PUBLICIDADE

''Quero compartilhar com outros minha vivência''

Dr. Varella fala sobre a experiência que mudou sua vida: conviver com pessoas que estão morrendo

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

"Vicente casou-se com uma filha de árabes de corpo miúdo e olhos enormes, que brilhavam quando olhavam para ele." Assim, numa simples descrição, o dr. Drauzio Varella revela o amor de uma mulher em Por Um Fio. Sobre sua escrita de poucos adjetivos ele conversa com a reportagem do Estado. Há uma curva dramática em Por Um Fio, da visão heroica à consciência do limite. Foi intencional? Existe essa passagem. Jovem, eu queria achar a cura do câncer. Tenho noção do ridículo, mas achava que era esse o objetivo. Tinha ideias, se eu fizer de certo jeito vai dar certo. Assim que comecei o livro quis fechá-lo com a história da morte de meu irmão com a função mesmo de marcar o limite. Foi a mais pungente que vivi. Alguém que você ama e faz tudo para curar vai escapando de suas mãos e a morte se impõe. A meu ver há um momento-chave, na página 147, que o leva a refletir sobre a sua profissão. É um marco. Depois de dez anos de formado eu entendi a finalidade da medicina - aliviar o sofrimento humano. Foi um momento de amadurecimento. Achar a cura do câncer e salvar todos os doentes é uma utopia que não tem sentido. Curam-se poucas doenças, tratam-se muitas. Parece óbvio, mas não é, porque os médicos, sobretudo os jovens, não têm essa visão. Diante de um caso incurável, se desinteressam. Nesse sentido, o livro ultrapassa as questões da medicina, não? Quis transmitir o seguinte: esse livro é escrito por alguém que convive com pessoas que estão morrendo e isso mudou sua vida. Eu seria outra pessoa se não tivesse passado por tudo isso. Achei que compartilhar essa vivência poderia ser interessante para outros. Não quis escrever um livro sobre a morte de jeito nenhum. As histórias ficam dramáticas porque a morte está à espreita. E ela está mesmo, de todos nós, permanentemente. A percepção de que o tempo é limitado faz com que as pessoas se concentrem no que é essencial. Há elaboração literária dessas experiências na forma de pequenos contos. Quer seguir por essa vertente? Nunca tive a pretensão de fazer literatura. Recebo para autografar exemplares de Carandiru destruídos, que passaram pela mão de dezenas de pessoas. Isso me dá muito orgulho. Ganhei o Jabuti; sorte de principiante. Mas só queria contar histórias. A pretensão de fazer literatura leva à escolha de uma palavra elegante e sem sentido. Roland Barthes dizia que a literatura é o silêncio carregado de significado. É uma boa definição. Quando escrevo, corto adjetivos ao máximo, depois volto e corto mais alguns. Claro que seria mais fácil dizer vinha vindo uma mulher bonita. Quero ver o leitor achar que ela é bonita pela descrição que fiz dela.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.