Ciclo traz Yoji Yamada ao Brasil

Diretor japonês da série É Triste Ser Homem vem ao País para prestigiar mostra no Cinesesc com seis de seus filmes mais famosos. TV Cultura exibe três deles

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Por Agencia Estado
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É recorde absoluto - nem James Bond, com todas as mudanças de diretor e ator ocorridas ao longo da série com o agente criado pelo escritor Ian Fleming, viveu tantas vezes quanto Tora-san, o protagonista da série japonesa É Triste Ser Homem. O mais impressionante é que todos os episódios da saga foram feitos pelo mesmo diretor e tiveram o mesmo intérprete principal. Mais surpreendente ainda é constatar que esse diretor, Yoji Yamada, ainda teve tempo de produzir outros filmes que estabeleceram em definitivo sua reputação como um dos grandes do cinema japonês. Yamada recebeu 18 vezes o prêmio Kinema Junpo, considerado o Oscar do Japão. O veterano diretor de 69 anos (nasceu em 1931) desembarca no dia 30 em São Paulo. Trazido pela Fundação Japão, pelos Sesc São Paulo e pela TV Cultura, vem prestigiar um miniciclo formado por seis de seus filmes mais prestigiados no CineSesc. Três deles serão exibidos também pela TV Cultura. O título do ciclo não poderia ser mais sugestivo - Os Sentidos da Felicidade, o Cinema de Yoji Yamada. A programação no CineSesc deve ocorrer entre 30 deste mês e 3 de setembro. Vai exibir os filmes Escola, Escola 2, Escola 3, É Triste Ser Homem - O Reencontro com Lily, Em Busca do Arco-Íris e Meus Filhos. Na Cultura, deve ocupar as noites de domingo, também de setembro, exibindo três títulos do ciclo de CineSesc (Escola e Escola 3, aos quais será acrescentado É Triste Ser Homem. E haverá uma mesa-redonda do diretor com a crítica Lúcia Nagib e o também diretor Carlos Reichenbach, grande admirador do cinema japonês. Como parte dos preparativos para sua viagem ao País, Yamada concordou em responder, por e-mail, a uma entrevista. Entre outras coisas, disse uma que deve agradar particularmente ao cineasta Walter Salles - Central do Brasil foi o melhor filme que viu no ano passado, independentemente de nacionalidade. Conhece música brasileira. Do ponto de vista cultural, reconhece que ela é muito rica e famosa. E diz mais sobre o País que ainda não conhece pessoalmente. "Durante anos, uma massa de japoneses emigrou para o Brasil; alguns tiveram sucesso e outros não conseguiram tanto, voltando para o Japão." Acrescenta que a história da emigração japonesa é antiga e tem um significado profundo. "Nesse ponto de vista, acho que podemos dizer que o Brasil é o país mais familiar para os japoneses", esclarece. Fórmula - O próprio Yamada confirma os números da série É Triste Ser Homem. "São ao todo 48 episódios e uma edição especial; consta no Guiness Book que é a mais longa série de cinema produzida com o mesmo diretor e o mesmo elenco." Ele revela o segredo da longevidade. "Toda a equipe trabalhava como se fosse uma família, desde o primeiro episódio." E continua: "Uns morreram, outros se aposentaram ao longo do tempo, mas todos os episódios foram feitos pela mesma equipe, com o mesmo elenco." Além disso, Yamada conta que a empresa produtora, o estúdio Ofuna, existia em função dessa série. "O cenário principal, os adereços e figurinos foram conservados durante 20 anos com muito carinho." Yamada explica o conceito do personagem Tora-san, interpretado pelo ator Kiyoshi Atsumi, morto em 1996, o que levou ao encerramento da série. "Talvez Charles Chaplin seja o melhor exemplo; acredito que o herói das comédias seja em geral pobre; é uma espécie de vagabundo que não possui autoridade nem moradia fixa." Mas isso é só parte da questão. Yamada também acredita que o ser humano está sempre atrás de um ideal. "A encenação do ideal de Tora-san é a figura feminina que aparece em cada episódio; ele busca o ideal, mas sempre se decepciona." Por mais prazer que tenha lhe dado esse trabalho de equipe, mesmo assim, em vários momentos, ele sentiu a necessidade de mudar e fez outro tipo de filme. "Da mesma forma que um compositor gostaria de compor não só obras sinfônicas, mas também músicas de outros estilos, como concertos para piano ou para quarteto de cordas, eu também quis produzir filmes de outros estilos." Acredita possuir um estilo. "O