Guarapuava: Brasil precisa encarar esses crimes como equivalentes ao terrorismo; leia análise

'É urgente que o Brasil desenvolva uma doutrina de resposta a incidentes criminais’, diz especialista. Quadrilha aterrorizou cidade paranaense nesta madrugada

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Por Rafael Alcadipani
Atualização:

Tornou-se regra no Brasil criminosos fortemente armados invadirem cidades, atacarem unidades policiais e roubarem instituições financeiras ou empresas que armazenam valores. Estas quadrilhas utilizam-se de armas de grosso calibre, muitas delas restritas apenas às forças armadas, explosivos e veículos blindados. Este tipo de ação leva terror a cidades inteiras e tendem a ocorrer em locais com baixa estrutura policial. 

A última ação deste tipo aconteceu na cidade de Guarapuava, no Estado do Paraná. Nesta ocorrência, policiais e pessoas foram baleadas e os criminosos estão foragidos. Estas quadrilhas são altamente especializadas. Possuem em sua estrutura criminosos que cuidam da contenção das forças de segurança, criminosos que conhecem como usar explosivos e criminosos que cuidam da posterior lavagem do dinheiro. Elas se beneficiam de inúmeras falhas do Estado.

Mais de 30 criminosos fortemente armados tentaram assaltar uma empresa de transporte de valores, em Guarapuava, na região central do Paraná Foto: Twitter/REPRODUÇÃO

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Primeiro, assistimos no Brasil a uma diminuição da estrutura das policiais de investigação – a Polícia Civil. Isso faz com que seja difícil realizar investigações que levem a desbaratar as quadrilhas antes que elas atuem. Além disso, o efetivo combate a quadrilhas que praticam este tipo de crime depende do compartilhamento de informações de inteligência policial.

O problema é que nossas polícias têm muita dificuldade de conversar umas com as outras e até internamente. Com isso, a informação de inteligência fica restrita e não consegue se articular em um todo. É como se houvesse várias pessoas com parte das peças de um quebra cabeça e nunca mostrassem as peças umas às outras, ou seja, é impossível montar o quebra-cabeça inteiro.

 

Em segundo lugar, muitas destas quadrilhas são de um Estado e atuam em outro. Como há deficiência no compartilhamento de inteligência, as investigações ficam incompletas. Enquanto o crime é nacional, nossas forças de segurança atuam em uma lógica estadual e o governo federal pouco faz para que as polícias estaduais atuem de forma integrada. Há disputas entre as diferentes polícias e entre polícias e Ministério Público, o que dificulta a investigação.

Se temos dificuldades de desbaratar as quadrilhas antes que elas atuem, o mesmo acontece durante o evento em si. Quando a cidade é invadida, cada força policial tenta dar resposta individualmente, sem uma articulação de forças e um comando único. 

As forças de segurança precisam trabalhar de forma coordenada para maximizar seu potencial de ação. É urgente que o Brasil desenvolva uma doutrina de resposta a incidentes criminais que articule e maximize a força de resposta do Estado. É preciso que incidentes assim geram estudos de caso nas forças de segurança com lições aprendidas que sirvam para tomadas de decisão e ensino de policiais para eventos futuros.

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Depois que o evento aconteceu, é necessário que haja um isolamento adequado da área e que a perícia trabalhe de forma a coletar provas e indícios que fortaleçam a investigação. Há casos de quadrilhas serem desbaratadas por conta de uma embalagem de iogurte usada por um criminoso no local dos fatos. É fundamental que a produção de provas seja robusta para que os criminosos sejam presos. 

A quadrilha incendiou veículos e atacou o batalhão da polícia, mas os assaltantes fugiram sem levarvalores em dinheiro Foto: Polícia Militar do Paraná

Por fim, o Brasil precisa encarar crimes como o que aconteceu em Guarapuava como um ato equivalente ao de terrorismo. Os eventuais presos não podem sofrer as consequências das leis apenas como criminosos comuns. Infelizmente, sobra voluntarismo, competição e improvisação na resposta a esses crimes. Precisamos de coordenação, articulação de esforços, comando único e integração das forças de segurança. Sem isso, nossas cidades continuarão a ser tomadas por criminosos. 

*É professor Titular da FGV-EAESP e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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