Cabra-Cega fala do idealismo nos anos de chumbo

Estréia Cabra-Cega, filme baseado em depoimentos de guerrilheiros, entre eles o atual ministro da Casa Civil, José Dirceu

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Não é de hoje que o cinema brasileiro se interessa pela luta armada que se opôs o regime militar. Filmes como O Bom Burguês, Pra Frente Brasil e O Que É Isso, Companheiro? trataram de formas diferentes esse enfrentamento de forças tão desiguais. Mas Cabra-Cega talvez seja o primeiro deles a captar com exatidão o chamado "espírito da época". Talvez essa virtude (porque a autenticidade é, sim, uma virtude cinematográfica) se deva à origem do projeto. Venturi contatou 40 ex-guerrilheiros e 11 deles concordaram em dar entrevistas, entre eles o atual ministro da Casa Civil, José Dirceu. Esses depoimentos forneceram material para o documentário No Olho do Furacão, exibido pela rede Sesc e que será incluído como extra quando Cabra-Cega sair em DVD. O contato com o pessoal que havia de fato pegado em armas poupou Venturi de armadilhas fáceis, como achar que o "romantismo" da proposta envolvia gente ingênua. Pelo contrário, o diretor descobriu que aqueles jovens sabiam muito bem no que estavam se metendo e os riscos que corriam. Assim construídos, em acordo com os atores sociais entrevistados, os personagens da ficção puderam ser desenhados com uma veracidade que não se encontra nos filmes precedentes. A situação imaginada para esses personagens, Tiago (Leonardo Medeiros) e Rosa (Débora Duboc), caminha para a tragédia, pois a organização a que pertencem já está quase totalmente desestruturada. Foi uma fase em que a guerrilha não se preocupava mais em derrubar o regime, mas na simples sobrevivência física dos seus membros. Esse sufoco é reconstituído num Huis clos no centro de São Paulo. Tiago foi ferido em ação, escapou, mas deve sumir do mapa, pois está "queimado", como se dizia daqueles marcados pela repressão. Esconde-se num "aparelho" e lá conhece Rosa, por quem se apaixona. Há evidente simpatia pelos personagens. E também por suas idéias, que precisariam ser melhor analisadas quanto ao seu realismo político. Mas aquela energia, a disposição em mudar o mundo mesmo que da maneira equivocada, violenta e com risco da própria vida, está lá, na tela. E de forma emocionada e com pegada jovem. O que é muito bom, pois é fundamental que os jovens de hoje saibam como eram e agiam alguns jovens daquela época. O filme é para eles, não para os nostálgicos.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.