meu estilo é traduzir os acontecimentos da sociedade e os grandes temas da humanidade numa dimensão pequena, que é a família." A partir dessa dinâmica familiar tenta descrever como isso se reflete na sociedade. "Nesse sentido, é verdade que existem pontos de contato entre as minhas obras e as do sr. Ozu." O sr. Ozu, tratado com o respeito que os japoneses atribuem à hierarquia, é o grande Yasujiro Ozu, um dos maiores diretores do cinema. Yamada foi assistente de Yoshitaro Nomura e Minoru Shibuy. Estreou na direção graças a uma indicação do primeiro, mas prefere reverenciar, além de Ozu, os srs. (Akira) Kurosawa e (Kenji) Mizoguchi. "Foram os mestres da minha juventude, com o sr. Kurosawa cheguei a ter relações de amizade, mas não gostaria de estabelecer comparações entre eles." Quando Yamada passou à direção, o mundo todo estava sob o impacto da revolução estética produzida pela nouvelle vague, o movimento de renovação do cinema francês no fim dos anos 50. Yamada é contemporâneo de Nagisa Oshima na empresa Shochiku, mas enquanto o diretor de O Império dos Sentidos se tornou um dos luminares da nouvelle vague japonesa, ele preferiu trilhar outro caminho, talvez mais tradicional. "Oshima (é curioso como aqui ele não usa o tratamento cerimonioso de sr.) transbordava energia e confiança; eu, particularmente, não tinha toda essa autoconfiança", diz. A alegada falta de confiança não o impediu de se transformar num diretor importante. No livro Grandes Diretores do Cinema Japonês, editado pela Fundação Japão, Lúcia Nagib observa que Yamada é um dos raros diretores a manter uma produção constante, garantindo sempre um nível que lhe é característico. Apesar do inegável caráter artístico de sua obra consegue atingir o grande público focalizando o cotidiano das camadas mais simples na população urbana. Nos 26 anos que durou a série É Triste Ser Homem, Yamada terminou fazendo a crônica das transformações ocorridas no Japão. Como ele conta: "Mesmo se os personagens tenham permanecido os mesmos, não podemos esquecer a transformação da sociedade que é provocada pelo tempo; o Japão mudou muito em 30 anos; infelizmente, mudou para pior, aproximando-se cada vez mais do pragmatismo americano." E ele lamenta - "O que o Japão tinha de bom está sendo desmantelado." Nesse processo de transformação, o cinema japonês perdeu espaço. Como ocorre em todo o mundo, o mercado japonês também está formatado para o produto estrangeiro, leia-se as megaproduções de Hollywood. "Já houve um tempo em que a proporção entre os filmes japoneses e os estrangeiros no mercado era de 50% cada uma, porém, a parte japonesa caiu para cerca de 30% nos últimos dez anos, cedendo espaço para os filmes ocidentais, sobretudo os de Hollywood", diz Yamada no e-mail. Resistência - Ele não gostaria de ver essa proporção diminuir ainda mais e, por isso, esforça-se para produzir filmes que sejam atraentes para o grande público. Mas está pessimista. "Existe época em que o cinema de um determinado país vive o seu apogeu, para em seguida amargar o declínio; no caso do cinema japonês foi no fim dos anos 50." Admite que o cinema japonês se deteriorou bastante, mas não acha que seja um problema exclusivamente local - "Acho que temos de resistir contra os filmes de Hollywood em nível mundial." Acrescenta que o que ocorre no Japão é o seguinte - "A produção dos filmes de massa é toda atribuída a Hollywood, enquanto o cinema japonês tende a sobreviver como cinema de arte." Não acha que seja uma boa tendência. "Além disso, os filmes japoneses contemporâneos têm uma imagem sinistra", acrescenta. Inclui Takeshi Kitano na tendência. "Seus filmes são ótimos, mas sinistros." Em 1986, ele lançou Kinema no Tenchi, resgatando a atividade dos diretores japoneses dos anos 30. Explica - "É uma obra que trata do tempo de transição do cinema mudo para o sonoro; foi uma época muito rica do cinema japonês e parto daí para refletir o que falta no mundo cinematográfico japonês atual." Diz que o estúdio Ofuna possui "história própria e possui uma enorme quantidade de documentos e patrimônios que os pioneiros deixaram." Agrada-lhe ter contribuído para divulgar um pouco mais esse patrimônio que, de outra forma, teria permanecido inédito ou, pelo menos, pouco conhecido.

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