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Diretas Já: Saiba como foi o comício na Praça da Sé em 1984

Cerca de 250 mil pessoas se reuniram para assitir ao comício que foi um marco na luta - perdida - pela volta das eleições diretas para presidente

Por Acervo Estadão
Atualização:

Uma capa, uma foto, um título. Como costumava fazer nos grandes acontecimentos, com uma primeira página impactante de um só assunto, o Jornal da Tarde noticiou o comício de 25 de janeiro de 1984 na Praça da Sé pelas Diretas Já, o protesto pela volta das eleições diretas para presidente após 20 anos de ditadura militar, com apenas duas palavras: “Pelas diretas”.

Jornal da Tarde - 26 de janeiro de 1984

 Foto: Estadão

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Os textos, vários, ficaram para as páginas internas, como esse de abertura da reportagem principal, “O Grande comício”.

Cerca de 250 mil pessoas estiveram no comício pelas eleições diretas, segundo os cuidadosos cálculos do arquiteto Ernest Mange, que dirigiu os trabalhos da construção da nova Praça da Sé. Considerando a superfície total da praça e diferentes áreas de concentração do público, ele estima que 185 mil pessoas chegaram a reunir-se na Sé, número que se eleva a 250 mil quando considerada a rotatividade dos manifestantes. Essa multidão ouviu pouca música, apesar dos cantores presentes, todos eles empenhados em falar a favor das eleições diretas. Mas pouos saíram insatisfeitos, apesar das vaias a vários políticos. E, ao anoitecer, de não dadas, todos juntos cantaram o Hino Nacional.

Veja algumas das páginas e leia o texto principal, assinado por V.L.M.

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Página do Jornal da Tarde de 26/1/1984 sobre o comício das Diretas Já. Foto: Acervo Estadão


Página do Jornal da Tarde de 26/1/1984 sobre o comício das Diretas Já. Foto: Acervo Estadão
Página do Jornal da Tarde de 26/1/1984 sobre o comício das Diretas Já. Foto: Acervo Estadão

O GRANDE COMÍCIO

Três horas de delírio coletivo, de 250 mil pessoas, fizeram os políticos vibrarem e muita gente chorar de emoção. E, ao contrário do que se poderia esperar pelo número de artistas presentes, houve muito pouca música. Muitos cantores preferiram “dar o seu recado” falando em vez de cantar. E, os que cantaram decidiram apresentar músicas com fundo político, algumas até feitas espeficamente para as campanhas das diretas. Foi, de fato, um comício político

Estava marcado para começar às 15h30, quando esta hora passou, o povo, que já se comprimia na praça, começou a se impacientar. Além dos gritos “começa, começa”, o alvo principal eram os cinegrafistas de televisão, todos confundidos com os da TV Globo: “Fora Rede Globo, fora Rede Globo”.

Quando faltavam dez minutos para as 16 horas, o locutor esportivo Osmar Santos, que comandou a festa, entrou em cena. E seu primeiro pedido foi para que se esvaiasse o palanque, cheio de jornalistas e principalmente de curiosos. Pedido atendido apenas parcialmente. Sete minutos depois ele começou, demonstrando que vinha com toda a disposição de manter o povo animado e participante: “Quando é que o ‘meu povo quer eleições diretas?” para o povo responder em coro: ‘Já’ .

A primeira atração do programa original seria um número do Balé Stagium, cancelado porque o palanque era fechado na frente. Osmar Santos chamou então Moraes Moreira. Abraçado ao violão, convidou o povo a prestar atenção na letra da canção que iria cantar, composta especialmente para a campanha das eleições diretas, e que foi apresentada no comício de Curitiba, porque não havia sido liberada pela censura: “Frevo das Diretas”.

Volta Osmar Santos e sacode o público: “Vamos lá gente: 1, 2, 3, 4, 5, mil, queremos eleger o presidente do Brasil”. O povo repete, uma, duas vezes. E ele anuncia a atriz Fernanda Montenegro, que, com a voz embargada, faz um apelo ao presidente Figueiredo:

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— Presidente Figueiredo: o sr. já nos deu a anistia em parte. Agora nós exigimos que nos dê anistia total, devolvendo ao povo o direito do voto direto.

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Depois do cantor Jessé, veio o primeiro discurso político, do presidente da UNE, Alcidon Paes: “Contra a ditadura militar, contra o arrocho salarial e contra as multinacionais”.

