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Milícias aumentam em quase 400% os territórios que dominam no Rio

Relatório da Universidade Federal Fluminense diz que 10% do Grande Rio está sob controle de milicianos; outros grupos armados também cresceram, mas em proporção menor

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Por Roberta Jansen

Quadrilhas armadas de traficantes e milicianos expandiram em 131% as áreas sob o seu controle na Região Metropolitana do Rio nos últimos 15 anos. Entre 2006 e 2008, 8,7% da área urbana habitada estava sob controle armado. O número pulou para 20% entre 2019 e 2021. O crescimento das milícias é o principal motivo dessa expansão. Os dados fazem parte do novo Mapa dos Grupos Armados, uma parceria entre o Instituto Fogo Cruzado e o Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF), divulgado nesta terça-feira, 13.

Entre o primeiro triênio (2006-2008) e o último (2019-2021) da série histórica, as milícias expandiram em 387% as áreas sob o seu controle: passaram de 52,6 para 256,2 quilômetros quadrados. Segundo o novo mapa, atualmente, 10% de toda a área territorial do Grande Rio está sob domínio de bandos de milicianos. Hoje, esses grupos representam o principal desafio à segurança pública do Estado.

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A análise da série histórica revela também que a maior parte da expansão das milícias (90,3%) ocorreu por incorporação de áreas onde antes não havia controle territorial algum – e não por meio da conquista de espaços controlados por outros grupos.

“A (constatação da) expansão das milícias é o resultado mais expressivo desse mapa dos grupos armados”, afirmou o sociólogo Daniel Hirata, coordenador do Geni/UFF e principal responsável pelo trabalho. “Os outros grupos armados, exceto a ADA, também cresceram, mas a velocidade de crescimento da milícia é muito superior. Por isso, embora seja o mais recente, é claramente o grupo armado dominante atualmente.”

Agentes públicos

Na análise de Daniel Hirata, o crescimento das milícias é ainda mais preocupante do que o do tráfico de drogas.

“O tráfico de drogas é a criminalidade desorganizada; ele atua na interface com o Estado de maneira muito mais precária”, afirma Hirata. “Já os milicianos têm uma relação de tolerância e participação direta de agentes públicos. É um mercado de atuação muito mais diversificado e articulado do que o do tráfico que é, basicamente, um varejo de droga. Os milicianos controlam a água, a internet, o transporte; ou seja toda a infraestrutura urbana da cidade é produzida com a mediação desses grupos. As milícias são uma ameaça real às instituições democráticas. Acho realmente assustador.”

Além do crescimento das milícias, o mapa revelou também uma expansão das áreas da Região Metropolitana sob controle de outros bandos armados. O Comando Vermelho, por exemplo ampliou suas áreas em 58,8%, de 130,2 para 206,8 quilômetros quadrados. O Terceiro Comando Puro também aumentou a área sob o seu domínio em 110,8% (de 19,7 para 41,5 quilômetros quadrados). No total de áreas dominadas, no entanto, a participação dos dois grupos caiu. Caso também do grupo Amigo dos Amigos, com recuo de 16,1 para 5,6 quilômetros quadrados.

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“Ou seja, apenas a milícia expandiu o domínio territorial e viu sua participação no total de áreas dominadas por grupos armados crescer, o que demonstra o seu potencial mais acelerado do que o dos demais grupos”, explica o relatório.

Carro-forte chamado de "Caveirão da Milícia" apreendido durante ação da polícia no Rio em agosto de 2022. Foto: Polícia Civil do Rio de Janeiro

CPI e UPP

Segundo o trabalho, a expansão dos grupos armados nos últimos anos é um fenômeno complexo, resultado de inúmeros eventos e fatores locais e nacionais. No entanto, destacam alguns marcos temporais. Um é a CPI das Milícias, em 2008. Outro é o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), de 2008 a 2016. Houve ainda a crise socioeconômica, política e fiscal do Estado, de 2014 a 2017. Por fim, ocorreu a crise da gestão da segurança pública no Rio, de 2016 a 2019, que levou ao fim da Secretaria de Segurança (Seseg).

“As milícias apresentam um crescimento intenso em dois momentos, basicamente: o primeiro na segunda metade dos anos 2000, que só foi interrompido em 2008, na CPI das Milícias e seus efeitos posteriores; há um freio efetivo no crescimento, porque ali houve um ataque real às bases do problema, e suas associações a agentes públicos, policiais, vereadores e deputados”, explica Daniel Hirata. “Um segundo momento de crescimento acelerado das milícias foi a partir de 2017, em razão de um conjunto de fatores, como a ascensão de Wilson Witzel ao governo do Estado e a dissolução da Secretaria de Segurança Pública. Eu citaria também uma disputa entre o Comando Vermelho e o PCC em nível nacional pela rota do tráfico internacional de drogas e, por fim, a crise socioeconômica de 2015.”

O mapa mostra ainda que, na Baixada Fluminense e no leste metropolitano, formado pelos municípios de Niterói e São Gonçalo, a maior parte das áreas sob o domínio de grupos armados está sob controle de traficantes de drogas. Na cidade do Rio, no entanto, o domínio da milícia é avassalador. Chega a 74% do total, grande parte nas zonas oeste e norte.

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“Há mais de quatro décadas”, aponta o relatório, “amplos espaços da Região Metropolitana do Rio de Janeiro estão sob o domínio de grupos armados. Seria esperado que as autoridades elaborassem um mapa, mostrando quais são os grupos armados que dominam enormes espaços e estado e onde atuam. Essa informação é fundamental para o planejamento de ações de combate à expansão da violência urbana e para o desenvolvimento de uma política de segurança pública eficiente”. “Mas esse mapa nunca foi produzido pelas autoridades, e este é mais um sinal do vazio de informações qualificadas que caracteriza uma longa tradição de gestão pública no estado. Ou seja, explica por que e como chegamos a esta situação”, acrescenta.

Hirata aponta que as operações policiais tendem a ocorrer em áreas do Comando Vermelho e não de milícias “Embora as operações não sejam um instrumento efetivo de enfrentamento ao tráfico, elas interferem, sim, nas disputas entre os grupos; alteram a geopolítica criminal, digamos assim. Estamos agora trabalhando nisso, tentando avançar no entendimento dessa questão.”

O mapa foi feito a partir da análise de 689,9 mil denúncias coletadas por meio do portal do Disque Denúncia, que mencionassem milícias ou tráfico de drogas entre 2006 e 2021. Os dados permitiram traçar o movimento histórico do domínio sobre mais de 13 mil sub-bairros, favelas e conjuntos habitacionais da Região Metropolitana.

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