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Diversidade e Inclusão

Professora chama aluno negro e autista de "criança perigosa"

Docente adverte defensor de menino de 8 anos acusado de homofobia e suspenso de escola em Ibaté (SP). "Não coloque tua mão no fogo porque se queimará inteiro".

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Foto do author Luiz Alexandre Souza Ventura
Por Luiz Alexandre Souza Ventura
Atualização:
Acusação em mensagem por WhatsApp foi enviada por professora da rede municipal de Ibaté (SP). Prefeitura permanece em silêncio.  


Uma professora de Ibaté (SP) afirma que o aluno negro e autista de 8 anos, acusado de homofobia e suspenso da escola "é uma criança perigosa". A afirmação está em mensagem enviada pelo WhatsApp, obtida com exclusividade pelo blog Vencer Limites. O morador que recebeu a advertência pediu para não ser identificado e não revelou o nome da docente.

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"Eu fui professora na escola Vera Trinta esse ano não sou mais, gostaria de falar sobre o -- para VC. é uma criança perigosa, eu mesmo já presenciei ele pegar 5 pedras e ameaçar jogar a psicóloga que fora chamada na época. Ele ameaça e agride todos a sua volta, as professoras que pegaram a sala dele deixam ele sair da sala para proteger os outros alunos. Não coloque tua mão no fogo pelo -- porque vc se queimará inteiro", adverte a docente. "Pergunte para a xxx que foi professora dele no pré 1. Desde de lá ele já apresentava um comportamento diferenciado", escreve a professora.

As acusações revoltaram a mãe do aluno, Samara Vizzotto, de 37 anos, mulher negra, funcionária municipal do setor de limpeza. "Quem é essa professora? Quero saber onde meu filho é uma criança perigosa?".

Além de não ter acesso a nenhum documento sobre o caso, nem mesmo ao boletim de ocorrência registrado pelo professor, Samara ainda enfrenta pressão da cidade e teme retaliações da administração municipal, inclusive uma possível demissão.

A Prefeitura de Ibaté permanece em silêncio e, mais uma vez, questionada pelo blog Vencer Limites sobre a mensagem e as acusações, não respondeu.

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Professora acusa aluno autista em mensagem.  


Após dez dias afastado, o aluno voltou a frequentar na segunda-feira, 11, a Escola Municipal Vera Helena Trinta Pulcinelli, sem atendimento especializado. No começo do ano, a Justiça obrigou a Prefeitura de Ibaté a conceder ao filho de Samara Vizzotto um "professor auxiliar especializado e habilitado, que poderá ser compartilhado com outros infantes da mesma escola e que também necessitem de atendimento especializado", conforme estabelece a sentença publicada em 22 de janeiro pela Vara Única do Foro de Ibaté do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

"Além de não obedecer à decisão da Justiça, a Prefeitura ainda recorreu, e meu filho não tem nenhuma assistência especializada", afirma Samara Vizzotto.

"Me acusam de querer dinheiro, mas estou defendendo meu filho. Quantas vezes vou aguentar calada esses ataques? Não é a primeira vez que fazem isso com meu filho. No ano passado foi a mesma coisa, na mesma escola. E o que fiz? Abafei o caso e deixei para lá. Agora de novo? A mesma coisa com meu filho? E toda vez vou deixar acontecer sem fazer nada?", diz.

"Dizem que eu não deveria dar entrevista porque a cidade sabe do caso, mas ninguém saberia que é meu filho e eu não seria identificada. Dizem que posso perder o serviço, mas já estou cansada de ver meu filho passar por tudo isso. Toda vez é meu filho, toda vez é meu filho", afirma a mãe.

Em documento enviado à OAB de São Carlos, após cobrança da advogada Rosicléia Oliveira Lomes, integrante da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, a Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Ibaté nega que o aluno autista tenha sido suspenso, mas em áudios também obtidos pelo blog Vencer Limites, a diretora da escola afirma que o menino não pode retornar à unidade de ensino até decisão do conselho escolar.

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Escola Municipal Vera Helena Trinta Pulcinelli, em Ibaté (SP).  


Entenda o caso - O menino autista de 8 anos, aluno da rede municipal de Ibaté, no interior de SP, foi suspenso da escola por mais de uma semana depois de ser acusado de homofobia por um professor. O docente registrou boletim de ocorrência pela internet e o caso foi encaminhado à única delegacia da cidade. A mãe do estudante, Samara Vizzotto, de 37 anos, funcionária da Prefeitura no setor de limpeza, não recebeu qualquer informação ou apoio da administração pública, da unidade de ensino ou das autoridades de segurança, e ainda foi transferida para trabalhar na mesma escola onde o filho estuda.

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"É um claro constrangimento imposto a essa mãe", diz a advogada Rosicléia Oliveira Lomes, integrante da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB de São Carlos, também professora e mãe de um aluno com deficiência que frequentou a mesma escola. Ela apoia Samara Vizzotto no caso.