Osmar Santos voltou para levantar o ânimo da platéia: “Eu quero muita alegria, eu quero futebol, eu quero carnaval, eu quero eleições diretas e muito mais porque eu sou brasileiro”. E anunciou o cantor e compositor Sérgio Ricardo, que entrou sem o seu violão explicando: “Hoje não é dia de cantoria”. Acabou cantando, sem acompanhamento, o baião “Vou Renovar”.

Delírio na platéia quando Osmar Santos anunciou a atriz Cristiane Torloni. E ela falou: “Alegria rima com democracia que rima com soberania”. A própria Cristiane anunciou os próximos artistas: Fernando Torres e Yara Amaral. Fernando percebeu que estava começando a onda de empurra-empurra no meio do povo e pediu calma.

Vaias e aplausos

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Já eram 16h40 quando Osmar Santos anunciou que, pelas estatísticas do Metrô, “mais de 200 mil pessoas já estão aqui nesta praça”. Daqui em diante, em quase todos os intervalos de apresentações, foram invariáveis os pedidos para que não houvessem empurrões no meio do público, porque a massa humana já começava a ondular perigosamente. Osmar Santos avisou que já não havia mais lugar na frente e aproveitou para pedir que os curiosos do palanque se retirassem. Inútil. Ninguém saiu, e, ao contrário, mais gente foi subindo.

Falou, em seguida, o primeiro prefeito: Gilson Menezes, de Diadema, eleito pelo PT, que lembrou as lutas dos trabalhadores e avisou que, no dia 25 de fevereiro, todos os municípios de São Paulo vão promover manifestações a favor das eleições diretas.

Depois foi a vez de Rubens Benázio, de Agudos, eleito pelo PTB, que recebeu a primeira grande vaia da tarde. O prefeito mal conseguiu fazer seu rápido discurso. E a chuva fina começou a cair. Mais um prefeito na tribuna: Milton Castelo Monte, de São Manoel (PMDB). Para anunciar o próximo, Osmar Santos fez antes um apelo: “Vamos receber bem os representantes de todos os partidos, mesmo daqueles com os quais não concordamos. Deixem para cobrar depois nas urnas”.

Apelo necessário, porque o próximo orador era, nada mais nada menos, que um prefeito do PDS: Sidney Zi Biasi, de Novo Horizonte. As vaias vieram assim mesmo. Osmar Santos correu em socorro do corpulento prefeito com seu chapéu de boiadeiro: “Você é do PDS, mas é a favor das diretas, não é?” E Sidney: “Sou sim, e fui eleito pelo povo. E falo hoje para o presidente Figueiredo e para o Congresso: dêem eleições diretas para o povo. Não é verdade que o PDS inteiro quer eleições indiretas. Mais de 200 prefeitos do Estado de São Paulo querem as diretas”. Acabou até ganhando alguns aplausos.

Nova onda de vibração quando o locutor anunciou: Regina Duarte, Gilberto Gil e Alceu Valença. Gil e Alceu cantam juntos “Anunciação” e improvisam alguns versos: “A voz de um anjo sussurrou no meu ouvido, mandando eu votar pra presidente”. E esse anjo, diz Alceu, “é Teotônio Vilela”.

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A linguagem dos gestos

A atriz Irene Ravache entrou em seguida, avisando que falaria em nome dos deficientes auditivos e daqueles que não podem falar, e acompanhou seu discurso em favor das diretas com os gestos dos surdos-mudos.

O vice-governador Orestes Quércia foi a primeira das grandes lideranças políticas a falar. Discurso violento: “Podemos dizer que os brasileiros de São Paulo estão na praça pública para exigir o fim desse regime incompetente que maltrata o povo”. Irene Ravache anuncia o ator Juca de Oliveira, mas ele não consegue começar a falar.

O presidente do PMDB de São Paulo, Fernando Henrique Cardoso, faz novo apelo para que esvaziem o palanque, senão será obrigado a suspender o comício. Pede que só fiquem as pessoas que vão falar e os jornalistas. Para dar o exemplo, ele retirou-se, junto com o presidente do PT, Devanir Ribeiro. Não adiantou nada. A essa altura, a chuva estava cada vez mais forte e ninguém estava a fim de enfrentá-la.

