Primeiro, como a troca de sinais entre o GPS e os satélites pode me dizer alguma coisa sobre onde estou? Claro, conhecendo a velocidade do sinal e o tempo que ele leva para ir e voltar, dá para calcular a distância percorrida. Mas parece que alguém esqueceu um detalhe importante: a Terra está girando, e os satélites estão em órbita, eu mesmo posso estar dentro de um carro, me deslocando. Em outras palavras, tudo está se movendo. Como garantir que isso não vai afetar a leitura da velocidade do sinal?
É como no problema do homem correndo dentro de um trem em movimento: ele tem uma velocidade relativa ao trem, outra relativa ao solo, outra relativa ao trem que vem em sentido oposto... Então: qual das velocidades do sinal -- relativa a mim, ao carro, ao solo, ao satélite -- é usada?
Entra Albert Einstein. A velocidade da luz (assim como a de todo o espectro eletromagnético: rádio, micro-ondas, raios gama, etc) é sempre a mesma. Não varia com o estado de movimento da fonte ou do(s) observador(es). Esse fato foi postulado por Einstein na Teoria da Relatividade Restrita, em 1905, e comprovado inúmeras vezes.
Enfim: o sinal se desloca a cerca de 300.000 km/s, não importa a que velocidade eu, a Terra, o satélite ou a galáxia estejamos nos movendo. Mas a Relatividade Restrita resolve apenas o primeiro problema com a "explicação simples" do GPS. Existe outro: como os satélites se localizam? Para usar a distância que me separa deles no cálculo de minha posição, é preciso saber em que ponto do espaço eles estão.
Se a posição dos satélites da rede GPS é o quadro de referência usado para localizar objetos na superfície da Terra, qual o quadro de referência usado para localizar objetos na rede GPS?
Quasares. Esses são objetos astronômicos extremamente brilhantes e extremamente distantes -- ficam tão longe, na verdade, que para todos os efeitos estão perfeitamente parados no céu em relação a nós. Acredita-se que sejam ativados por gigantescos buracos negros.
O quadro de referência a que o GPS apela foi criado a partir da observação de cerca de 3.000 quasares localizados a mais de 1 bilhão de anos-luz. A rede criada é conhecida como o International Celestial Reference Frame 2 (ICRF-2, ou Segundo Quadro de Referência Celeste Internacional), que substituiu, agora em 2010, o primeiro ICRF, estabelecido a partir de meros 600 objetos.
O ICRF-2 foi adotado durante a reunião da União Astronômica Internacional, realizada ano passado no Rio de Janeiro.
Portanto, da próxima vez que você usar um GPS para encontrar o retorno certo na estrada, a pizzaria ou a praia, reserve alguns instantes para ponderar as toneladas de poeira cósmica que mergulham em vorazes estrelas mortas a 1 bilhão de anos-luz daqui, e que são a causa distante do brilho da tela que ilumina seu caminho.
Mapa com 295 quasares que serão usados para a manutenção do ICRF-2