A memória da Copa de 82 e daquela que veio depois.
De comprar gibi e confundir Caverna do Dragão com aquela de Platão.
Das filas do recreio, dos desejos analógicos rodados em VHS.
Dos desejos que também eram analógicos.
Do dia em que o videocassete chegou em casa – e das fitas piratas. De alugar 5 fitas na sexta para devolver no sábado (quem não rebobina paga multa). Lembro de assistir a comédias apenas para ver um relance de um peito.
Das fotos em papel na caixa de sapatos. Dos segredos que estavam guardados nestas caixas de sapato. Os cabelos do meu pai, o sorriso da minha mãe e meu corte de cabelo esquisito.
Do fim dos 80/começo dos 90 e do dia em que ouvi Smells Like Teen Spirit no rádio.
Da dificuldade de colocar lentes de contato. De achar que eu nunca deixaria de usar óculos ou aparelho nos dentes – que terror foi usar aparelho nos dentes.
Do primeiro dia de faculdade. De escapar do trote porque eu não podia cortar o cabelo – estava fazendo cinema, acredita? De perder uma semana de aula por medo que cortassem o meu cabelo.
Dos primórdios da internet discada. De usar só na madrugada para pagar somente um impulso. De ouvir música na Usina do Som. Os programas da TV Cultura (Programa Livre) e da Gazeta (TV Mix 1,2,3 e 4).
Das primeiras baladas. De ter horário para voltar para casa. Do chiclete que disfarçava o cheiro do álcool. De me fingir de sóbrio. Do bug do milênio e o novo corte de cabelo.
Das peças de teatro e da crença de que se tinha algo por dizer.
Do meu primeiro emprego como radioescuta. Dos meus primeiros beijos.
A namorada que não foi. Além da que não veio. Dessa certeza que uma paixão iria pintar a qualquer momento.
E se não pinta? Não pinta. Como já dizia Herbert Vianna, “a vida não é filme e você não entendeu”.
De quando a morte era só um Tamagochi. De quando a morte era um Tamagochi comprado das mãos de um contrabandista coreano na Galeria Pajé. É... teve um tempo em que ninguém morria. Vocês entendem? Ninguém perto da gente trabalhava com essa perspectiva. Era uma vida inteira pela frente. Ainda é..., mas o “pela frente” não são mais 50 anos (e estou sendo otimista). A memória é o paraquedas que suaviza a descida. Mas o tempo é o chão. O chão. *Gilberto Amendola é repórter do Estadão e observador da vida urbana