PUBLICIDADE

Jeff Koons pode me ensinar a pintar?

Jeff Koons entrou na sala de aula aos 65 anos, inscrevendo-se como instrutor da MasterClass. Um crítico de arte matriculou-se para capturar um pouco da magia do mestre

Por Andrew Russeth
Atualização:

As histórias de artistas de vanguarda dando aulas - como trabalho, como arte ou como uma combinação dos dois - são ricas e variadas. Joseph Beuys elaborava aulas como performances, explicando obras de arte para uma lebre morta em uma famosa peça de 1965. Faith Ringgold trabalhou com alunos da pré-escola à faculdade e escreveu livros infantis extraordinários. Ian Wilson, que morreu em abril, passou anos conduzindo discussões de suas ideias em estilo socrático.

Agora Jeff Koons entrou na sala de aula aos 65 anos, inscrevendo-se como instrutor da MasterClass, a plataforma de vídeo por meio da qual celebridades como RuPaul, Natalie Portman e Usher compartilham seus conhecimentos. A mensalidade da escola para acesso ilimitado é de US$ 180, cobrados anualmente.

O artista americano Jeff Koons e sua escultura Buquê de Tulipas, dedicada às vítimas do ataque ao Bataclan, na França Foto: REUTERS/Phillippe Wojazer

PUBLICIDADE

Eu me inscrevi imediatamente (sou um fã), curioso para ver como Koons poderia adaptar seu estilo característico para artistas com ambições mais modestas. Tive dificuldades em uma aula de desenho na faculdade para me tornar um graduado em história da arte, mas nunca desenvolvi nenhuma ideia original, muito menos as habilidades para produzir arte, e deixei a ideia de lado assim que pude.

Mas desde os primeiros momentos de sua apresentação de duas horas sobre "arte e criatividade", é evidente que esta experiência não será como aquele passo a passo de Bob Ross na TV em "The Joy of Painting".

“O que é arte?” Koons pergunta. “É pintura? É escultura?” Claro, você pode responder, mas ele ainda está falando. “A arte é um veículo que nos permite ter um impacto no mundo externo e também permite que o mundo externo tenha um impacto sobre nós.”

Koons, é claro, tem causado impacto. Sua escultura de aço “Rabbit” (1986) foi vendida no ano passado por US$ 91,1 milhões, o preço mais alto já pago em um leilão pelo trabalho de um artista vivo. Ao longo de uma carreira de quatro décadas, suas interpretações e apropriações inesquecíveis e escrupulosamente elaboradas de assuntos da cultura de massa (animais feitos com balões, aspiradores de pó, o Hulk) brilharam em salões de museus prestigiosos, no Palácio de Versalhes e nas propriedades dos mais ricos.

Escultura de "coelho" de 1986, feita por Jeff Koons, divulgada pelo leilão da Christie's em Nova York Foto: Reuters

É um dos poucos artistas que é popularmente conhecido. Ele também é intensamente polêmico, por sua celebração descarada da decadência e seus métodos de produção terceirizados. Amado ou odiado, ele entrou no panteão.

Publicidade

No entanto, aqueles que estão inscritos para capturar um pouco da magia do mestre podem ficar desapontados.

Enquanto o chef Thomas Keller demonstra como cozinhar ovos mexidos na MasterClass e a estrela do tênis Serena Williams conduz os espectadores em seus primeiros passos, Koons está aqui como life coach e vendedor. Ele quer que tenhamos sucesso e que sejamos felizes.

“Por favor, diga algo com seu trabalho, porque todos estão dependendo de você”, diz ele. “Você precisa ser corajoso. E ao ser corajoso, você está apenas sendo corajoso consigo mesmo."

Fazer arte com sucesso requer aceitar a si mesmo, na filosofia de Koons, para que você possa perseguir seus interesses sem vergonha.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

“Tudo sobre o seu passado é perfeito”, diz ele. “Tudo até este momento sobre você é espetacular.” (Na verdade, RuPaul oferece praticamente o mesmo conselho - “Saiba que você é perfeito como você é!” - em uma aula animada sobre “como ganhar atenção e respeito” em seu curso.)

Para aqueles que acompanham Koons há mais tempo, esses clichês afirmativos são familiares, mas sua seriedade implacável é impressionante e perturbadora. Vestido em azul escuro - blazer, camisa e calça - ele se posiciona em pontos do estúdio com atmosfera de caverna e sem mais ninguém em grande parte das filmagens, falando com alegria controlada. Sua entrega é tão suave quanto manteiga em temperatura ambiente espalhada em um pão quente. Eu me peguei balançando a cabeça sem pensar enquanto ele comparava um cinzeiro que se lembra de ter amado quando criança, com uma mulher deitada segurando as pernas no alto, à "Pietà" de Michelangelo.

“Como aquilo pode ser menos do que esta obra-prima de Michelangelo?” ele diz. “É igual.” Espere, o quê?

Publicidade

Os 13 episódios curtos são ostensivamente dedicados a diferentes aspectos da criação e compreensão da arte. Em “Aproximando-se da tela em branco”, Koons explica, “gosto de começar com uma ideia”. Ele se pergunta: “O que tem atraído minha atenção? Quais têm sido os temas ultimamente?”. Ele acredita que isso funcionará para você também.

Em “O Poder da Cor”, aprendemos que “a cor é uma das principais ferramentas que um artista pode usar para se comunicar”. Ele "sempre foi atraído pelo turquesa". Eu também sou presa fácil para roxos e cor de rosa.

Na verdade, este é um infomercial suntuosamente produzido para a arte de Koons, e os melhores momentos - os mais engraçados, os mais estranhos - são quando ele se sente livre para abandonar suas responsabilidades como professor e apenas falar vertiginosamente sobre a arte dele, não a sua, e o entusiasmo por Ticiano e Rubens, Bernini e Queirolo. (Mulheres não aparecem neste programa de estudos.)

Segurando um coelhinho inflável cor de rosa, nosso professor se lembra de ter percebido, no final dos anos 1970, que poderia apresentar isso como uma escultura pré-fabricada. “Isso é como os pulmões”, diz ele. “É como nós. É como você. Respire fundo." Ele inala.

Revivendo a adrenalina daquele momento eureka, Koons diz que o rosa no brinquedo “estava me transformando; estava me tornando mais vasto”, e “previ isso, sim, posso expandir ainda mais”.

Um traço de ameaça emana dessa fala, e esses momentos discordantes (embora sejam muito poucos) ajudam a perfurar a atmosfera hermética do projeto. A escuridão se esconde por trás do sorriso de Koons e sob suas superfícies. É parte do que torna sua arte tão atraente e irritante.

À medida que via os episódios e minha energia despencava diante dos monólogos repetitivos de Koons, comecei a sentir que esse mestre do mercado estava perdendo o rumo. Para um homem que vendeu pratos de US$ 700 e esculturas de US$ 8 milhões, um vídeo parece um pouco prosaico. Por que não há aulas bônus, com lições especiais e discussões em grupo, disponíveis com uma generosa taxa extra? Por que não há nenhuma aula para um grupo seleto ou particular?

Publicidade

Esta é, lamentavelmente, uma mentoria unilateral. Koons não responde a perguntas. Por enquanto, nós, estudantes-artistas, pelo menos temos seu sincero encorajamento - ecoando em nossas telas.

“Por favor, faça isso por outras pessoas”, diz ele, “e as pessoas ficarão muito gratas a você”. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.