PUBLICIDADE

Gramado, entre o exótico e o banal

A Teta Assustada, de Claudia Llosa, divide atenção com o brasileiro Cildo, de Gustavo Moura, retrato tímido do artista plástico

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Foi uma bela homenagem a Reginaldo Faria, além de merecida, naturalmente. Ele chegou ao Palácio dos Festivais, cercado pela família, para receber o troféu Oscarito, na terça-feira à noite. Reginaldo falou de seus verdes anos na Atlântida, acompanhando o irmão, Roberto Farias. Ele adorava ver Oscarito representar. Nunca contracenou com o grande Oscar de La Concepción. Abraçou-o, no formato da estatueta com que foi agraciado. Estava acompanhado da família. A atual companheira, Vania Dotto, gaúcha de faca na bota, os filhos Marcelo e Régis, o irmão Roberto, que o impulsionou na carreira. O Canal Brasil homenageou-o com um especial, mas o retrato, por mais carinhoso que tenha sido, estava incompleto - faltou uma imagem, pelo menos, do maior filme dos irmãos Farias (Reginaldo é Faria, sem S final), Selva Trágica. O ator e diretor lembrou tempos melhores do cinema brasileiro - os anos 70, quando o share, a participação nacional no próprio mercado, chegou a 40%. Desabafou - há alguns anos, estava pronto para voltar a dirigir, mas um erro médico colocou-o em coma. Os filhos o resgataram da UTI sussurrando ao seu ouvido que o dinheiro do financiamento saíra e ele poderia fazer seu filme sonhado. O filme não saiu e outros projetos também ainda não vingaram, por falta de patrocínio. A homenagem a Reginaldo Faria ganhou um inusitado tom de protesto contra o que ele chamou de ?dirigismo cultural?. Grande Reginaldo - ator nos melhores filmes do irmão (Cidade Ameaçada, Assalto ao Trem Pagador e Selva Trágica), ele próprio virou diretor e, do humor das primeiras comédias (Os Paqueras, Pra Quem Fica Tchau e Os Machões) ao poderoso Barra Pesada, mostrou que também era bom atrás das câmeras. A homenagem ocorreu entre os dois filmes da noite, o peruano A Teta Assustada, de Claudia Llosa, rebatizado com a tradução do original; no Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo passou com outro título -, e o nacional Cildo, de Gustavo Moura, sobre o artista visual Cildo Meireles. À tarde, começou a competição de curtas. O festival anunciou que houve, este ano, um crescimento de mais de 80% nas inscrições de curtas em relação ao ano passado (foram 287). O número pode ter aumentado, mas não a qualidade. Pelo visto, foram-se os tempos em que o formato era sinônimo de ousadia e criatividade. Os quatro curtas exibidos - Em Terra de Cego, de João Boltshauser; Doceamargo, de Rafael Promot; Para Inglês Ver, de Vitor Granada e Robson Dias; e Quiropterofobia, de Fernando Mantelli, competiam entre si para ver qual era o menos ruim. Precedido do Urso de Ouro que recebeu em Berlim, A Teta Assustada é bom - e tem uma atriz maravilhosa, Magaly Soler, também cantora e compositora das canções integradas à narrativa -, mas é verdade que um componente de exotismo na história da jovem índia perseguida pelo fantasma do estupro sofrido pela mãe pode ter contribuído para a consagração internacional. Bom - Claudia Llosa filma bem -, pero no mucho. O documentário sobre Cildo Meireles é desconcertante, para se dizer o mínimo. O discurso do artista, a forma como ele reflete sobre seu trabalho (e a arte em geral), é interessante e, mais do que isso, inteligente, mas muitas vezes as escolhas do diretor parecem inadequadas para expressar (ilustrar?) o que está sendo dito. Tudo o que mostra Cildo no ato de criar é tímido e até banal, em contradição com o que ele diz. Por momentos, pode haver certa harmonia nessa dissonância, mas palavra e ato raramente andam juntos. Cildo, o artista, elogia a arte conceitual, mas diz que ele talvez não seja tão conceitual assim. Talvez tenha sido isso que Gustavo Moura quis expressar na tela. O repórter viajou a convite da organização do festival

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.