Hoje, acreditamos que o homem destrói o meio ambiente. Mas não foi sempre assim. No período neolítico, milhares de anos atrás, o homem não só não destruía, mas melhorava o ambiente em que vivia, e as marcas desse processo existem até hoje.
Nas últimas décadas se consolidou a ideia de que o homem e outros animais consomem riquezas do meio ambiente. E, quando esse consumo é exagerado, ocorre a destruição. Se o consumo é restrito à capacidade de regeneração do ecossistema, dizemos que a atividade é sustentável.
O problema é que essa visão é uma simplificação do que realmente ocorre na natureza. Na maioria dos ecossistemas, as riquezas são criadas pelos seres vivos que compartilham o ecossistema. Os seres vivos não vivem em um meio ambiente, mas são, em parte, responsáveis pela criação do ambiente em que vivem.
Um bom exemplo é o solo. A riqueza de um solo é criada e mantida pelos seres vivos que compartilham seu uso. São as raízes mortas que, ao se decompor, liberam nutrientes; raízes vivas que fragmentam e afofam a terra; a matéria orgânica que se acumula na superfície, protegendo a camada fértil; as minhocas e os micro-organismos que processam a matéria orgânica; as bactérias fixadoras de nitrogênio, e assim por diante.
É bem conhecido que o cultivo de soja no Cerrado brasileiro, apesar de destruir a biodiversidade da superfície, aumenta ao longo dos anos a fertilidade, pois incorpora grande parte da biomassa das culturas, aprofunda a área fértil e aumenta a quantidade de nutrientes disponíveis. Muito provavelmente, se alguém fosse regenerar o Cerrado, após anos de cultura de soja, milho e algodão, iria obter um Cerrado mais luxuriante e com maior biodiversidade. Pois bem, foi exatamente isso que ocorreu nas áreas das Savanas africanas, ocupadas pelo homem milhares de anos atrás.
As Savanas africanas, onde pastam os grandes herbívoros e vivem os grandes carnívoros, têm um solo extremamente pobre, que sustenta uma vegetação rala. Florestas e campos luxuriantes são raros. Mas se você observar a região com um satélite vai descobrir milhares de círculos de aproximadamente 100 metros de raio onde a vegetação é luxuriante, e pequenas florestas podem ser vistas.
Faz anos que os cientistas descobriram que muitos desses círculos têm no seu centro pequenos vilarejos habitados por grupos de pessoas que se dedicam à criação de gado e outros herbívoros. Quando esses locais foram visitados por terra, foi observado que apresentam curral, onde o gado é recolhido durante a noite. E aí acontece o que pode ser observado em qualquer curral do mundo: as fezes do gado se acumulam no local, tornando o solo mais fértil. Acontece que existe um número muito maior desses círculos que o esperado pela quantidade de habitantes que existe e existiu na área nos últimos séculos.
Com base nesses dados, os cientistas decidiram escavar exatamente onde estavam esses círculos férteis que não eram ocupados. O resultado foi surpreendente. Em quase todos esses locais, foram descobertas ruínas de povos pastorais da época neolítica (1,5 mil a 3,7 mil anos atrás), o que indicava que talvez esses locais fossem os currais das culturas neolíticas da África. Mais interessante é o fato de que nesses locais não se acharam indícios de ocupação recente, o que indica que essa ilha de fertilidade teria sido criada por seres humanos milhares de anos atrás.
A conclusão é de que atividades de seres humanos do neolítico fertilizaram essas ilhas de terra, o que resultou em um aumento da biodiversidade no local. Isso atraiu ao longo de milênios mais herbívoros para a região, mais árvores e mais pássaros. Esses pequenos oásis concentraram cada vez mais nutrientes e ficaram cada vez mais diferentes do restante da paisagem.
É boa notícia, que reforça a ideia de que as intervenções humanas não são obrigatoriamente destrutivas. Quem poderia imaginar 2 mil anos atrás que um curral cheio de fezes iria se transformar em um luxuriante oásis?MAIS INFORMAÇÕES: ANCIENT HERDERS ENRICHED AND RESTRUCTURED AFRICAN GRASSLANDS. NATURE, VOL. 561, PÁG. 387 (2018)
*É BIÓLOGO