investigados. “A freira, enfermeira responsável técnica pela instituição, foi indiciada por crimes de infração de medida sanitária preventiva, exercício ilegal de medicina, curandeirismo, homicídio omissivo impróprio (na forma dolosa), cárcere privado, tortura e maus-tratos”, detalhou.

Adelaide também foi indiciada por falsidade ideológica, assim como o médico responsável pela unidade. Sete técnicos e auxiliares de enfermagem foram indiciados por maus-tratos, cárcere privado e tortura, sendo este último crime imputado também a outros seis funcionários da instituição.

Quando as denúncias surgiram, a prefeitura de Divinópolis decretou intervenção municipal na unidade e a Associação São Vicente de Paulo, mantenedora da instituição, afastou os gestores. Há duas semanas, a intervenção foi suspensa. Atualmente, o asilo está com 62 moradores que contam com seis funcionários no serviço de alimentação, oito na limpeza e 17 cuidadores, além de equipe de saúde.

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Em nota, o Conselho Nacional do Brasil, órgão máximo da Sociedade de São Vicente de Paulo no país, informou que ao tomar conhecimento das denúncias e da abertura do inquérito policial, promoveu a intervenção administrativa na instituição, afastando toda diretoria e funcionários supostamente envolvidos. “Durante todo este tempo, esteve à disposição das autoridades para contribuir na elucidação dos fatos e trabalhou para sanar os problemas apontados”, disse.

Segundo a instituição, atualmente a Vila Vicentina Padre Libério, fundada pelos vicentinos em agosto de 1944, está liberada pelo município e demais órgãos competentes para atender os idosos, como vinha fazendo, após terem sido cumpridas as exigências dos órgãos públicos no sentido de sanar as irregularidades encontradas. “A Sociedade de São Vicente de Paulo confia que os culpados serão processados e punidos de acordo com a lei e reitera seu compromisso de manter seu trabalho espiritual e assistencial à pessoa em situação de vulnerabilidade social.” Os vicentinos mantêm 600 instituições de idosos no país.

A reportagem procurou a freira Adelaide Dantas, mas foi orientada a conversar com seu defensor. O advogado Marcos Valério disse que a freira atuou em outras instituições de idosos e nunca houve queixas contra seu trabalho. “A irmã é reconhecida por ter trabalhado sempre com o maior zelo possível. Em seu depoimento, ela negou todas as acusações e temos provas, que serão juntadas aos autos, de que todos os casos graves foram levados para o hospital e a irmã acompanhou a todos. Não houve a alegada omissão, o que será provado no momento oportuno”, disse.

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Procurada, a Diocese de Divinópolis, à qual a freira é subordinada, não se manifestou. Os outros indiciados não tiveram os nomes divulgados pela Polícia Civil, o que impediu que as defesas fossem ouvidas. No inquérito, segundo a polícia, eles alegaram que apenas cumpriam ordens e negaram as acusações de cárcere privado, maus-tratos e tortura.

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