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Análise: 'Capitão Fantástico' é para os que ainda sonham com a revolução

'Capitão Fantástico' é para os que ainda sonham com a revolução

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Num dia comum em Cannes, você assiste a três ou quatro filmes, às vezes cinco, participa de coletivas, faz entrevistas, redige textos. A prioridade, para quem cobre o maior festival do mundo, é sempre a competição, mas existem filmes nas mostras paralelas que não se podem perder. Este ano já havia um bochincho por Capitão Fantástico, em Un Certain Regard. O filme passou embolado com Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, e Julieta, de Pedro Almodóvar. Dois grandes filmes centrados em personagens femininas. E veio Matt Ross com seu pai, Viggo Mortensen, que cria os filhos no meio do mato, à margem do ‘sistema’. O que significa essa contestação em 2016? Capitão Fantástico foi muito bem recebido em Cannes. Foi até premiado - melhor direção - pelo júri presidido por Isabella Rossellini. Antes disso, passara pelo crivo do público, e o público de Cannes é formado, majoritariamente, pela imprensa mundial, formadora de opinião. Pesquise em sites e nas redes sociais. Capitão Fantástico teve ‘standing ovation’ - foi aplaudido de pé durante... Dez minutos! Nenhum filme obtém essa recepção em Cannes se não calar fundo naquele público especial.

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Capitão Fantástico está estreando no Brasil. Você já sabe que Viggo Mortensen está selecionado para o Globo de Ouro, na categoria melhor ator de drama. Seu nome aparece em todas as listas de prováveis indicados para o Oscar. Viggo é impecável como o pai que cria seis filhos sozinho no mato. Não à civilização e ao consumo, mas os garotos e garotas não são bárbaros. A par da praticidade da criação, dominam línguas, possuem lastro cultural, sabem argumentar. Essa ‘tribo’ volta à civilização quando a mãe morre. O avô milionário quer os netos de volta. Tenta seduzi-los, cooptá-los. O choque é inevitável.

O choque é visual e se estabelece quando Viggo e os filhos chegam com suas roupas coloridas para o funeral. Eventualmente, o grupo vai roubar o cadáver - a morta - e cair na estrada. Existem vagas remissões em Capitão Fantástico. A O Senhor das Moscas, de William Golding, que virou filme (de Peter Brook), a Na Natureza Selvagem, de Sean Penn, e a Pequena Miss Sunshine. Seria Pequena Miss Sunshine (dirigido por Jonathan Dayton e Valerie Faris) para os que ainda sonham com a revolução. Mas, de ponta a ponta, o filme é original, e crítico. Matt Ross não poupa o consumismo nem a mentalidade eternamente hippie. Na verdade, ele está buscando uma terceira via. Ela não vem sem sofrimento. Se o choque com o mundo conservador dos ricos - longe do mato - tem coisas engraçadas, quando o conflito é interno, entre o pai e seus filhos, o tom é dilacerado. Cannes, com todos aqueles grandes filmes, não era o melhor lugar para se avaliar Capitão Fantástico. Sem dúvida que o filme sobreviveu, permaneceu. Mas, agora, é que se formula o juízo definitivo. Bom, muito bom. De maio para cá, o mundo ficou mais conservador e, na ‘América’, Donald Trump chegou ao poder. Um anacronismo no poder e outro na contestação de valores que não se sustentam mais. Na essência desse filme, está uma questão básica - o que você está fazendo da sua vida? O que você quer ser/fazer neste mundo louco? Matt Ross não tem respostas prontas nem propõe soluções, mas a viagem de Viggo Mortensen e suas ‘crianças’ é muito inspiradora.

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