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"Cartola" conta a história do samba e do Brasil

Lírio Ferreira e Hilton Lacerda apresentaram o documentário no Cine Odeon BR, como parte da programação do Festival do Rio

Por Agencia Estado
Atualização:

Há um momento de "Cartola", documentário de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda, em que a tela fica escura, enquanto o som segue rolando. A platéia do Cine Odeon BR reagiu diante do que parecia uma falha de projeção, na segunda-feira à tarde. A cena é uma pequena transgressão narrativa dos diretores Naquele momento, o que se comenta é o período em que Cartola abandonou a Mangueira, foi não se sabe para onde, houve até informações de que teria morrido. O buraco negro na vida do compositor gera o buraco negro na tela. É genial, embora contar, aqui, talvez tire a graça do espectador paulistano, que vai assistir à cena, pela primeira vez, na Mostra, ainda este mês. "Cartola" é ótimo, mas também é muito bom o longa de ficção de Jorge Durán exibido à noite, na Première Brasil, "Proibido Proibir". "Cartola" integra a mostra competitiva de documentários. Usa a figura do compositor para contar a história do samba, a história do Brasil em que Cartola viveu e a do audiovisual brasileiro. É uma geléia geral muito criativa. Como Cartola nasceu em 1908, no mesmo ano em que Machado de Assis morreu, Lírio e Hilton homenageiam o autor de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" começando seu filme pelo fim, pela morte do compositor, em primeira pessoa, como se ele se lembrasse. A participação brasileira no Festival do Rio 2006, que termina quinta-feira, está sendo muito musical. Temos tido grandes filmes e, em vários deles, a música é decisiva. Samba, hip hop, afro-reggae. "Cartola", interpretado por Jonathan Haagensen, é personagem de ficção em "Noel - O Poeta da Vila", de Ricardo Van Steen. Tem uma cena forte, quando sobe, com Noel, uma escadaria em Vila Isabel, acompanhando o colega compositor que, sob forte emoção, exorciza o suicídio do pai. Os filmes são bons, em si, mas ficam ainda melhores com as pontes que o espectador pode fazer entre eles, usando a Première Brasil não apenas como vitrine da produção brasileira, mas do próprio País, no atual momento que vivemos. Existem muitos filmes sobre personagens que sonham, e lutam para realizar seu sonho, mas o sonho coletivo tem vindo de documentários como o de Cacá Diegues e Rafael Draumbaud, "Nenhum Motivo Explica a Guerra". Quando Júnior, do AfroReggae, chora, na última cena, lembrando os amigos mortos e diz que deveria ter morrido com eles - seria seu futuro natural, na favela -, existe essa emoção e essa certeza dilacerantes de que só a construção da auto-estima e da cidadania, como fazem os rapazes do grupo, encravados na sua comunidade, pode transpor o abismo social que se configura hoje no Brasil. É o tema, um dos temas de Jorge Durán, no maravilhoso "Proibido Proibir", primeiro longa do diretor desde "A Cor do Meu Destino", há exatamente 20 anos. Com seu portunhol às vezes enrolado, o chileno, radicado no Brasil, Durán levanta a dúvida - é o mais brasileiro dos chilenos ou o mais chileno dos brasileiros? Vivendo entre dois países, duas línguas, ele revela uma compreensão muito grande do Brasil, do Rio, da própria geografia da cidade. "Proibido Proibir" conta uma história de amizade no Fundão, na zona norte. Três estudantes universitários dois garotos e uma moça. Vivem no limite da amizade e do amor, com toda a violência da cidade ao redor. Há cenas de violência policial que evocam os depoimentos de "Nenhum Motivo Explica a Guerra". Durán também vai para a Mostra. Anote aí. Seu filme com Caio Blat, Alexandre Rodrigues e Maria Flor é daqueles que você não pode perder. O repórter viajou a convite da organização do festival

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