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Opinião|IA vai muito além de ser nossa ajudante, podendo mudar o eixo geopolítico do planeta

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David Lightman (Matthew Broderick), que quase inicia uma guerra nuclear com a IA do filme "Jogos de Guerra" (1983) - Foto: reprodução

Nesta segunda (13), a OpenAI anunciou o novo "cérebro" do ChatGPT. Batizado de GPT-4o, ele traz avanços como ser mais rápido, mais barato para desenvolvedores, capaz receber perguntas e dar respostas em textos, áudios, imagens e vídeos, além de reconhecer objetos por imagens em tempo real.

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Isso é incrível, e reforça o deslumbramento diante dessa tecnologia tão inovadora, que parece milagrosa. Mas a IA vai muito além de responder perguntas pessoais ou ajudar nosso cotidiano profissional. Para alguns, tanta capacidade pode transcender suas aplicações "tradicionais" e influenciar diretamente o balanço de poder entre nações.

Isso acontece não apenas porque essa tecnologia movimentará um mercado que valerá trilhões de dólares em pouco tempo, mas também porque as decisões da IA, que impactarão muito do que fazemos, podem carregar muito da cultura e dos valores do país de sua origem, algo que fará a influência de Hollywood no Ocidente algo risível.

Tive a oportunidade de conversar sobre isso na semana passada com Gilson Magalhães, presidente da Red Hat Brasil, durante o Red Hat Summit, maior evento global de open source, que aconteceu em Denver (EUA). E as conversas com ele, que conheço há muitos anos, sempre rendem muito, graças a sua visão privilegiada do impacto da tecnologia em nossas vidas, indo muito além dos bits.

Para o Gilson, "é preciso entender que esse é um cenário que requer não só uma abordagem comercial, mas uma abordagem associada à manutenção de hegemonia, a distribuição de poder no planeta".

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Infelizmente a mudança do eixo político por influência da IA também pode acontecer no campo militar. E aí estamos falando não apenas de armas, aviões, drones, mísseis que executam suas missões sozinhos, fazendo escolhas para maximizar sua eficácia. São máquinas programadas para tomar decisões que matarão pessoas.

A inteligência artificial também começa a ser usada para ajudar comandantes em suas estratégias militares, dando-lhes vantagens táticas que talvez não obtivessem por is só. E isso não é ficção: está sendo experimentado agora mesmo, em um sangrento teatro de guerra: a invasão russa da Ucrânia.

Isso se choca com aspectos éticos seríssimos: uma máquina pode decidir pela morte de pessoas ou ajudar militares a fazer isso?

O conceito não é novo, e já foi explorado exaustivamente pela ficção. O pioneiro foi o filme "Jogos de Guerra" (1983), que conta a história de um hacker adolescente que invade um supercomputador militar americano, e inicia uma simulação de ataque nuclear soviético, pensando que fosse um game. A inteligência artificial da máquina entende que se trata um ataque real e quase provoca um conflito nuclear entre as duas potências.

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Naturalmente existem regras para se prevenir isso. Mas e se apenas um lado segui-las e o outro não se importar em "jogar sujo"?

Na conversa com Gilson, abordamos então a questão da regulamentação da IA, um dos assuntos mais quentes em torno dessa tecnologia. Ele lembrou que essa preocupação ética de proteger as pessoas contra abusos de empresas e governos (e não apenas de guerras nucleares) é mais forte no Ocidente. Mas a China, que está atrasada na corrida da IA, não parece ter assim tanto pudor, e elimina qualquer trava para tirar esse tempo perdido.

"Se você regula para 1,4 bilhão de pessoas (o Ocidente) e não regula na mesma linha para 6,6 bilhões (o Oriente), esses últimos poderão avançar muito mais rapidamente", sugere ele. "A regulação, neste caso, pode produzir um abismo intransponível em favor do Oriente."

Não quer dizer que o Gilson seja contrário à regulamentação da inteligência artificial. Assim como todos os outros executivos da Red Hat com quem conversei, ele defende a criação de regras claras e equilibradas para justamente proteger pessoas e empresas de abusos de governos ou de big techs.

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Esse é o gigantesco desafio que legisladores têm diante de si: criar regras essenciais para evitar que moguls da tecnologia ou governantes autoritários abusem da população, e ao mesmo tempo não impeçam a inovação tecnológica tão desejada. Na verdade, "o buraco é mais embaixo": proteger a sociedade e garantir uma posição de liderança internacional de sua nação.

Esse é um desafio à altura de nossos tempos exponenciais e polarizados!

A inteligência artificial realmente tem nos provocado a pensar na tecnologia e em nossas interações com ela de maneira inédita. Assim sendo, se for para nos inspirarmos em outros filmes que beberam dessa fonte, que fiquemos mais com "Ela" (2014) que com "RoboCop" (1987).


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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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