Juca de Oliveira falou rapidamente, depois Mílton Barbosa pelos movimentos negros, e Osmar Santos anunciou: Paulinho da Viola, Maninho da Vila e o ator Mílton Gonçalves. Milton falou pelos três e Martinho improvisou uns versos: “E pra melhorar, só votando para presidente”.

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“Apesar de você”

Osmar Santos voltou então ao comando, para anunciar os governadores presentes: Iris Rezende, de Goiás, Nabor Júnior, do Acre, José Richa, do Paraná, Leonel Brizola, do Rio, e Franco Montoro, de São Paulo. Brizola foi o mais aplaudido e Montoro ganhou algumas vaias. E o povo gritava: “Lula, Lula, Lula”.

Osmar anunciou a presença de Ulysses Guimarães, que também foi muito aplaudido, e em seguida chamou o ator Raul Cortez, que fez um rápido discurso e introduziu o cantor Walter Franco. Mas, nesse momento, Osmar Santos o interrompeu para anunciar a presença de Lula. Foi uma ovação.

Walter Franco deu o seu recado, cantou uma música e deu a vez para o grande ídolo, o mais aplaudido: Chico Buarque de Holanda. Chico só disse uma frase: “A praça está falando para todo o Brasil, pedindo eleições diretas, já”.

Depois foi a vez de Bruna Lornbardi, Carlos Alberto Ricelli e Ester Góes. Mas Chico não escapou de cantar. E, sem qualquer acompanhamento, Chico começou: “Apesar de você...” para a praça inteira cantar com ele a primeira estrofe da música.

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Raul Cortez: “Se segura, gente, que aí vem mais emoção: Sonia Braga!” Aplausos. Osmar Santos anunciou “o prefeito de São Paulo, Mário Covas”. Um festival de vaias. Mas ele conseguiu contornar a situação: falou contra sua própria nomeação e pediu um minuto de silêncio para Teotônio Vilela. Sucesso.

Já eram 18 horas. Osmar anunciou a presença de mais uma dezena de artistas. Depois um deputado do PDS, Luís Furlan. Vaia ensurdecedora. Ele mal conseguiu falar. Fernando Henrique interveio para pedir calma. Depois foi a vez do presidente da OAB-SP, Mário Tomás Bastos. Um representante da CUT (Central Única de Trabalhadores). Rogê Ferreira, presidente Regional do PDT. E o primeiro governador, Nabor Júnior, do Acre.

Entrou Augusto Toscano, líder do PTB na Assembléia. Enorme vaia. Fernando Henrique foi socorrê-lo avisando que Toscano é a favor das diretas. O deputado conseguiu falar, mas as vaias continuaram.

E o povo voltou a pedir aos gritos a presença de Lula. Mas quem entrou foi o governador de Goiás, íris Rezende. Depois José Bicha, do Paraná, e Leonel Brizola, aplaudidíssimo.

Foi a vez de Ulysses Guimarães. Voz não muito firme, anunciou: “A bastilha que impede as eleições diretas caiu hoje, aqui na praça da Sé. Os governos que aí estiveram foram imprestáveis porque não acabaram com esse ladrão que rouba o povo dia e noite, a inflação, porque não defenderam a soberania nacional e entregaram o Pais ao FMI, aos bancos estrangeiros e às multinacionais. Eles só podem ser expulsos pela arma do voto direto”.

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E, finalmente, Osmar Santos anunciou Lula. Foi nova ovação e o presidente do PT tentou acalmar os ânimos, preparando o terreno para Franco Montoro: “Se alguém tiver de ser vaiado, que seja o Lula. Para os outros, eu só peço aplausos”. Em seguida Lula citou uma série de números sobre os erros dos governos nos últimos anos e encerrou: “Não adianta nada dizerem que este país não tem jeito, pois este comício está mostrando que o povo é ordeiro”.

Quando Franco Montoro se aproximou do microfone, as vaias já não eram tão intensas. “Há pouco me perguntavam: 300 mil? 400 mil? A resposta é outra: aqui estão presentes 130 milhões de brasileiros. Quiseram tutelar o povo, tratá-lo como objeto. E o povo está dizendo: não sou coisa, não sou objeto, não sou número, não sou ficha. Sou gente e quero eleger o presidente.”

Montoro encerrou pedindo a todos que cantassem o Hino Nacional. E, todos juntos, cantaram, na praça e no palanque, mãos dadas e estendidas para o alto. V.L.M.

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 Foto: Estadão

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira. Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo. Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

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