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Resenhas de espetáculos, livros e novidades do palco

MITsp: Teatro-verdade de 'Árvores Abatidas' não reserva convite para a dúvida

A crítica de Thomas Bernhard contra a hipocrisia e conformismo de artistas encontra reações aqui, na China, na Áustria e no mundo. Se as variáveis históricas, culturais e geográficas podem definir a qualidade desses seres, seus defeitos e perversidades parecem ser mais universais, ao menos humanos.

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Por Leandro Nunes
Atualização:

Na versão de Árvores Abatidas, do diretor polonês Krystian Lupa, celebrado na programação da 5ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, um jantar artístico é retratado como uma longa dissertação a partir do ponto de vista do próprio Bernhard, presente no encontro, que revela o conformismo e a desencanto dos artistas com o próprio trabalho e o ideal da arte na Viena dos anos 1980.

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O que vêm a seguir nas quatro horas e meia de espetáculo, reproduz um encontro doloroso e cáustico após o suicídio de uma colega artista. Na tentativa de relatar a história, o diretor leva a sério a missão de adaptar o romance e coloca uma dezena de atores sentados, tediosamente, em suas poltronas, enquanto fumam, bebem e aguardam o jantar, que só começará quando o astro da vez, o ator do Teatro Nacional, protagonista de O Pato Selvagem, chegar à casa.

O que se revela, portanto, são conversas abafadas, às vezes pelo estranho idioma e pela interpretação introspectiva das figuras. Até a segunda metade da peça, mal se ouve a voz dos atores, e a postura indisposta dos personagens ganha espelho na plateia.

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No auge do niilismo, sobram críticas para o governo e seus teatros subvencionados, que produzem obras enlatadas sem qualquer interesse artístico, mas político, aos artistas que vendem seu talento em troca de um salário que cala suas inquietações, e à insensibilidade geral da própria época, que não enxerga mais na arte, na política e na sociedade uma chance de redenção, senão a morte. Em alguns momentos, dizem alguns personagens, a decisão da suicida parece ter sido a mais acertada.

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Espetáculo à parte é a transição do cenário, capaz de encantar mais que os diálogos abertamente despretensiosos. A cena do bolero de Ravel chega a suspender o niilismo com uma ponta de esperança, mesmo porque a crítica sobre maneirismos artísticos se esgota, e a montagem fica a dever certa catarse às figuras. Estas, sempre chapadas em suas emoções e opiniões, seguem cultivando passividade e insensibilidade carregadas e mergulhadas em autismo.

No fim do encontro, a mensagem deixada por Bernhard, em texto projeto, termina por expulsar toda a dúvida e ambiguidade que no teatro estão em extinção. O sentimento de animosidade-devoção simultâneo declarado pelo escritor e direcionado aos artistas, àquela cidade e à arte, ao contrário de oferecer uma ponta de hesitação à plateia sedenta, apenas vaticina que é errado ir contra o romantismo do ofício e declarar abertamente ódio e raiva pela classe artística, pela metrópole e próprio tempo.

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