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Antonio Skármeta relembra ator de 'O Carteiro e o Poeta'

Massimo Troisi morreu no último dia filmagem do longa

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Por Redação
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Completam-se hoje 20 anos da morte do ator italiano Massimo Troisi, protagonista de O Carteiro e o Poeta. Quando o filme foi indicado ao Oscar, eu estava passando minhas férias de verão numa praia aprazível do norte do Chile. Sua estreia fora tão emocionante em muitos países que, até nesse lugar remoto onde eu me encontrava, chegaram jornalistas com suas câmeras para entrevistar-me. Eu os atendi cordialmente e ainda contei-lhes os antecedentes da gestação da obra, da dramática história do meu país, o Golpe de Pinochet, o exílio de Pablo Neruda em Capri, nos anos 50. Eles tomaram nota de tudo com certa impaciência até que uma bela repórter americana confessou o verdadeiro objetivo de sua visita. Tudo o que eu contava era muito bom, mas ela pedia um favor maior: queria que eu a levasse até o carteiro de verdade para entrevistá-lo. Era a missão específica da qual fora encarregada pelo diretor do seu canal de televisão. Cercado de câmaras, cabo, holofotes, técnicos, não tive como escapar. Só me restou revelar a todos eles a verdade: o carteiro não existia, era fruto de minha imaginação, um ser inventado por um criador que amava o seu povo e que depositara neste humilde personagem algumas de suas virtudes, principalmente o amor das pessoas mais simples pela poesia. Os poetas falavam delas em suas obras, e para elas os poetas eram os porta-vozes de suas vidas e sonhos. A decepção, e até mesmo o espanto, apareceu no rosto da jornalista e de sua equipe. Tive a impressão de que ela ficou boquiaberta. Não era possível que o carteiro não existisse! O carteiro - disse a bela loira - era "tão" real que "deveria ser real".

Massimo Troisi,à esquerda, com Philippe Noiret (intepretando Neruda) em cena do filme 'O Carteiro e o Poeta' Foto: Penta Film

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Sorri porque sua irritação no fundo me lisonjeava: eu havia criado um personagem de ficção que merecia ascender à categoria prodigiosa do real. Não é este o sonho de todo escritor? Mas o mérito não foi meu. Foi de Troisi. Troisi foi a realidade, eu fui apenas a ficção.

Foi a profunda intensidade de sua arte na criação do personagem, sua capacidade de extrair grandeza, poesia de sua torpeza, filosofia de sua ingenuidade, e assombro onde outros veem apenas rotina, que deu a Mario Ruoppolo uma autêntica densidade. Troisi fez um carteiro no qual pôs toda a sua espontaneidade napolitana e sua mais elaborada técnica interpretativa: o sentimento acudia ao seu corpo antes mesmo da palavra, seus gestos confusos indicavam claramente que o carteiro estava possuído por uma graça que lutava para se expressar apesar dos limites de sua educação e pobreza. Considero a atuação de Massimo em O Carteiro e o Poeta uma das interpretações mais magistrais que jamais vi no cinema de todos os tempos e países. Foi indicado para o Oscar para a categoria de Melhor Ator. Na cerimônia de premiação, desejei ardentemente que a estatueta coroasse sua genial criação. Ele não estava presente na sala, sua morte ocorrera no último dia de filmagem de O Carteiro e o Poeta. Não chegou a ver projetado nas telas do mundo inteiro este filme, que segundo afirmou, "estamos fazendo para que nossos netos se orgulhem de nós", este filme no qual trabalhou até o fim apesar da doença e das traições do seu coração enfermo, que, durante a filmagem, já dava sinais de alerta. O filme que chegou até a última cena apesar do diretor que sugerira suspendê-lo: "Em primeiro lugar, a saúde. Um filme não vale uma vida". Massimo teria respondido: "Mas acontece que este filme é a minha vida". Troisi não ganhou o Oscar naquele ano. O vencedor foi Mel Gibson com seu Braveheart (Coração Valente. E o perdedor, no cinema e na vida, foi Massimo Troisi com seu weak heart (coração fraco). A boa interpretação de Gibson fez com que o ator recebesse a cobiçada estatueta dourada. A interpretação superlativa de Troisi, o do coração fraco, foi coroada com outro prêmio: ele conquistou os corações de milhões de espectadores. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA 

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