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Arqueólogos descobrem evidências da amputação humana mais antiga da história

Encontrada em Bornéu, na Ásia, a ossada mostra um corte preciso da perna esquerda de um indivíduo que viveu há, aproximadamente, 31 mil anos

Por Caio Possati

Arqueólogos da Austrália e da Indonésia encontraram evidências da mais antiga cirurgia de amputação na história. O registro consiste em um esqueleto humano de 31 mil anos atrás, cuja ossada foi localizada na Ilha de Bornéu, na Ásia, próximo à Indonésia. O estudo, publicado na última quarta-feira, 7, na revista científica Nature, uma das mais prestigiadas do mundo, pode revelar o alto nível de habilidades médicas que os povos locais tinham na época.

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Os ossos foram encontrados em túmulo antigo dentro de uma caverna de calcário, no lado leste da ilha. No local, os arqueólogos se depararam com um esqueleto praticamente completo, mas que estava sem uma parte da perna esquerda. A hipótese de que o indivíduo tenha sofrido uma amputação do membro se deu por causa da presença de um corte limpo e preciso na tíbia e na fíbula, que são os ossos que ficam entre o tornozelo e o joelho.

Como descreve a Nature em seu site, o nível de precisão do corte mostra que a perna “não foi perdida em um acidente ou ataque de animais”, como dificilmente tenha sido vítima de alguma infecção. Pelo contrário. Por não ter marcas de contaminação, os pesquisadores interpretam que a ferida foi devidamente higienizada e protegida para não infeccionar.

Imagem mostra o corte preciso dos ossos da fíbula e tíbia da perna esquerda de indivíduo que viveu 31 mil anos atrás. Foto: TR Maloney et al./Nature

“A probabilidade de isso (o corte preciso) acontecer por acidente era tão infinitamente pequena que tinha que estar em algum tipo de ambiente controlado”, diz a coautora do estudo Melandri Vlok, bioarqueóloga da Universidade de Sydney.

Além disso, pela diferença de tamanho das tíbias e fíbulas das pernas esquerda e direita do esqueleto, os arqueólogos calculam que a pessoa foi amputada cerca de seis ou sete anos antes de morrer. Como os vestígios indicam que a ossada pertencia a uma pessoa de aproximadamente 19 ou 20 anos, o procedimento cirúrgico foi realizado quando o indivíduo estava no início da adolescência.

Não foi possível precisar o sexo da pessoa mais antiga a ser submetida a um processo cirúrgico de amputação. Mas, pelo tamanho dos ossos e pela média de altura dos habitantes da região na época, o mais provável é que a ossada fosse de alguém do sexo masculino.

Importância da descoberta

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A descoberta é importante porque dá detalhes sobre o nível de conhecimento que as comunidades do sudeste da Ásia tinham a respeito de medicina na época, além de sinalizar que membros dos povos antigos da região tinham habilidades como enfermeiros e conseguiam praticar procedimentos médicos sofisticados. Se os pesquisadores estiverem corretos, a pessoa amputada sobreviveu por anos após a retirada da perna.

”Sempre houve a ideia de que não acontece muita coisa lá”, disse a arqueóloga India Dilkes-Hall, pesquisadora da Universidade da Austrália Ocidental em Perth. “(Mas a descoberta) Está levando adiante a ideia certa de que esta é uma área incrivelmente complexa”, acrescenta.

Os achados recentes também carregam uma importância na revisão científica e acadêmica que se tinha até o momento sobre casos de amputação na história. Até a atual descoberta em Bornéu, a evidência mais antiga registrada desse tipo de cirurgia datava de 7 mil anos atrás, identificada em 2007 por Cécile Buquet-Marcon, hoje bioarqueóloga do Instituto Nacional Francês de Pesquisas Arqueológicas Preventivas em Paris.

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”É uma descoberta incrível”, diz Cécile sobre a descoberta em Bornéu. Para ela, a sobrevivência do indivíduo na ilha asiática revela o nível de cuidado e habilidades médicas que a comunidade local já apresentava.

Com a novidade, o arqueólogo indonésio Adhi Agus Oktaviana, coautor do estudo, e membro da Agência Nacional de Pesquisa e Inovação em Jacarta, espera que descoberta leve a Organização das Nações Unidas para a Educação (Unesco) a designar a península Sangkulirang–Mangkalihata, região onde os restos foram encontrados, como Patrimônio da Humanidade. O local também abriga registros de arte rupestre de 40 mil anos de idade.

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