Pessoalmente, o diretor romeno Radu Jude diz que nunca fez um vídeo de sexo. “Sou feio, melhor poupar todo o mundo de ver isso”, afirmou Jude, em entrevista com a participação do Estadão durante a etapa virtual do Festival de Berlim. Mas é com um vídeo desses, bem explícito, aliás, que ele começa sua comédia Bad Luck Banging or Loony Porn, ganhadora do Urso de Ouro do Festival de Berlim. O júri formado por Ildikó Enyedi (Hungria), Nadav Lapid (Israel), Adina Pintilie (Romênia), Mohammad Rasoulof (Irã), Gianfranco Rosi (Itália) e Jasmila Žbanic (Bósnia e Herzegovina), todos cineastas vencedores do mesmo prêmio em edições anteriores, anunciou discretamente seus premiados na manhã de sexta, 5, encerrando a etapa virtual da Berlinale.
O vídeo pornô em questão envolve a professora Emi (Katia Pascariu) e seu marido e provoca um escândalo ao se tornar viral. “As pessoas acham que professores devem ser imaculados, ao contrário de todo o mundo, que pode fazer o que quiser. É pura hipocrisia”, afirmou Jude. “Eu tenho dois filhos, então já fui a muitas reuniões de pais e alunos. E elas são um espelho da sociedade individualista e narcisista que criamos. Cada pai e cada mãe quer que seu filho seja bem-sucedido, e o resto não importa.”
Para o diretor, esses pais só se preocupam se seus filhos estão aprendendo gramática e português, que são as coisas que precisam para serem admitidos no ensino médio e superior. “Aí acabamos com uma população de pessoas que até sabem matemática e um pouco de gramática, mas não estão preparadas para ser cidadãs, para entender arte ou cultura ou história. E caem em teorias da conspiração facilmente.”
Foi para provocar o espectador que ele colocou a cena de sexo explícito logo no início do filme. “Eu quis botar o público na posição desses pais vendo o vídeo”, disse o diretor. “Ao assistir à fita, você é obrigado a tomar posição. É vulgar? Não é vulgar? É normal ou não?”
Bad Luck Banging or Loony Porn mostra as fraturas da sociedade romena, provocadas pela ditadura comunista. “As pessoas ficaram muito relutantes e cheias de suspeitas em relação às outras – porque o vizinho podia ser um informante da polícia secreta”, lembrou ele. “Mas a revolução veio, e com ela a sociedade democrática. E fomos de mal a pior. Todo o mundo abraçou a sociedade individualista, mercantilista, classista, e resolveu não se importar com ninguém mais. E essa mentalidade americana individualista e neoliberal está envenenando nossas vidas.”
Jude, que já tinha ganhado o Urso de Prata de direção em 2015 por Aferim!, precisou rodar seu longa-metragem em plena pandemia. A equipe e o elenco usaram máscaras o tempo inteiro. “Elas viraram um símbolo. Temos esse monte de pessoas gritando umas com as outras, mas estão cobertas, escondidas”, afirmou ele sobre os abusos sofridos por Emi no filme. A produção coletou todas as máscaras que pôde encontrar no mercado. “E virou uma coisa antropológica, porque algumas têm estampas, frases escritas. Então servem para definir os personagens de alguma maneira.”
O Urso de Prata de Grande Prêmio do Júri ficou com o japonês Wheel of Fortune and Fantasy, de Ryusuke Hamaguchi, um delicado tríptico sobre coincidências e relacionamentos complicados entre desconhecidos.
O Urso de Prata de Prêmio do Júri foi para o documentário Mr Bachmann and His Class, da alemã Maria Speth, sobre o professor Dieter Bachmann e sua abordagem amorosa e sem rodeios com pré-adolescentes, em geral imigrantes ou filhos de imigrantes em Stadtallendorf, uma pequena cidade que se industrializou sob o nazismo, com trabalho forçado de judeus e outras pessoas presas num campo de concentração da região.
O húngaro Dénes Nagy levou o Urso de Prata de direção por seu longa-metragem de estreia na ficção, Natural Light, sobre o membro que tenta se manter puro numa unidade do exército da Hungria encarregada de caçar membros da resistência nos territórios da União Soviética ocupados pelos nazistas.
A alemã Maren Eggert ganhou o Urso de Prata de interpretação por I’m Your Man – o Festival de Berlim deixou de dividir a premiação de atuação entre homens e mulheres. Ela interpreta uma pesquisadora que resiste ao charme calculado de um robô com quem precisa conviver por três semanas.
O Urso de Prata de interpretação coadjuvante foi para Lilla Kizlinger, de Forest – I See You Everywhere, do húngaro Bence Fliegauf.
O sul-coreano Hong Sang-soo levou o Urso de Prata de roteiro por Introduction, um filme em vários tempos sobre apresentações e relacionamentos.
E Yibrán Asuad venceu o Urso de Prata de contribuição artística pela montagem de A Cop Movie, do mexicano Alonso Ruizpalacios, um documentário com elementos ficcionais sobre policiais mexicanos.
Mostra Encontros
O melhor filme da mostra Encontros foi We, de Alice Diop, com o Prêmio Especial do Júri para o vietnamita Taste, de Lê Bao.
Os suíços Ramon e Silvan Zürcher, por The Girl and the Spider, e o canadense Denis Côté, por Social Hygiene, empataram no prêmio de melhor direção.
Rock Bottom Riser, do português Fern Silva, levou uma menção especial.
O júri era formado pela programadora francesa Florence Almozini, a diretora artística argentina Cecilia Barrionuevo e o autor e crítico alemão Diedrich Diederichsen.