EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

As férias da família tartaruga

Vai ser a primeira vez de Bento e Lili no litoral potiguar

PUBLICIDADE

Foto do author Gilberto Amendola
Por Gilberto Amendola
Atualização:
Família tartaruga estava ansiosa para suas férias no litoral potiguar, mas... Foto: Márcio Fernandes/Estadão

Antes de qualquer outra coisa é preciso dizer que Onofre é uma tartaruga marinha. Ele é casado com Elizabeth e tem dois filhos, Bento e Lili. Todo ano, a família reserva os meses de outubro e novembro para viajar para o litoral do Rio Grande do Norte – acham as praias e as comidas imperdíveis.

PUBLICIDADE

Eles ainda não sabem. Mas você, que está me lendo, já sabe o que vai acontecer com essas tartaruguinhas. Então, honestamente, eu não vou ficar magoado se você parar por aqui. Tudo bem. Nos vemos daqui a duas semanas, na próxima coluna... 

Depois de um ano de trabalho duro, Onofre sonha com as férias. Por ele, a família partia só com o casco do corpo. Mas Elizabeth é mais detalhista – e sabe das necessidades e imprevistos de uma temporada longe de casa. Então, inevitavelmente, antes de cada viagem, o casal tem uma pequena discussão sobre o peso das malas. No fim, Elizabeth sempre vence. 

As crianças estão ansiosas. Vai ser a primeira vez delas no litoral potiguar. Estão fazendo planos mirabolantes. Já nem conseguem dormir de tanta ansiedade. Bento até esqueceu o videogame. Lili já fez uma lista de tudo o que quer fazer e conhecer quando chegar perto da praia. 

Na noite anterior ao início da viagem, Onofre e Elizabeth reuniram as crianças para uma conversa séria. “Vocês prestem atenção: nosso passeio será lindo e divertido, mas é preciso que vocês obedeçam a mim e a sua mãe”, disse Onofre. “Nós viajamos juntos. Vocês não podem, em nenhuma hipótese, se afastar de mim ou do pai de vocês”, completou Elizabeth. Em coro, as crianças concordaram. 

Publicidade

Elizabeth não quis comentar com ninguém, mas tinha tido um sonho ruim sobre a viagem. Talvez fosse uma besteira. Mas era um pressentimento – como viria a ter certeza muito mais tarde. 

Bom, esse é o meu último aviso. Acho que todo mundo já entendeu do que se trata essa história. Então, se você não quer ficar triste, ainda está em tempo de desistir. 

A viagem começou como o esperado. Todos em um ritmo cadenciado e próprio, conhecido como ritmo de tartaruga. As primeiras horas transcorreram na maior tranquilidade. A paz foi interrompida por uma aparição. Um peixe morto, de barriga pra cima, revestido por uma camada escura. 

Onofre e Elizabeth se apressaram em tapar os olhos dos pequenos. Mas não foram rápidos o suficiente. “Por que aquele peixe tá nadando de barriga pra cima, papai?”, perguntou Bento. Sem deixar que o pai tentasse uma resposta, Lili disse que era um peixe trabalhador e que, provavelmente, estava apenas relaxando depois de um bom almoço. Onofre e Elizabeth apenas confirmaram a história. Elizabeth cochichou dizendo ser melhor voltarem para casa. Onofre foi contra – e afirmou que, provavelmente, aquilo tinha sido apenas um acidente isolado.

A viagem continuou. Léguas adiante, a família percebeu uma agitação. Peixes, frutos do mar e outras tartarugas nadavam no sentido oposto ao deles. Sem entender, ouviram apenas um camarão dizendo algo como “nadem, nadem”. Onofre e Elizabeth tentaram juntar as crianças e seguir o fluxo dos fugitivos.

Publicidade

PUBLICIDADE

Uma mancha escura, espessa, gosmenta e terrível marchava em direção à família tartaruga. O óleo fez a noite virar dia e o mar transformou-se em um abismo. Na confusão, Lili se perdeu. Elizabeth se desesperou e saiu procurando pela filha. Onofre agarrou Bento pelo casco, mas não conseguia atingir uma boa velocidade. O óleo foi chegando e abrindo sua bocarra infinita. 

Você sabe o que aconteceu, não é? É isso mesmo que você está pensando. Eu avisei. Mas, se você chegou até aqui, merece ler um final feliz. A família tartaruguinha se reencontrou na beira da praia, no litoral potiguar. Depois de vencerem as ondas, viram o sol refletido nos guarda-sóis fincados na areia. Os quatro foram se aproximando, ficando bem pertinho e sentindo os cascos se tocarem. Eles estavam juntos, protegidos, de férias, no céu, e nada mais importava. *Envie sua pergunta para viagem.estado@estadao.com.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.