Mau presságio, renascimento: entenda os significados do eclipse solar para culturas indígenas

Dos Navajo, nos EUA, aos Guarani, no Brasil, passando pelos Maia, no México, fenômeno tem diferentes significados tradicionais e culturais

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Por Katrina Miller e Zolan Kanno-Youngs
Atualização:

No próximo dia 14 um eclipse anular do Sol poderá ser visto em todo o hemisfério ocidental, inclusive no Brasil. A Lua, mais afastada da Terra do que durante um eclipse total, vai bloquear muito da nossa visão do Sol, deixando apenas um estreito halo de luz em um céu totalmente escuro.

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Nos Estados Unidos, o show poderá ser visto, primeiramente, no estado do Oregon, e, por fim, no Texas. Depois o fenômeno estará visível na península de Yucatán, no México, e em toda a América Central. O eclipse poderá ser visto de todo o território brasileiro, da bacia Amazônica à toda a costa.

Milhares de turistas estão se deslocando para assistir ao eclipse, previsto para durar cerca de quatro minutos. Mas a maioria não poderá acompanhar o fenômeno nos parques em Arizona, New Mexico e Utah, que são terras dos Navajo. Eles anunciaram que os parques estarão fechados durante o eclipse por conta das tradições indígenas.

“Alguns veem o eclipse como um renascimento, um momento de reequilíbrio”, explicou a astrônoma Nancy Maryboy (à esq.), presidente do Instituto de Educação Indígena. “Mas outros grupos enxergam o fenômeno como um mau presságio.” Foto: San Francisco Exploratorium via The New York Times

“Os Navajo olham para o Universo de forma holística”, afirmou o astrônomo David Begay, vice-presidente do Instituto de Educação Indígena. “O alinhamento do planeta, da Lua e do Sol durante o eclipse é compreendido como um ciclo dentro de uma ordem cósmica interconectada.”

O fechamento dos parques são um lembrete de que, para os povos indígenas de todo o continente americano, eclipses e outros fenômenos astronômicos são vivenciados por milênios e têm um significado importante em diferentes culturas. Para parte dessas culturas, um eclipse não é visto como um espetáculo celeste, mas um momento de reverência e reflexão.

Por isso, tanto nos EUA quanto em outras partes das Américas, quem pretende acompanhar o eclipse deve levar em conta os povos tradicionais que viviam entre os cânions do sudeste dos EUA, perto das pirâmides do México e da América Central e na floresta tropical brasileira; e também como os planetas e outros corpos celestes se manifestam na vida das comunidades indígenas.

“Alguns veem o eclipse como um renascimento, um momento de reequilíbrio”, explicou a astrônoma Nancy Maryboy, presidente do Instituto de Educação Indígena. “Mas outros grupos enxergam o fenômeno como um mau presságio.”

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Em 2017, quando um eclipse total do Sol pode ser visto nos Estados Unidos, cerca de 88% dos adultos observaram o fenômeno de alguma forma. Mas a experiência foi diferente nas terras dos Navajo. Escolas fecharam, trabalhadores foram autorizados a tirar licença. As pessoas foram encorajadas a ficar em casa.

Materiais representam o eclipse e a lua, segundo produção de artista indígena Elsie Holiday Foto: Raven Makes Gallery via The New York Times

Begay lembra com clareza de estar dirigindo por uma estrada próxima da divisa da nação Navajo nas horas anteriores ao eclipse de 2012. Multidões podiam ser vistas ao longo da estrada, montando seus telescópios.

“Foi assim por todo o caminho, até chegar na reserva”, conta

Na reserva, no entanto, não havia ninguém. Para os moradores da reserva, o eclipse é um momento de reverência e reflexão, não um espetáculo. A líder Navajo Semira Crank conta que, ao longo de sua infância, aprendeu que não podia olhar para um eclipse por duas razões: a primeira é prática, olhar diretamente para o Sol pode causar danos aos olhos. Mas a segunda, ela diz, é que o eclipse pode romper a harmonia espiritual das pessoas.

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“Isso remonta às nossas origens”, afirma Crank, que prefere não falar muito sobre suas tradições. “Mantemos essas práticas, nossas tradições, nossas culturas e nossa linguagem perto de nós.”

A Península de Yucatán, no México, de onde o eclipse também poderá ser visto, é a terra do povo Maia, cuja cultura se estende a outras partes do México e da América Central. Os Maia tinham uma tradição astronômica muito bem estabelecida e, por séculos, conseguiram prever os ciclos que resultam em eclipses solares.

“Atualmente, vemos como um espetáculo da natureza, mas, no passado, o eclipse era interpretado tanto pela cultura Maia quanto no restante da América Central como um presságio de alguma coisa”, explicou o pesquisador Jesus Galindo Tejo, da Universidade Nacional Autônoma do México, que estuda como os maia acompanhavam os fenômenos celestes.

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Para algumas comunidades, eclipses eram associados à destruição, a eventos como secas, enchentes ou doenças. O fenômeno também teria efeitos ruins sobre os indivíduos, segundo Tejo, tanto assim que era comum que as grávidas evitassem assistir ao eclipse.

Eclipse visto em cidade do Japão, em 2012 Foto: AP Foto/Shuji Kajiyama

Entre os indígenas da Floresta Amazônica, no Brasil, a astronomia guia muitos aspectos da vida cotidiana. As constelações recebem nomes de plantas e animais, enquanto as fases da Lua ditam os melhores momentos para a colheita, a pesca e o nascimento das crianças.

“Antes de ir dormir, no pôr do sol, eu ouvia meu pai falando sobre as constelações e apontando para o Universo, explicando em que fase estávamos”, contou o antropólogo Jaime Diakara, membro da comunidade Dasana, um dos 22 grupos indígenas que vivem na Bacia do Rio Negro. “Para nós, era como uma televisão de tela gigantesca, nos mostrando todas as imagens da mitologia ancestral.”

Enquanto a Lua estiver eclipsando o Sol, o povo Dasana não ficará tranquilo.

“O homem branco acha que um eclipse é algo bonito”, contou Durvalino Kisibi, um líder Desana e pajé. “Para nós é algo ruim.”

Nas comunidades Dasana, durante o eclipse, quem estiver pescando ou caçando deve voltar aos seus vilarejos. Crianças serão levadas para suas ocas. Os mais velhos devem se reunir em torno da maloca em oração. Enquanto eles rezam e cantam, o pajé queimará ervas sagradas para afastar os espíritos ruins.

“Nossos rituais são como uma vacina, que nos protege”, afirmou Diakara.

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Para alguns dos grupos Guarani, os eclipses são provocados por um espírito maligno personificado na constelação do jaguar. Quando o céu escurece, os Guarani gritam e clamam para afugentar o jaguar, acreditando que o fim do mundo acontecerá quando o animal conseguir devorar a Lua, o Sol e outras estrelas.

Embora essas tradições nem sempre sejam validadas pela comunidade científica, esses dois mundos poderiam coexistir, afirma Yuri Berri Afonso, cujo pai, o astrônomo guarani Germano Bruno Afonso desenvolveu a ferramenta Observatório Solar Indígena.

“A ciência olha para a essas explicações e frequentemente as ridiculariza”, afirmou Berri, que ajudou a digitalizar a ferramenta antes da morte de seu pai, em 2021. “Mas o conhecimento ancestral dos povos indígenas é o que nos ajuda a sobreviver. E uma visão do Universo não deveria cancelar outras.” /THE NEW YORK TIMES

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