PUBLICIDADE

A metrópole histórica em exposição de fotos

Mostra reúne 124 imagens do acervo do Museu da Cidade de São Paulo na Casa da Imagem

Por Simonetta Persischetti
Atualização:

Cidade! Mais precisamente a cidade de São Paulo, tão fotografada em sua imensidade, muito julgada em sua aparência. Quem a define feia não a conhece. Quem a define enigmática se sente por ela atraído e procura de alguma forma compreendê-la. Pode ser via música, verso, literatura, mas sem dúvida nenhuma a imagem lhe rende a melhor homenagem. Muito já foi mostrado, poucas vezes foi compreendida. Muito foi definida: cidade pedra, cidade cinza, da chuva e da garoa. Cidade amada, cidade odiada. Mais uma vez, uma exposição procura apresentar a cidade de São Paulo, suas múltiplas vertentes, suas múltiplas possibilidades de ser compreendida. Talvez por isso o nome desta exposição Equações da Metrópole, inaugurada último sábado, 28, na Casa da Imagem, mereça um momento de reflexão. 

Viaduto do Chá nos anos 1940: ainda sem os arranha-céus Foto: Museu da Cidade

PUBLICIDADE

Com curadoria de Henrique Siqueira e Mônica Calderón a mostra é composta por 124 imagens do acervo fotográfico do Museu da Cidade de São Paulo e dois filmes de Benedito Junqueira. Um módulo especial no Solar da Marquesa de Santos, prédio ao lado da Casa da Imagem, será dedicado ao fotógrafo Valério Vieira, com sua obra (de 1922) Panorama de São Paulo.

Nesta exposição os curadores partiram do próprio acervo do Museu da Cidade, percorrendo um período de 140 anos de história fotográfica da cidade entre 1862 e 2002. A ideia é apresentar o cenário de São Paulo, não só a passagem de vila à metrópole já tão explorada, mas mostrar as mais variadas fases da sua construção e de seus personagens. Então, se no andar inferior da Casa da Imagem a presença é a da paisagem, no superior é o habitante da cidade que domina: “Queremos mostrar o habitante no espaço urbano, a infância, o trabalho na indústria, na construção civil”, nos conta Henrique Siqueira. Uma cidade que não existe sem seus habitantes. “Desmitificar a visão da metrópole e tentar compreender o cenário da cidade”, diz o curador. Assim, desfilam à nossa frente imagens de fotógrafos que desde o fim do século 19 e durante o século 20 se voltaram a desvendar a cidade por meio da imagem. Uma tentativa de entender esta cidade tão vilipendiada, rompida e rasgada, que cresceu solta e que se impõe ao nosso olhar.

Casa que vendia luvas de pelica na Rua Direita: São Paulo elegante Foto: Museu da Cidade

Criar uma memória da cidade de São Paulo tem raízes antigas. O acervo do Museu da Cidade de São Paulo, com mais de 74 mil fotografias e 154 anos de histórias, foi formado por Aurélio Becherini (1879-1939), considerado o primeiro fotojornalista da cidade de São Paulo. Suas fotos são as responsáveis por ele ter sido contratado pela prefeitura de São Paulo, pelo então prefeito Washington Luís (1869-1957), que queria registrar as transformações que viria a fazer. Preocupado, Becherini adquire por conta própria fotografias que já haviam sido feitas por outros fotógrafos, também empenhados em registrar a cidade, tais como Augusto Militão de Azevedo (1837-1905), Guilherme Gaensly (1843-1928) e Valério Vieira (1862-1941). Desta forma ele pôde elaborar um Álbum Comparativo da Cidade de São Paulo.

Em 1934, sempre se antecipando, Becherini procura o então prefeito Fabio Prado (1887-1963) e lhe oferece seu arquivo, formado por suas fotografias e por fotografias que havia adquirido de outros fotógrafos. Será o próprio Mario de Andrade (1893-1945), que dirigia o recém-criado Departamento de Cultura, que vai se entusiasmar com o material e aprovar sua compra. Mas será outro fotógrafo, Benedito Junqueira Duarte (1910-1995), que se encarregará de organizar, limpar e identificar o material. É assim que nasce a seção de iconografia do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo. É assim que São Paulo tem a mais antiga coleção pública de fotografias da cidade.

E é desta forma que vamos acompanhar a exposição, percorrendo os mais variados momentos da cidade, sua paisagem rural e sua verticalização, o registro de seu centenário em 1954, o retrato da cidade por German Lorca, Sérgio Jorge, Marcia Alves e Cristiano Mascaro. Uma cidade que à revelia de seus retratistas cresce e escapa. E ainda falta muito para conhecer, ou melhor, para resolver as equações da metrópole!

Panorâmica. Valério Vieira (1861-1941) é considerado um dos grandes retratistas da cidade de São Paulo. Mas ele foi muito mais do que isso. Um inovador no fazer fotográfico. Nos primeiros anos do século 19 andou tranquilamente por várias áreas da criação: fotografia, pintura e música. Nascido em Angra dos Reis, muda-se para São Paulo em 1890, onde começa a se destacar na fotografia. Em 1905 consegue apresentar sua primeira panorâmica. Um painel de 12 metros de comprimento. Mas será em 1919 que ele vai realizar sua segunda panorâmica, um painel de 360 graus. O pedido é feito pela prefeitura de São Paulo para ser apresentado nos festejos da Independência em 1922. A imagem, conhecida como Panorama de São Paulo, foi feita a partir da junção de cinco fotografias e possui 16 metros de extensão por 1,42 metro de altura, ampliada com o apoio técnico do químico Conrado Wessel (1891-1993). Foi pintada por Valério Vieira, numa técnica conhecida como foto-pintura: “Ela apresenta os bairros da Luz Santa Ifigênia e Campos Elísios, registrando o começo da industrialização de São Paulo”, nos conta Renato de Cara, diretor do departamento dos museus municipais. A imagem que foi já apresentada e restaurada pelo MIS em 1998 passou a ser imagem permanente do Museu em 2006. Quem capitaneou o importante e difícil trabalho de recuperação da imagem foi a restauradora Florence Maria White de Vera. E foi ela mesma que foi chamada no ano passado, em 2017, para uma nova restauração da tela. Desta vez ela contou com a participação da também restauradora Ana Maria Caires Scaglianti e com o suporte de Mariza Melo que é conservadora e restauradora do Museu da Cidade. Até o final de setembro será possível ver não apenas a imagem de Valério Vieira, mas apenas uma técnica e estética fotográfica do início do século 20, mas o trabalho minucioso de quem guarda nossa memória.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.