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Áurea Martins, uma dama da noite carioca

Conhecida somente no circuito do Rio, ela é tema de filme e segue inspirando com sua voz rouca

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Por Redação
Atualização:

Roberta Pennafort - O Estado de S. Paulo

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RIO - Cantar na noite pode ser o início de uma carreira de sucesso na música - aconteceu com Djavan, Ana Carolina, Jorge Vercillo e tantos outros. Mas nem sempre é assim. Há quem comece nos bares da vida e neles construa sua trajetória, permanecendo à margem das prateleiras das lojas e das primeiras páginas. Esta é a história de Áurea Martins, carioca com mais de 50 anos de clubes, boates e casas de shows fora do mainstream. No dia 13, completou 70 anos - aparenta dez menos -, e vem comemorando a data redonda no palco.

 

 

Na última quinta-feira, pouco antes de um desses shows-festa, no Cordão da Bola Preta, no centro do Rio, ela recebeu o Estado para conversar sobre a efeméride. Áurea diz que não está cansada das noitadas, embora tenha dado pra sofrer de alergias recentemente (resultado da longa exposição à fumaça de cigarro). Não tem, isso é verdade, o mesmo pique de décadas atrás, quando pulava de casa em casa, e tinha entre seus admiradores aquela que ela própria, e todo o Brasil, considerava a maior de todas: Elizeth Cardoso.

 

"Ela foi minha madrinha. Ia me ver cantar nas boates da zona sul e falava de mim nas entrevistas, me colocava entre as grandes. Dizia que eu era magrinha e me levava pra casa pra comer gemada", lembra a cantora, que se chama Áldima e foi batizada profissionalmente por Paulo Gracindo, nos anos 60 (ele dizia que seu sorriso era reluzente como ouro). Gracindo era apresentador da Rádio Nacional e a moça de Campo Grande, bairro distante de tudo, era uma iniciante que dividia os programas com nomes então consagrados, como Ângela Maria e Zezé Gonzaga, e outros que ainda iriam estourar, caso de Elis Regina. Áurea, por sua vez, jamais estourou. É "quase invisível", nas palavras de Hermínio Bello de Carvalho, que a vem produzindo há alguns anos.

 

Manteve, porém, seu lugar nos palcos, diante de uma plateia acanhada, mas embevecida com seu timbre único, a emoção nas interpretações, a bela escolha de repertório, que não sucumbe ao óbvio nem ao banal.

 

Poucos discos. O primeiro LP, com Luizinho Eça, gravou em 1972, como prêmio pelo primeiro lugar conquistado num programa de Flávio Cavalcanti anos antes, cuja final havia sido no principal palco da cidade, o do Teatro Municipal. Levou nota dez de todos os jurados: Maysa (que se afeiçoou à moça pobre e suburbana e acabou por ajudá-la a se vestir para as apresentações, emprestando-lhe vestidos e sapatos), Bibi Ferreira, Paulo Moura, Nelson Motta... Em 2003, veio o segundo, com produção de João de Aquino, e em 2008, o terceiro, com Hermínio e o pianista Zé-Maria Rocha.

 

Nos três, o samba-canção que Áurea gosta de cantar e conhece bem, muito Dorival Caymmi, Paulo César Pinheiro, Lupicínio Rodrigues, Herivelto Martins, Custódio Mesquita, Ary Barroso. Suas gravações de Janelas Abertas, de Tom e Vinicius, e Embarcação, de Francis Hime e Chico Buarque, são referenciais.

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Agora, Áurea está em meio à preparação do quarto disco, novamente com Hermínio. O repertório tem só canções dele com parceiros - os novos, Vidal Assis, Lucas Porto e Luizinho Barcellos, e os antigos, Pixinguinha (Isso É Que É Viver), Dona Ivone Lara (Mas Quem Disse Que Eu Te Esqueço) e Elton Medeiros (Pressentimento). Cartola (com quem Hermínio e Carlos Cachaça compuseram Alvorada), talvez entre no CD.

 

"Descoberta". Para Hermínio, "essa negona de cara enfezada ou de sorriso estonteante, conforme o momento assim o exigir", tinha que aparecer mais, ser, enfim, "descoberta", para além das meras participações em songbooks (cantou no de Tom, de Chico e de João de Aquino). Já para ela, está bom assim. "Eu não tenho estrutura pra fazer muito sucesso. Tenho medo de avião, gosto de dormir... O meu trabalho é reconhecido por quem eu quero."

 

Áurea começou pós-adolescente, em clubes, com a mãe a tiracolo. Em seu début, urinou diante da plateia, de pânico. Nos anos 80, saturada das madrugadas, fez concurso e virou inspetora de escola. Não suportou e logo voltou à dedicação integral à música. Ano passado, no eclético Prêmio de Música Brasileira (ex-Tim), foi eleita melhor cantora, mesmo desconhecida do grande público. Áurea vive num apartamento no Catete, bairro outrora nobre da zona sul, e canta na Lapa e arredores, sozinha ou com a Orquestra Lunar, grupo só de mulheres, que tem cinco anos. "É um vício, não sei ficar sem".

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