De acordo com a mãe, no dia 29 de fevereiro, uma quinta-feira, aproximadamente 20 minutos após deixar o filho na Escola Municipal Vera Helena Trinta Pulcinelli, ela recebeu uma ligação para que retornasse imediatamente à unidade de ensino.

"Quando cheguei na escola, a diretora disse que meu filho tinha xingado o professor de 'v**** que o dava o c*', queria furar com lápis e bater com pedaço de madeira", conta Samara. "A diretora afirmou que havia acionado o conselho tutelar, a guarda municipal e o conselho escolar, que eu teria de esperar uma decisão sobre advertência ou expulsão", relata a mãe.

Somente nesta segunda-feira, 11, o menino retornou à escola, ainda sem atendimento especializado e sem qualquer explicação à mãe sobre os desdobramentos do caso. Samara Vizzotto ficou vários dias sem poder trabalhar na academia municipal onde era escalada até saber que havia sido transferida.

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Capacitismo recorrente - Em 2021, a advogada e professora Rosicléia Oliveira Lomes denunciou um esquema em Ibaté que segregava estudantes com deficiência para obter verbas de educação. O caso foi tema de reportagem exclusiva do blog Vencer Limites. Segundo a acusação dos docentes, a Prefeitura coagia famílias de alunos com deficiência para retirar esses estudantes do ensino regular e isolar na unidade da Apae da cidade, com o objetivo de acessar e movimentar recursos da educação, além de usar a instituição para empregar aliados.

"Samara me procurou e solicitei documentos à escola para levar ao conhecimento da Comissão. Considero inadmissível o que foi feito com essa criança. Há histórico de segregação e discriminação. Sou testemunha, fizeram com meu filho e agora estão fazendo com outra criança", pontua a advogada.

"Suspenderam arbitrariamente, porque o regimento manda o conselho de escola decidir e isso não ocorreu, Samara não participou de nada até agora, não houve nenhuma reunião do conselho. Nesse período em que o aluno ficou sem aulas, a escola teria de forner atividades, mas não foi passado nada", diz Rosicléia Oliveira Lomes.

Laudo emitido em 2022 e assinado por médico neurologista infantil da Apae de São Carlos (SP) atesta que o filho de Samara Vizzotto é autista. "Apresenta caracteristicas que preenchem critérios diagnósticos para Transtornos do Espectro Autista (DSM 5) (CID 10: F 84.0) por apresentar déficits na sóciocomunicação, desordens sensoriais e comportamentos restritos e repetitivos. Sugere-se acompanhamento multidisciplinar (psicológico e fonoaudiológico) na abordagem da Análise do Comportamento Aplicada e intervenção psicopedagógica, e acompanhamento especializado conforme as necessidades no contexto escolar", destaca o documento.

Atraso e fome - Questionada sobre possíveis motivos que teriam desencadeado a reação da criança na escola, Samara Vizzotto acredita em uma combinação de fatores.

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"Moramos na Santa Teresa, na Vila Tamoio, eu e meus dois filhos, ambos com deficiência intelectual. Minha mãe mora em outro bairro, distante uns 40 minutos. Levo ele de manhã para a escola, no Caraí, na frente da escola pego o circular, desço na rodoviária, pego outro circular e vou para o serviço, no Cruzado, na academia, até 11 horas, quando volto para buscar na escola, onde chego ao meio-dia. Pegamos outro circular para casa, eu troco ele, dou banho, almoço, e levo ele para a casa da minha mãe. Pego mais um circular e volto para o trabalho. É uma correria", diz. "Naquele dia, saímos atrasados de casa, não deu para tomar café da manhã. Meu filho saiu em jejum, com fome. No caminho comprei uma bolacha e um refrigerante e mandei ele comer no intervalo, mas ele quis comer na sala de aula e o professor não deixou. Ele surtou, ficou desse jeito, querendo bater no professor, foi isso que aconteceu", relata a mãe.

Samara explica que o filho autista faz uso de dois medicamentos: Risperidona e Carbamazepina.

Segundo informações do Ministério da Saúde, a Risperidona ajuda no controle dos sintomas de pacientes que sofrem com esquizofrenia, além de outros transtornos, como alucinações, delírios, ansiedade, demência e até mesmo autismo. E a Carbamazepina pode ser utilizada isoladamente ou associada a outras medicações no tratamento de alguns tipos de convulsões em pessoas com epilepsia, dor no nervo da face (neuralgia do nervo trigêmeo), quadros psiquiátricos (episódios de mania no transtorno bipolar e certo tipo de depressão).


Ouça no Episódio 131 da coluna Vencer Limites, que vai ao ar toda terça-feira, às 7h20, ao vivo, no Jornal Eldorado, da Rádio Eldorado (FM 107,3 SP).


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